Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

A proteção ao direito do autor na internet

“Ubi societas, ibi jus” ­ onde há sociedade, há direito. Este antigo aforismo preceitua, desde a antiguidade, que a convivência em grupo deve ser pautada por normas. A partir da década de 1990 a sociedade passou a conviver no meio virtual por meio do uso da internet. O direito tem tentado, desde então, regrar esta convivência na rede. Mas a regulação da internet pelo direito é sempre uma corrida atrasada, já que a internet muda no passo ágil da criatividade de” web programmers”, “tech geeks” e “coders’, e o direito muda ao fim do atravancado percurso do Poder Legislativo até o consenso.

Em 23 de abril de 2014, há mais de um ano, foi sancionada a Lei nº 12.965, conhecida como Marco Civil da Internet. A lei entrou em vigor dois meses mais tarde e tem sido aplicada no território nacional desde então. Atualmente, está sendo elaborado um decreto regulamentador da lei, para preencher os vazios normativos que restaram sobre temas sensíveis como a neutralidade da rede e a coleta e o armazenamento de dados pessoais. Entretanto, uma das questões que não será abordada pelo decreto regulamentador e que permanece sem disciplina legal é a responsabilização dos provedores de aplicações de internet (como Youtube, Facebook, Instagram) pela violação de direitos autorais na rede.

A atual redação do Marco Civil da Internet determina que os provedores de aplicações podem ser responsabilizados por materiais online que violem direitos (em geral, com exceção dos direitos autorais) apenas caso recebam ordens do Poder Judiciário para retirar o conteúdo da rede, e deixem de cumpri-las. O texto, entretanto, é extremamente restritivo quanto à possibilidade de responsabilização dos provedores de aplicações, que se isentam dos deveres de regrar a conduta de seus usuários, de fiscalizar o material veiculado, e de agir com rapidez na retirada de conteúdo ilegal da internet. Ademais, a sanção cominada em tese aos provedores, de responsabilização em caso de descumprimento de ordem judicial, chove no molhado, visto que a ninguém é dada a prerrogativa de descumprir ordens judiciais.

Essa norma limitante da responsabilização dos provedores de aplicações de internet, como se disse, não se aplica a violações on­line de direitos autorais, que estão em um vácuo normativo. A exemplo de outros países que deram um passo legislativo no sentido de proteger o direito autoral na rede, o Brasil deve preencher este vazio, e deve fazê­lo de forma a efetivamente possibilitar a responsabilização dos provedores.

É extremamente difícil para um autor, individualmente, identificar e localizar o usuário que disponibilizou na internet o material que viola seus direitos autorais. Esse usuário pode se valer de um pseudônimo ou de um apelido na rede, exibir uma foto que não é sua, e informar uma localização falsa.  Seus dados pessoais, naturalmente, não podem ser revelados pelo provedor de aplicações de internet. É possível ainda que o autor descubra que este usuário mora no exterior, em um país pouco protetivo do direito autoral, o que dificulta em muito a tomada de medidas contra ele. Ainda assim, mesmo que localizado um usuário, é muito provável que diversos outros tenham dispersado o conteúdo na rede, multiplicando os focos de violação ao direito autoral.

Mas não é pela dificuldade em identificar, localizar e punir os maus usuários das aplicações que deve haver a possibilidade de responsabilização do provedor dessas aplicações na internet. O provedor de aplicações é também responsável pela violação de direito autoral por ser ele que efetivamente veicula o conteúdo infrator. Ademais, como usuários da internet acessam esse conteúdo na página web do provedor, o provedor lucra com a violação.

É verdade que a fiscalização de todos os conteúdos pelo provedor de aplicações, em diversos casos, restringiria em muito a funcionalidade dessas aplicações. Imagine­se, por exemplo, a quantidade enorme de vídeos de que é feito “upload” no Youtube, aguardando em fila para serem examinados um a um, para que especialistas afiram se esses vídeos violam direitos autorais ou não e, consequentemente, se podem ser disponibilizados na rede ou não. Haveria um aumento demasiado dos custos e um estrangulamento das informações disponibilizadas na rede. É impraticável.

Exatamente por esse motivo é que autores e provedores de aplicações devem cooperar dinamicamente na defesa do direito autoral. O autor, ao invés de partir em uma busca impraticável pelo usuário infrator, tem plenas condições, isso sim, de entrar em contato com o provedor de aplicações (que deve proporcionar um canal adequado para tal), e notificá­lo da infração ao seu direito autoral. Ao que o provedor de aplicações de internet deve agir prontamente e retirar o conteúdo da rede. Esse sistema adotado por diversos países, conhecido como “notice and takedown”, atribui ao provedor de  aplicações um papel ativo na proteção do direito autoral, que ele deve cumprir sob pena de responsabilização. O que está muito distante da posição cômoda de aguardar ordens do Poder Judiciário para tomar alguma medida.

É preciso que a legislação brasileira supra o vazio normativo quanto à responsabilização dos provedores de aplicações de internet por violações ao direito autoral, fazendo da rede um ambiente de convivência responsável, de respeito aos direitos autorais, de atribuição e reconhecimento de autoria, e de valorização social e econômica da criatividade dos autores.

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Naíma Perrella Milani é especialista em direito autoral pela Universidade de Buenos Aires e advoga em São Paulo. Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.