Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A serviço dos parlamentares

Apenas nos primeiros quatro meses do ano de 2009, o Congresso Nacional é novamente colocado à prova. Mal começou o ano legislativo e já aparecem para a sociedade 44 novos escândalos envolvendo deputados e senadores.


Celulares emprestados à filha, passagens aéreas, sogra fantasma no gabinete do reincidente Renan Calheiros e até um castelo no interior de Minas Gerais acabam se tornando notícias com apelo maior do que as ações do congresso brasileiro, que, de fato, representam mudanças práticas na sociedade e que acabam tendo importância secundária.


O trabalho de investigação e denúncia da TV aberta e dos veículos de comunicação (rádios, portais de internet, blogs e jornais impressos), mesmo que superficial, faz com que o brasileiro tenha a capacidade de analisar a qualidade do político que ele ajudou a eleger como seu representante.


Entretanto, esta não é a opinião dos deputados estaduais e federais e senadores, que alegando a busca pela transparência, aliada a um discurso de perseguição e distorção do verdadeiro papel e trabalho do parlamento por parte da mídia, vem implementando, desde 1995, as TVs legislativas. Segundo os representantes eleitos, esta TV deve trabalhar a serviço do povo, mostrando, de fato, como funciona o dia-a-dia dos locais onde são traçados os rumos do Brasil.


A TV Senado, implementada pelo então presidente da casa, José Sarney, em 1996, nascia com o papel de mostrar ao Brasil o trabalho dos senadores que, até então, tinham a proteção das portas do plenário e apenas expunham suas opiniões quando questionados pela mídia.


Após 14 anos de transmissões limitadas à TV a cabo, recepções de antenas parabólicas e transmissão via internet, com a 23ª colocação no ranking do Ibope sobre a difusão de canais a cabo em seu mais alto pico de audiência, este texto discute o papel deste canal de comunicação que custa ao Senado R$ 10,4 milhões por ano.


A emissora e seu alcance


Apenas os brasileiros que contam com internet, TV a cabo ou antenas parabólicas têm a oportunidade de assistir à programação da TV Senado. Com essa restrição de acesso, a transmissão parlamentar passa a ser limitada a uma porcentagem pequena da população.


No Brasil, segundo dados doInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE) e do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), a TV a cabo alcança apenas 6,2 milhões dos 56,3 milhões de domicílios brasileiros e a internet 9,3 milhões. Além disso, 9,5 milhões de domicílios contam com antenas parabólicas.


Entre os municípios com população de até 20 mil habitantes, pode-se acessar a internet em apenas 5,5% deles. Nos municípios com até cinco mil habitantes, a TV a cabo chega a apenas 1,7% deles. Os números nos mostram que, na maior parte do interior do Brasil, o acesso é disponibilizado prioritariamente por meio das antenas parabólicas, que estão presentes em menos de 20% dos domicílios brasileiros.


Nas capitais, o número de assinantes de TV a cabo pode chegar a 60%. Entretanto, é importante lembrar que, na maioria das vezes, os sinais de cabo não são disponibilizados nas regiões mais pobres dos grandes centros.


De acordo com dados da TV Senado, o número de acessos à TV pela internet, de 1º janeiro a 1º de abril de 2009, chegou a 70.059, uma média de 789 acessos dia.


Também na TV a cabo, a audiência é pequena. Dados obtidos junto ao Ibope pelo jornal Folha de São Paulo em 2005 mostravam que a TV Senado ocupava um modesto 36º lugar no ranking do Ibope dos canais mais vistos da TV paga, com apenas 1.331 telespectadores por minuto, em média, no horário nobre (das 19h às 24h); em seu mais alto pico de audiência, na ocasião da CPI dos Correios, chegou, em alguns momentos, ao 23º lugar com 14.644 telespectadores por minuto. Os primeiros lugares de audiência dos canais pagos sustentam picos de 200 mil telespectadores por minuto.


Autonomia relativa


A autonomia da TV Senado, do ponto de vista jornalístico, pode ser considerado, no mínimo, duvidosa. Apesar de contar em seus quadros com uma maioria de jornalistas estáveis, a TV Senado tem seu orçamento (R$ 10,4 milhões por ano) vinculado à Mesa-Diretora do Senado Federal; ou seja, ela é parte do serviço público.


