Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Agência destrói equipamentos seqüestrados

Equipamentos apreendidos pela Anatel – Agência Nacional de Comunicação foram destruídos em São Paulo, SP, em 08/03/2009, conforme notícia disponível no sítio da entidade. Tudo isto em função de conflito na interpretação legal da questão das rádios comunitárias, pelo fato da Anatel e Ministério das Comunicações não considerarem o que consta na Constituição Federal, no Pacto de São José da Costa Rica e na Carta dos Direitos Humanos da ONU:


Declaração Universal do Direito do Homem da ONU – Organização das Nações Unidas, 1948, Art. XIX, da qual o Brasil é signatário:




‘Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão. Esse direito inclui a liberdade de receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, sem interferências e independentemente de fronteiras.’


Convenção Americana de Direitos Humanos da OEA – Organização dos Estados Americanos, de 1969, conhecida por Pacto de San José da Costa Rica, da qual o Brasil é signatário:




‘Artigo 13 – Liberdade de pensamento e de expressão – 5. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.’


Autorização solicitada há 10 anos


Constituição Federal do Brasil:




‘Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.


§ 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.’


Em função da absoluta ausência de vontade política em permitir que a classe trabalhadora tenha acesso aos meios de comunicação de massa por parte do inconstitucional, impune e hegemônico oligopólio da mídia, há congestionamento de milhares de pedidos de autorização para funcionamento das rádios comunitárias no Ministério das Comunicações. Assim, não resta outra alternativa ao cidadão que queira usufruir do direito humano e se comunicar com sua comunidade através das ondas eletromagnéticas, a não ser a desobediência civil, instalando a emissora sem a devida outorga, infringindo assim a legislação menor de propósito leonino, ora existente.


Tanto que, para um país com 8.500 municípios, temos apenas 3.600 emissoras comunitárias autorizadas, sendo que em algumas cidades há várias delas, como Belo Horizonte, que tem onze. Paradoxalmente, na capital de São Paulo, até recentemente o Ministério das Comunicações não tinha autorizado uma única sequer.


Para se ter idéia da forma como este assunto é tratado no MiniCom, na pequena cidade de Encruzilhada do Sul, RS, há uma associação que solicitou autorização há quase 10 anos, mas o prefeito da cidade entrou com um pedido muito depois e foi atendido em menos de um ano. Enquanto isto, a outra associação é preterida.


Prostituição com a classe dominante


A legislação prevê que, em caso de mais de uma solicitação na mesma área de influência, deverá haver uma composição e todas as interessadas teriam de compartilhar mutuamente a mesma emissora, o que foi flagrantemente desrespeitado.




Art. 9º – Para outorga da autorização para execução do Serviço de Radiodifusão Comunitária, as entidades interessadas deverão dirigir petição ao Poder Concedente, indicando a área onde pretendem prestar o serviço.


§ 4º – Havendo mais de uma entidade habilitada para a prestação do Serviço, o Poder Concedente promoverá o entendimento entre elas, objetivando que se associem.


Não é meu intento defender que todas as emissoras de baixa potência que funcionam sem autorização legal sejam legitimamente comunitárias. Mas é importante que se considere o fato de que, quando o Estado nega ao cidadão o usufruto de um direito legítimo, ele próprio está dando o exemplo de que não se deve obedecer à legislação em vigor. E, em função disto, ocorre termos um bom número de emissoras que se dizem comunitárias, mas são religiosas, de políticos, meramente comerciais etc., mesmo dentre as autorizadas.


Quanto à interferência em comunicação aeronáutica e em outras emissoras, lamentavelmente é sonegada a informação de que as emissoras comerciais que controlam a Anatel e o Ministério das Comunicações também cometem esta irregularidade, mas não são punidas da mesma forma que as emissoras de gestão pública e popular. Como exemplo clássico, podemos citar a Rede Globo de Televisão, conforme documento emitido pelo Cindacta, o qual segue em anexo, fornecido por Jerry de Oliveira, coordenador da Região Sudeste da Abraço.


Há inequivocamente uma prostituição do Estado com a classe dominante. Uma rádio comunitária de Itu, SP, é acusada de interferir na comunicação aeronáutica e, posteriormente, se constatou tratar-se de problema causado por uma comercial, sem que a Anatel nada fizesse contra ela (ver abaixo).


Cursos de treinamento


Esta ‘demonstração simbólica da disposição do poder público de combater com vigor as atividades ilegais que colocam em risco a segurança da sociedade’ não corresponde a qualquer disposição do Estado brasileiro em combater suas deficiências no sentido de cumprir a legislação em vigor, tanto no atendimento aos pedidos de autorização para funcionamento de RadCom, quanto para realização da reforma agrária, por exemplo.


Por outro lado, os equipamentos destruídos não foram apenas os que interferiram nas comunicações, conforme divulgado pela agência, mas também computadores, mesas de som, aparelhos de som, discos compactos (CDs) etc.


Fosse a intenção do Estado democratizar a comunicação, estes equipamentos deveriam ser doados para emissoras realmente comunitárias, visando a utilizá-los para fazer o que as emissoras comerciais não fazem: educação, cultura regional e interatividade com a comunidade.


A Abraço – Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária vem tentando, infrutiferamente, uma parceria com o Ministério das Comunicações para atuar no sentido de fazer uma auditoria de qualidade nas emissoras, qualificando-as e orientando-as, nos termos da legislação que rege o setor, coisa que jamais respeitaram:




‘Art. 20. Compete ao Poder Concedente estimular o desenvolvimento de Serviço de Radiodifusão Comunitária em todo o território nacional, podendo, para tanto, elaborar Manual de Legislação, Conhecimentos e Ética para uso das rádios comunitárias e organizar cursos de treinamento, destinados aos interessados na operação de emissoras comunitárias, visando o seu aprimoramento e a melhoria na execução do serviço.’


Reduzida capacidade de organização


Assim, registro meu protesto público contra tamanha arbitrariedade, representando a imoralidade do relacionamento do Estado brasileiro, oligárquico e autoritário (Marilena Chauí), uma ditadura do poder econômico que o privatiza a serviço de uma classe que, mesmo sendo 10 % da população, concentra 75% da riqueza nacional.


Desta forma se torna ainda mais inexorável ainda a realização da I Conferência Nacional de Comunicação, para que a sociedade possa reavaliar todos os setores que interagem com uma concentração ainda mais absurda, onde 0,000001 % da população detém o controle das mentes de quase 100% dos que interagem com os meios de comunicação do país.


Lamentavelmente, por outro lado, há um grande desinteresse concreto por parte dos movimentos sociais pelo tema, os quais seriam os maiores beneficiados, caso adotassem as emissoras comunitárias como seus veículos de interação com a classe trabalhadora. Todos eles dizem apoiá-las, mas, na prática, quase nada é feito a respeito, além do discurso eventual. Há de se considerar também a reduzida capacidade de organização destas emissoras e de uma ação objetiva para lutar por seus interesses ser extremamente limitada, em função de sua falta de recursos e por não ser de nossa cultura tal procedimento.


Até o momento, tenho conhecimento de que já emitiram manifesto de apoio as RadCom, as seguintes entidades: FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Observatório do Direito à Comunicação do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e Frenavatec – Frente Nacional pela Valorização das TV Comunitárias.


 




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Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos Direitos Humanos, membro do Conselho Consultor da CMQV – Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida (www.cmqv.org) e articulista