Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Aécio Neves e a censura a um cientista político

Primeiro Alberto Dines, censurado e demitido do Jornal do Brasil após artigo criticando o casal ‘garotinho’. Depois, Jorge Kajuru, tirado do ar no meio do programa e demitido da Bandeirantes, após criticar a farra dos ingressos reservados a políticos e autoridades para o jogo Brasil e Argentina, no Mineirão. Agora é a vez do cientista político Fernando Massote, cronista do jornal Estado de Minas (que se intitula ‘O grande jornal dos mineiros’).

Fernando Massote é professor de Ciências Políticas na UFMG, e publicava suas crônicas na seção Opinião do jornal, sempre às sextas.

O fato tem a ver com os narrados acima, principalmente com a demissão de Jorge Kajuru da Bandeirantes, após criticar Aécio Neves. Começo a acreditar que não se pode discordar publicamente do governador Aécio Neves, sob o risco de sofrer pesadas retaliações. A exemplo de Kajuru e Dines, Massote também foi ‘censurado’, pois seu último artigo intitulado ‘A última batalha de Brizola’ não foi publicado pelo jornal como costumeiramente. Posteriormente, o professor foi ‘excluído’ do quadro de colaboradores. Vejam o que disse o professor, publicado no site Pras Cabeças:

Crônica de uma noite anunciada

(A imprensa garroteada pelo Estado em Minas Gerais)

Os leitores que por anos me acompanharam às sextas-feiras, na página de opinião do Estado de Minas, foram tomados de surpresa no dia 2 de julho p. passado, quando o meu último artigo – ‘A Última Batalha de Brizola’ – não foi publicado. Disseram-me que a cadeia dos Diários Associados nada queria publicar a favor de Brizola. Mas a direção do jornal não se limitou a recusar o artigo. Ela me declarou ‘persona non grata’ depois de 23 anos de colaboração tendo, nos últimos anos, regularidade semanal e quinzenal.

O fato é que minhas relações com o Estado de Minas prosseguiam tensas – por razões políticas – desde a campanha política de 2002. O então candidato do PSDB Aécio Neves e seu staff de campanha, manifestamente, não gostavam de meus artigos. Para comprovar isto – já que nada tenho contra a pessoa do governador, que não tive ainda o prazer de conhecer pessoalmente – abro aspas para publicar trecho de uma carta do Sr. Robson Damasceno dos Reis, chefe do comitê de imprensa do candidato Aécio Neves, enviada ao EM e publicada em 19/9/02.

‘… artigo (do prof. Fernando Massote) da edição de 6/9/2002, então, é um primor de propaganda explicita e ofensiva contra o candidato Aécio Neves’.

JK e Tancredo não teriam, absolutamente, subscrito o envio desta carta. O artigo que o Sr. Robson, a mando de Aécio Neves, incriminou nos termos acima foi publicado no EM sob o título ‘Oh, Minas Gerais!’. Eis o trecho que mais provocou a ira de então candidato:

‘Um candidato a governador que é apresentado como ‘jovem e bonito’ na melhor linha do marketing comercial é o mais direto filho do passado (…) Na falta de qualquer militância política própria ele se sustenta, prodigiosamente, como se vê, como filho político do avô, Tancredo Neves!’.

Este artigo – que não teria sido publicado pelo EM depois da posse de Aécio – repercutiu nos programas de TV durante a campanha. Mas a ojeriza do governador pelos meus artigos não é, assim, tão recente.

Na noite de 15 de maio de 1999, vendendo a casa que tinha em Nova Lima, a uma quadra da minha residência, o então presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves, reuniu ali centenas de convivas para uma festa que fechou o bairro. O barulho infernal dos aparelhos de som dominou o ambiente das 20h de sábado às 9h de domingo.

Protestei, então, pelo fato, em defesa da cidadania publicando em 19/5/1999, no EM, o artigo ‘Viva o Barulho’, em que escrevia: ‘Procuraremos a justiça contra o deputado, mas a sua defesa é praticamente insuperável: ele tem imunidade parlamentar que reforça a impunidade’.

Em 25/9/03, reagindo à onda de repressão contra a liberdade de imprensa advinda do Palácio da Liberdade, publiquei – na A Gazeta (ES), no Correio da Cidadania, de Contagem e aqui, no Proposta – o artigo ‘Paixão e ambição’, também censurado pelo EM, estabelecendo uma comparação entre o avô, Tancredo Neves, e o neto.

‘Não cabe, portanto, comparação entre o avô e o neto já tão divididos pela distância entre seus dois mundos. A diferença começa no palanque, onde o avô se comportava como um artista e onde Aécio gosta de agir como o chefe, atento a todos os detalhes e preocupado em determinar quem deve ou não falar!… A discrepância não se limita, enfim, aos palanques. Nos últimos dias correram notícias (…) de demissão e remoção de jornalistas de órgãos da mídia. O antigo respeito pela imprensa (…) que impregnava o velho PSD liderado por Tancredo Neves parece, assim, ser considerado hoje demodée por novos políticos mais controlados pela ambição do que pela paixão’.

Na mais recente entrevista do nº 9 do jornal Proposta com o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, Aloísio Lopes, foram feitas criticas ao jornal de ser subserviente, sempre, ao governador de turno. Participei da entrevista como membro do Conselho Editorial do jornal. Foi este o álibi de que a direção do Estado de Minas se utilizou para transformar-me em objeto da sua vendetta e declarar-me ‘persona non grata’.