Esta situação pode colocar a emissora numa posição vulnerável quanto a sua capacidade de resistir à tentação de alguns parlamentares, interessados em seus projetos pessoais e de reeleição, que poderiam usá-la de forma abusiva.


Além disso, o titular da Secretaria de Comunicação Social do Senado, órgão interno ao qual a TV Senado é vinculada, é escolhido pelo presidente da Mesa do Senado, podendo fazer parte ou não do quadro de servidores da casa. No serviço público brasileiro, seja ele de qualquer esfera, comumente vemos indicações determinadas a atender interesses políticos de quem está no poder. E a TV Senado não está imune a esta possibilidade.


Para os servidores estáveis, este fato acaba gerando situações de conflito e desconfiança, dentro de um veículo de comunicação com grande responsabilidade social, além de colocar a credibilidade do trabalho em risco.


Imprensa e TV como recurso


Como conta com 13 horas diárias ininterruptas de transmissão ao vivo, a TV Senado, como fonte para a imprensa, tem proporcionado aos veículos de mídia a possibilidade de acompanhar e difundir momentos de conflitos e situações inusitadas que acabam acontecendo fora das sessões mais importantes e de maior visibilidade do Congresso.


Segundo fontes da Rede Globo, a TV Senado auxilia na produção de imagens para veiculações diárias. Porém nos momentos mais importantes, câmeras da própria emissora são deslocadas para o Congresso Nacional.


Além disso, estudos mostram que não existe, de fato, muito interesse por parte da grande mídia nas atividades parlamentares cotidianas. O doutor em Ciência Política Wladimyr Lombardo Jorge realizou em 2003 uma pesquisa que apontou a participação da mídia nas atividades parlamentares.


A pesquisa concluiu que houve grande visibilidade das atividades do Congresso durante a Assembléia Nacional Constituinte. No entanto, assim que foi promulgada a Constituição Federal, em outubro de 1988, o grau de cobertura do Congresso Nacional caiu consideravelmente. O objeto de análise da pesquisa foi a cobertura do Congresso Nacional em 2.523 notícias publicadas entre 1985 e 1990 por quatro jornais brasileiros de circulação nacional (O Globo, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e Jornal do Brasil).


Falar que a TV Senado é uma fonte de informação capaz de formar comentaristas políticos sem que os mesmos necessitem entrar no Congresso Nacional é contrariar os princípios de uma boa apuração jornalística e de aproximação e manutenção de fontes com a finalidade de buscar furos.


Luis Costa Pereira Júnior, em seu livro A Apuração da Notícia (p.86-87), destaca a importância do contato com a fonte e a necessidade de apuração dos fatos in loco. Segundo o autor, o contato direto com a fonte dá ao repórter uma grande possibilidade de se apontar erros de avaliação da pauta (ou notícia). Também é preciso saber o valor da informação que o repórter tem à mão para avaliar a necessidade de se levar ou não em frente uma investigação mais detalhada, para que a informação não chegue incompleta ao público.


Um instrumento de promoção do Congresso


O Senado demorou seis anos para normatizar regras que limitam o uso de seu canal de TV, com o objetivo de os senadores não utilizarem o mecanismo de forma indiscriminada. Antes da publicação do Ato Administrativo nº 15, em 2002, foram identificados vários casos de senadores, donos de emissoras de TV em seus Estados, que gravavam depoimentos para enviar aos seus canais. Tudo isso com dinheiro público.


Entretanto, mesmo com a publicação do ato administrativo, o uso da TV como forma de promoção não tem como ser controlado. Números apontam um grande aumento de pronunciamentos realizados no Plenário. Segundo dados da Secretaria de Controle Interno do Senado Federal, em 1995 foram realizados 2.515 pronunciamentos, número que em 2005 subiu para 4.163. Em 2007, foram 4.350 e em 2008 houve uma queda considerável na quantidade de pronunciamentos, atingindo 2.700, número que apesar de aparentemente baixo em relação aos anos anteriores, supera os constatados antes do início das transmissões da TV Senado.


Além disso, os senadores acabam por se desviar da real função de seus pronunciamentos, que é a de discutir com os demais senadores os problemas do País e a criação as políticas públicas capazes de atender as reais necessidades da população, para dar continuidade a suas campanhas em seus Estados, objetivando a reeleição no próximo pleito.


