Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A vantagem de dar nome aos bois

As primeiras declarações do ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação Social, desanuviaram um ambiente gravemente tensionado há quase dois anos. As palavras deste capixaba – que, como todos, parece ser mais tranqüilo do que os mineiros – não renderam manchetes, mas estão fadadas a esvaziar um impasse que intoxicava as relações entre governo e imprensa e comprometia seriamente nossa tranqüilidade institucional.


Qual a mágica deste comentarista político que se exibia nas mais importantes vitrines da mídia brasileira e agora, com a mesma habilidade, consegue reverter uma situação que chegou a ser apontada como dramática e irreversível?


Franklin Martins apenas reconheceu a existência de um foco de tensões. Nada mais, nada menos. A solução de um problema começa pelo reconhecimento de sua existência. Detalhe? Pode ser, mas a partir dele é possível buscar uma enunciado correto. O resto – a busca da solução – é relativamente fácil. O que nos leva a estabelecer um axioma audacioso: não há problemas insolúveis, há problemas escondidos debaixo do tapete. Ou erroneamente formulados.


Poder real


O conflito governo versus imprensa existe desde meados de 2005, escancarado pelas revelações sobre a existência do mensalão, valerioduto e afins. O governo e o partido do governo resolveram ignorá-lo e quando isto ficou impossível tentou o by pass, a perigosa ultrapassagem: começou a bombardear a imprensa com acusações de golpista, partidária etc., etc. O confronto agravou-se quando, duas semanas antes do primeiro turno das eleições presidenciais, a Polícia Federal desvendou um dos maiores escândalos eleitorais da nossa história política: a compra de um dossiê falso destinado à publicação num semanário de circulação nacional para prejudicar candidatos da oposição.


Ao reconhecer que governo e imprensa passaram por uma ‘crise política monumental’ e que, doravante, a relação entre as partes deverá ser ‘mais fluída, mais tranqüila, mais profissional, menos defensiva’, o novo ministro tem a coragem de identificar o problema e nomeá-lo de forma pertinente e explícita. Assume-se, assim, assim como autêntico mediador. Mediador e não intermediador. Mediador, com engenheiro de comunicação, especialista em abrir novos canais de comunicação. Ou desentupir os existentes.


Custa crer que assessores presidenciais do porte de Marco Aurélio Garcia e Tarso Genro não tenham percebido que a entonação frenética das críticas à imprensa vocalizadas pelo candidato-presidente da República durante a campanha eleitoral constituía séria ameaça ao processo democrático.


O primeiro a perceber o perigo do confronto foi o jornalista Eugênio Bucci, presidente da estatal Radiobrás, ao declarar que um governo não pode apresentar-se como vítima da imprensa. A recíproca, sim, pode ser verdadeira: governos têm poder real, a imprensa jamais poderia confrontar o aparato de força embutido nos poderes executivo, legislativo e judiciário.


Plural e poderosa


Quem obrigou Richard Nixon a renunciar foi a sociedade americana – o Washington Post, amparado na Constituição dos EUA, apenas ofereceu-lhe subsídios. O mesmo aconteceu no Brasil: a derrubada de Collor de Mello foi obra do Legislativo e do Judiciário, Veja e a imprensa apenas utilizaram a sua capacidade de duvidar das versões oficiais.


Como jornalista, Franklin Martins localizou um campo minado. Como funcionário a serviço da sociedade mostra-se disposto a criar alternativas viáveis para tornar nossa comunicação social mais pluralista e, portanto, mais poderosa. Como comentarista político (que jamais deixará de ser) percebeu que é indispensável dar nome aos bois. Antes que, tomados pela fúria, derrubem o circo.