Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A reação contra o ebola

Mesmo fora da temporada eleitoral chamaria a atenção o protesto de um jornalista contra o embargo a um de seus textos. Na reta final do pleito, o caso torna-se ainda mais notável, já que no texto censurado o jornalista expressava a sua preferência por um candidato. Xico Sá, colunista do caderno de Esportes da Folha de S.Paulo, demitiu-se em protesto. A ouvidora da Folha reclamou da direção a aplicação de medida tão extrema e foi-lhe explicado que tratava-se de “proselitismo partidário”. Desculpa esfarrapada: ao opinar, querendo ou não, um colunista faz proselitismo e o jornal que pretende ser pluralista deve estar aberto a todos proseltismos e partidarismos. Caso contrário, estará praticando um pluralismo pela metade que, convenhamos, é muito singular.

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O primeiro surto significativo do ebola ocorreu há quase 40 anos. Houve outros, mais localizados e menos letais. Desta vez o vírus atacou com extrema virulência num grupo de países da África Ocidental extremamente vulneráveis, pobres, recém-saídos de guerras civis.

O alerta máximo acionado pela Organização Mundial de Saúde levou em conta os fatores de risco locais, o potencial de contágio e a mobilidade decorrente da rápida globalização.

Prevenção não é um faz de conta, ou se faz para valer ou é encenação. Aqui no Brasil, o fato do suspeito zero, o guineano Suleimane Bah, ter sido diagnosticado como negativo, não pode ser interpretado como indício de que houve exagero. As autoridades sanitárias não se esconderam, explicaram e tranquilizaram, os protocolos de segurança foram estritamente obedecidos e a mídia comportou-se com razoável cuidado.

Este é um dado de capital importância: a comunidade internacional está, agora, demonstrando sua capacidade de reagir de forma solidária e coordenada. Neste sentido, a extraordinária participação dos médicos cubanos está sendo aplaudida até pela imprensa americana. As notícias da cura das duas enfermeiras espanholas contaminadas diretamente por um paciente que morreu é um indício de que o ebola não é imbatível, pode ser enfrentado e talvez controlado. O perigo continua o mesmo, mas a mídia pode ajudar a enfrentá-lo. Quando se trata de salvar vidas, entre a omissão e o alarmismo, este pode ser muito mais eficaz. (Alberto Dines)

 

 

A mídia na semana

>> O presidente do TSE, ministro Antonio Dias Toffoli, assumiu para valer o papel de bombeiro na mais brutal disputa eleitoral da nossa história. Pena que a enérgica decisão só tenha sido tomada agora, dias antes de serem acionadas as urnas e apenas no âmbito do horário eleitoral gratuito. De qualquer forma, algumas baixarias já foram punidas. Porém, os debates corpo a corpo promovidos pelas emissoras continuam sendo travados sem qualquer arbitragem da parte dos jornalistas-âncoras, mais preocupados com o relógio do que com o exercício do seu papel de moderadores. Também aqui as emissoras comerciais exibem sua total incapacidade de oferecer à população espetáculos edificantes.

>> Não é nenhum milagre o surpreendente renascimento do Washington Post. O jornal que denunciou o escândalo do Watergate e levou à renúncia do presidente Richard Nixon vinha em franca decadência até que o fundador da Amazon, Jeff Bezos, o comprou por uma ninharia há pouco mais de um ano. Bezos investiu na reportagem, recontratou antigos editores, apostou no velho e bom jornalismo. Não deu outra: o Post voltou à linha de frente enfrentando gigantes como o New York Times e o Wall Street Journal.

>> A mídia eletrônica, especialmente a televisão, precisa prestar muita atenção na forma com que está apresentando o maníaco sexual de Goiânia. O assassino confesso de 30 mulheres começa a ser vitimizado com versões sobre uma infância problemática, bullying na escola etc. Thiago Rocha é um monstro, qualquer tentativa de glamourizá-lo e desculpá-lo é um escárnio às suas vítimas.

>> No sábado, dia 25/10, completam-se 39 anos do assassinato do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI-Codi do então Segundo Exército, em São Paulo. Comprovado que não foi suicídio mas tortura e assassinato, o caso Herzog permitiu que parte da imprensa começasse a tratar da repressão a despeito da censura. Dentro de poucas semanas teremos o relatório da Comissão da Verdade, que nos contará o que se passou no país durante a ditadura militar.