Discursos vazios, com grande carga emocional, voltados para o povo e não para o Congresso, mesmo que com pouca difusão, como acredita o senador Mão Santa, o campeão de pronunciamentos no Senado Federal. Segundo o senador, o importante é falar para o seu Estado, para o seu eleitor. Para ele, as decisões políticas devem ser construídas e negociadas em gabinetes e corredores do Senado: ‘O plenário é para o povo e não para nós’, afirma.


Mão Santa e seu discurso nº 1.000


‘E você acha certo poder viajar com a sua mulher?´. Eu disse: `Olha, eu acho. Eu achava errado se eu fosse levar as mulheres dos outros, mas levar a minha?! Vocês querem é acabar com a família?!´ Família é algo divino [sic]’.Esta é uma pequena demonstração do discurso de número 1.000 do senador pelo PMDB do Piauí Mão Santa, proferido no dia 17/04, uma sexta-feira, indignado ao ter sido questionado por um jornalista sobre o pagamento de passagens aéreas para sua mulher utilizando dinheiro público.


Durante o discurso, o campeão de pronunciamentos Mão Santa admitiu que quando foi prefeito de Parnaíba também costumava levar a mulher em suas viagens, até mesmo quando foi convidado por uma multinacional para ir à Alemanha. O senador disparou: ‘Eu disse: Pois me dê aí, vinte diárias. Para D. Adalgisa também´. Aí quando eu cheguei, a Câmara (Municipal) estava no maior alvoroço. E eu disse: `Ora, rapaz, vocês queriam que eu fosse dormir com a Adalgisa debaixo da ponte, naquele frio doido da Europa. Você já foi à Alemanha? [sic]’.


Em provocação ao atual governo, Mão Santa, chamando o presidente Lula de ‘Luiz Inácio’, sugeriu que ele apoiasse, para sua sucessão, o senador pelo PMDB-RN Garibaldi Alves, incluindo na chapa a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, como candidata a vice-presidente.


Para que os senadores não deixassem o Plenário do Senado, Mão Santa passou a citar e elogiar alguns deles. Todos responderam aos elogios. Alguns estão a seguir:




‘Não condeno que qualquer senador esteja na mão de empresários e lobistas não, acho isso normal. Mas uma das virtudes de Mão Santa é de nunca ter se entregue a isto. Mão Santa é a figura mais popular do Senado. Em qualquer lugar do país ele é reconhecido. Acho que a TV Senado deveria conferir um título ao Senador por o mesmo estar sempre presente na sua programação [sic]’ (senador Garibaldi Alves, PMDB-RN).


‘Ninguém se mostra mais à vontade nessa tribuna do que vossa excelência. O problema não é só os mil discursos, mas o tempo deles. Eu, que passei na presidência apenas um ano e dois meses, digo que vossa excelência presidiu mais o Senado do que eu, que fui presidente do Senado [sic]’ (senador Heráclito Fortes, PSDB-PI).


No dia do discurso 1.000, o Senado estava efetivamente sob a chefia de José Sarney (PMDB-AP), presidente da Casa, que não costuma figurar no Congresso às sextas-feiras. O senador apenas permaneceu em Brasília para aguardar a leitura da renúncia de sua filha, a senadora Roseana Sarney (PMDB-MA), para que ela pudesse assumir o governo do Maranhão. Caso Sarney não estivesse presente, Mão Santa estaria ocupando a Presidência do Senado durante seu milésimo discurso.


Mesmo com tais declarações, em meio a uma crise de diárias e passagens, e com uma chacota direcionada ao presidente Lula, o discurso repercutiu apenas no site do jornal O Globo, no mesmo dia. Nos demais portais, na televisão e nos jornais impressos do dia seguinte, o discurso não foi aproveitado.


Além disso, deve-se levar em conta que o senador Mão Santa apenas procurou alcançar seu objetivo de conseguir falar para o seu eleitorado piauiense (mesmo que o senador não acredite em uma grande audiência do veículo). Na sua fala, nenhuma intenção de tratar assuntos de relevância para o estado do Piauí; mas apenas um discurso carregado de vaidade, elogios direcionados e ironias minuciosamente preparadas para garantir o espetáculo político-teatral que a TV Senado transmite todos os dias, ao vivo, para todo o Brasil.


