Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Agruras de uma pessoa jurídica

É até natural e saudável, nos dias de hoje, que um jornalista que trabalha em casa e colabora com muitas publicações tenha sua própria empresa. Do seu escritório ou de sua casa, não está preso a um horário, a um local de trabalho nem a qualquer tipo de exclusividade ou vínculo empregatício.

Na medida em que arca com seus próprios custos de aluguel, material, equipamento e fornece serviços para diferentes contratantes, age como empresa. E esses não são casos isolados, mas a situação de boa parte dos jornalistas das grandes e médias empresas. A constituição de uma firma é a legalização dessa condição, que coloca o profissional dentro da economia formal.

Só há uma injustiça, uma grande injustiça, nesse processo. Se várias categorias de prestadores de serviço podem se encaixar no ‘Simples’ (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte), com uma taxa única de impostos, por que os serviços editoriais ou serviços jornalísticos não podem?

Além dessa injustiça, a prática da ‘pessoa jurídica’ criou também algumas distorções. Muitos jornalistas, hoje, no momento de disputar uma vaga em empresas médias ou pequenas, são informados de que uma das condições para conseguir o emprego é constituir uma empresa e receber seus honorários como pessoa jurídica.

Em um exemplo recente, um jovem profissional que ganhava 5.000 reais por mês em um grande jornal – onde era registrado, com todos os direitos como férias, Fundo de Garantia e 13º salário – foi atingido pelo passaralho. Quando saiu para procurar emprego, teve sorte: uma assessoria importante concordou em manter o mesmo salário nominal, desde que ele ‘fosse uma firma’.

O moço até gostou: não teria mais desconto de imposto de renda na fonte, não teria desconto de INSS. Só não percebeu que não teria mais fundo de garantia, férias nem 13º. Não percebeu que, se pretendesse se aposentar pelo máximo, um dia, ele mesmo teria que pagar o INSS pelo máximo. Não se deu conta de que teria que pagar 5% de Imposto sobre Serviços (ISS, no caso de uma empresa na cidade de São Paulo), mais Cofins, Contribuição Social e PIS. Não percebeu que teria que pagar o Imposto de Renda da sua própria empresa. Além de precisar de um contador. Na prática, continuou um empregado, com horário, mesa, chefe e subordinados na assessoria.

Um outro caso idêntico e também recente ocorreu não em uma assessoria, mas em uma importante emissora regional de TV.

Tema de interesse

No começo, a idéia da pessoa jurídica era até uma reivindicação de alguns jornalistas bem pagos. Se, para um salário de, por exemplo, 5.000 reais mensais, o empregador gastava quase outros 5.000 reais de encargos, por que não repassar esse dinheiro para o empregado?

Mas o feitiço ia virar contra o feiticeiro.

A ‘moda’ de ser empregado mas receber com nota fiscal começou, provavelmente, nos anos 1970, nas agências de publicidade, onde salários mirabolantes ficavam reduzidos à metade depois do desconto do imposto de renda na fonte. Diretores de criação e diretores de arte formavam suas empresas e emitiam nota fiscal.

A chamada carga tributária (Cofins, Contribuição Social, PIS etc.) era muito menor. O ISS em São Paulo era o mesmo, 5%, mas isso tinha solução: era só instalar a empresa em um município onde a taxa do ISS fosse menor – recurso, aliás, usado até hoje. E, assim, cada ‘empresário’ tinha, na sua empresa, uma retirada ou pró-labore dentro da menor faixa do imposto de renda e lançava como despesa da firma tudo o que gastava com gasolina, empregada doméstica, restaurante e o que mais a legislação permitisse. No fim do ano, a ‘empresa’ apresentava um lucro mínimo e o dinheiro já estava todo no bolso do ‘empresário’ que, na verdade, era um empregado que dava expediente todo dia em alguma agência.

Naqueles tempos de vacas gordas e pleno emprego também havia altos salários na imprensa, na televisão, nas editoras, mas as empresas jornalísticas e de TV resistiam à idéia. Algumas cederam, pelo menos parcialmente: pagavam uma parte pela folha normal (em geral, até o limite do desconto máximo do então INPS) e outra parte por fora.

Eram tempos felizes em que o mercado de trabalho estava crescendo e a chamada carga tributária para pequenas empresas era muito menor. Mas vieram as recessões, veio o desemprego, e aquilo que naquele tempo era bom para os empregados passou a ser, nos tempos de hoje, uma arma nas mãos de alguns empregadores.

Nos dois casos – tanto dos jornalistas que são legitimamente uma empresa por força de suas múltiplas colaborações, como daqueles que são forçados a se constituir em empresa –, fica uma reivindicação: por que não podem se encaixar na legislação do ‘Simples’? Se a lei tem intenções sociais, para beneficiar pequenas empresas, não deveria excluir profissionais cujo faturamento anual fica muito abaixo dos limites do ‘Simples’.

Parece que temos aí um tema interessante para os sindicatos, tão preocupados com reajustes salariais quando o problema é emprego, e até para coleguinhas de Brasília – que, nos seus contatos com o poder, poderiam se lembrar dos menos favorecidos….

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Jornalista