Despeço-me aqui (sem poder recorrer nem mesmo à seção de cartas do EM), portanto, dos leitores do EM, depois desta dispensa abrupta, sem comunicação alguma por parte do jornal. O EM não respeita seus funcionários, seus colaboradores e seus leitores. Ele se pauta sempre pela vontade política do governador ‘em troca do que dele recebe’.

Nesta situação, a luta pela liberdade de imprensa deve obedecer a um planejamento político consciente, crítico e amplo para defender e ampliar os espaços de cidadania de que dispomos atualmente. Não faço, com as minhas posições inarredavelmente democráticas, catarse pessoal, politicamente irresponsável e imprevidente das reações autoritárias que deverei enfrentar. Nunca cutuquei a onça com vara curta e sempre estive preparado – intelectualmente, moralmente, politicamente e materialmente – para reagir aos atos autoritários que critico.

Esta não é, no entanto, a situação da grande maioria dos jornalistas, em um mercado de trabalho sempre mais restrito e mal remunerado. Seus patrões e governos – como o de Minas Gerais – querem mantê-los sob o império do medo. Aí está toda a importância das tomadas de posição corajosas do atual presidente do Sindicado dos Jornalistas, Aloísio Lopes. A defesa dos jornalistas contra o autoritarismo das empresas e do governo Aécio Neves se confunde com os interesses do próprio desenvolvimento democrático da sociedade.

Como podem perceber, os atritos e desentendimentos entre o professor e o governador Aécio Neves têm uma história de longa data, que culminou com a censura ao artigo do professor. Realmente, o histórico de desavenças torna muito, mas muito suspeita a ação do Estado de Minas. Para quem quiser conferir, reproduzo abaixo o artigo motivador da discórdia, que pode ser lido no site do professor, juntamente com outras crônicas e artigos:

A última batalha de Brizola

As elites – udenistas e udenistizadas – viram Brizola partir com alívio. E ensaiaram, com Sarney e outros, um adeus isento, procurando enterrá-lo definitivamente, sem apelo nem sobrevida. Pura retórica e literatura decadente de velhos conservadores correndo, sempre – sem alcançá-lo nunca – atrás do trem da história! Procurando cancelar o que Brizola teve de mais característico – uma grande causa à qual sempre permaneceu fiel –, Sarney o apresentou, num artigo recente, como um eterno espadachim ‘que não escolhe a causa e o lado quando se põe na raia’. Um herói sem causa!…

Lênin denunciou, certa vez, esta manobra, afirmando que ‘quando morremos, os inimigos nos transformam em santos’. Os santos são (ou foram), em geral, heróis que tiveram uma causa bem terrena, como Jesus na sua luta contra o Império Romano, mas dela foram desvinculados pela ressurreição/beatificação da igreja católica, que corta as amarras com os grupos sociais ou nacionais que lhe deram origem. Instituição interclassista e cosmopolita muito ciosa de si mesma, a igreja não aceita concorrência e cancela, na história dos seus santos, as marcas das suas origens sociais e nacionais.

Foi sempre do mesmo modo que as elites udenistizadas trataram Brizola: como um herói sem outro compromisso que com o próprio temperamento exaltado e as próprias alucinações. ‘Já que herói importante ele é – do povo e não nosso – ‘cogitavam e cogitam sempre, os conservadores, permanentemente amedrontados pela luta popular: ‘Procuremos impingir, colar em seu rosto, um dístico historicamente desvirilizante, para ver se pega e dar-lhe uma morte definitiva: ‘herói sem causa’. Ou santo. Um ser sem qualquer energia histórica.

Desmentindo Sarney, a militância brizolista, rouca pela intensa vaia ao presidente que virou as costas à promessa – de mudar o Brasil – pela qual foi eleito, demonstrou que mesmo do além, Brizola continuou e continuará a inspirar os que se apaixonam pelos destinos democráticos do Brasil. Para não prolongar a vaia, Lula não pôde permanecer no local mais do que cinco minutos!

Brizola pôde, assim, tendo passado pelo purgatório histórico-político, partir imune, histórica ou moralmente ileso, escapando e sobrevivendo, definitivamente, às tocaias e laços insidiosos com que seus inimigos sempre procuraram liquidá-lo. Derrotando as últimas manobras oligárquicas contra o líder que, parodiando a carta testamento de Getúlio, ‘deixava a vida para entrar na história’, o povo, entristecido ao dar-lhe o último adeus, agitava o lenço ensopado com as lágrimas de quem perdeu mais um dos seus heróis mais verdadeiros.

Jornal do Brasil, Rede Bandeirantes, Estado de Minas… onde mais?

Onde mais reina a mediocridade, o autoritarismo, a falta de liberdade? Onde mais os compromissos em criticar, informar o cidadão, fazer denúncias, onde mais tais interesses se encontram comprometidos com a politicagem e interesses escusos?

Viviane Forrester, em seu livro O horror econômico, já nos alertava, citando Malarmé, sobre o poder das palavras. Uma das primeiras providências dos regimes autoritários, totalitários, quando chegam no poder, é silenciar a voz daqueles que protestam, dos que criticam, dos que denunciam, dos que mobilizam as massas através das palavras. As palavras são, realmente, como metralhadoras.

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Professor de Geografia (http://geototal.blogspot.com), Belo Horizonte