A avaliação de um cidadão


O advogado aposentado capixaba Fernando Garschagen, 65, que se considera um conservador, tem como uma de suas rotinas diárias assistir, pela TV a cabo, à TV Senado. Fernando diz que gosta de acompanhar comunicados de lideranças e debates entre situação e oposição que, na grande maioria das vezes, acabam esquecidos pelos jornais.


Mesmo sem acreditar muito na atual política brasileira, Garschagen analisa que, atualmente, a TV Senado não é capaz de formar opiniões políticas ou até mesmo influenciar o voto popular. Isso porque, segundo ele, os discursos apresentados são vazios, prolixos e apenas voltados para a promoção dos congressistas. Além disso, Fernando defende a popularização dos canais legislativos para que todos tenham acesso às ações do legislativo brasileiro.


O capixaba faz questão de destacar o senador Pedro Simon como uma exceção no Congresso: ‘Gostava dos discursos de antigamente, como os do Carlos Lacerda. Esta época o país tinha uma política mais produtiva, mais ativa. Fora o Pedro Simon, o que vemos são pessoas despreparadas, proferindo discursos de péssima qualidade intelectual, tentando justificar seus mandatos’,destaca o aposentado.


Conclusão


Apesar dos modestos índices de audiência da TV Senado, tanto na TV propriamente dita como na internet, o veículo demonstra uma grande capacidade de gerar, dentro do Senado, uma mudança capaz de transformar o Congresso em um circo político. Discursos preparados para impressionar o público, scripts predeterminados e posição de verdadeiros atores, com o objetivo de se destacar na televisão, são assumidos pelos senadores que sabem que estão sendo acompanhados por câmeras de uma TV paga pela própria Casa.


No campo jornalístico, a TV Senado, apesar de contar com quadro concursado, depende da Mesa-Diretora para garantir o orçamento anual. Além disso, a TV é administrada por um diretor indicado pelo titular da Secretaria de Comunicação Social do Senado, um cargo de confiança do presidente do Senado. A forma de escolha do comando da TV fragiliza a capacidade de se promover, para o cidadão, uma emissora que tenha como valores a transparência e a isenção.


No que diz respeito a ajuda que a TV Senado pode dar aos veículos de comunicação, é preciso tomar cuidado. O recurso pode ser nocivo para a qualidade da informação dependendo da forma que ele é utilizado. Não se pode admitir que repórteres ou comentaristas se contentem com as informações veiculadas na TV Senado para fazer suas matérias ou suas colunas. A apuração é fundamental para a construção de uma matéria correta e confiável, e este recurso uma TV não tem como oferecer.


O discurso do senador Mão Santa mostra claramente que o objetivo dos senadores é o de atuar na frente das câmeras para atingir um objetivo pessoal, a promoção junto à parcela de seu eleitorado que ele é capaz de atingir por intermédio da TV Senado. Um fato relevante que demonstra a falta de interesse interno pelos discursos dos congressistas ocorreu durante o primeiro pronunciamento do falecido deputado Clodovil Hernandez (PTC-SP). Clodovil interrompe seu pronunciamento para reclamar do barulho no plenário da Câmara dos Deputados comparando-o com uma feira. – ‘Nem na televisão, que é um veículo popular, as pessoas fazem isso’, proferiu o deputado que, por alguns minutos, conseguiu silenciar os colegas.


Mesmo se tratando de uma TV pública, que não visa grandes picos de audiência, a TV Senado deveria ter a preocupação em desenvolver uma programação mais atrativa que incentivasse uma maior procura do canal por parte da população. O canal deveria se preocupar também com a possibilidade de se gerar pautas para a imprensa que poderiam ir além do que é captado durante as 13 horas de transmissão do plenário do Senado aproximando assim o eleitor do representante que ele escolheu.


Para que a TV Senado e as demais TVs públicas – que têm como objetivo buscar a transparência dos espaços públicos cruciais de formação de políticas públicas, aprovação de leis, julgamento de escândalos e causas que influenciam no dia-a-dia do país – contribuam para o desenvolvimento da capacidade crítica da população, que poderá ter reflexos nas urnas, o sinal dessas emissoras deve ser disponibilizado como canal aberto nos quatro cantos do Brasil.


Para que a transparência aparentemente perseguida seja eficiente, é preciso dar acesso à informação a 100% da população de um país, e não apenas a uma pequena parcela dela.

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Jornalista e professor universitário, Brasília, DF