Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Ao Estado, Requião se diz ‘amordaçado’

Leia abaixo a seleção de quinta-feira para a seção Entre Aspas.


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O Estado de S. Paulo


Quinta-feira, 24 de janeiro de 2008


REQUIÃO
O Estado de S. Paulo


TV degradada no Paraná


‘De há muito se sabe que o governador paranaense Roberto Requião é um político autoritário e, como costumam ser os seus similares, truculento. Essa nefasta combinação acaba de desencadear naquele Estado uma crise provocada pela apropriação, para seus fins pessoais, de uma instituição destinada a servir à coletividade – a Rádio e TV Educativa (RTVE). O desvirtuamento deu origem a uma decisão judicial equivocada e desembocou numa atitude provavelmente sem precedentes num governo estadual: a humilhação pública infligida por seu titular a ninguém menos do que a autoridade incumbida de defender os interesses da administração na chefia da Procuradoria-Geral do Estado (a professora Jozélia Nogueira Broliani, que renunciou em seguida).


Transformando a TV Educativa em patrimônio próprio, e ainda em janela de oportunidade para investir contra os seus desafetos, Requião se vale do programa semanal Escola de Governo. Nele, à maneira do coronel Hugo Chávez, de quem decerto é a versão nativa mais próxima do original, se põe diante dos refletores para dar vazão ao seu gosto pela demagogia. No cenário emoldurado por secretários estaduais e prefeitos convidados, anuncia o que apresenta como iniciativas em benefício da população paranaense, entre uma e outra agressão àqueles que não se submetem aos seus propósitos ou denunciam o seu populismo primário. Tantas aprontou que, em 11 de dezembro, o Ministério Público o acionou na Justiça (bem como a emissora, União e Anatel) a fim de ‘impedir o uso indevido’ da RTVE para ‘promoção pessoal, ataques à imprensa, adversários e instituições públicas’.


No último dia 9, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região proibiu-o de aproveitar a TV para as suas ‘críticas ácidas’ aos que toma por inimigos. Deliberadamente alheio ao dever dos ocupantes de cargos na esfera estatal de respeitar o princípio democrático da separação entre o público e o privado, Requião reagiu com a mão pesada de sempre. ‘Voltamos ao AI-5 e à obscuridade da ditadura’, disse, sem se preocupar com o ridículo. Além disso, mandou levar ao ar, sobrepondo-se à sua imagem, de microfone em punho, a tarja ‘Censurado’ – com o complemento ‘pelo desembargador Edgard Lippmann Jr., Tribunal Regional Federal’. A partir daí, o confronto esquentou. Quatro dias depois, o magistrado multou o governador em R$ 50 mil por ofensa à Justiça. Requião retrucou com uma manifestação do presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azedo, em seu favor.


Estavam criadas as condições para degradar um meio de comunicação educativo, que, aliás, transmite programas da TV Cultura de São Paulo, em ringue para o pugilato entre o governador e o magistrado. Este, tendo recebido a solidariedade dos seus pares da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), resolveu exigir da emissora que divulgasse a nota de desagravo da entidade corporativa a cada 15 minutos, o que interromperia a programação durante toda a terça-feira, dia do show chavista de Requião. Ele cumpriu, a seu modo, a decisão descomedida: ordenou a suspensão de todas as emissões, incluindo a da Escola de Governo, mantendo no ar, entre uma inserção e outra, apenas a logomarca da RTVE; a cada repetição do texto, iam ao ar em seguida as gravações da réplica do governador e do pronunciamento do presidente da ABI.


Se dependesse da procuradora-geral, preocupada em deter a escalada do conflito, a programação seria mantida e a nota da Ajufe seria divulgada a seco. ‘Fiquei com receio de que o desembargador interpretasse (os acréscimos) como nova provocação’, explicaria Jozélia mais tarde. Informado de que ela orientara a emissora nesse sentido, Requião perdeu as estribeiras, como é do seu feitio. Em palácio, na frente de auxiliares, políticos e jornalistas, se pôs a acusá-la, aos berros, de desautorizá-lo. ‘Nunca mais faça isso’, destratou-a. À procuradora, única protagonista do imbróglio que não fez nada de errado, só restou se demitir. Por sinal, a OAB paranaense, ao condenar o comportamento do governador, também deplorou o ato do desembargador que obrigou a TV Educativa a divulgar o desagravo a ele. ‘A OAB considera necessário o resgate do equilíbrio, da serenidade e do respeito.’


O problema é que Requião não considera.’


 


Fausto Macedo


‘Sou um governador amordaçado’


‘O governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), disse ontem que é alvo de pressões e chantagens de instituições poderosas. Em entrevista ao Estado, apontou o Ministério Público, a magistratura e a imprensa como desafetos. E afirmou que sua ‘independência e firme disposição de combate aos corruptos’ são a causa da censura de que se diz vítima.


Requião está proibido por ordem judicial de fazer críticas pela Rádio e Televisão Educativa do Paraná (RTVE) a rivais políticos e a poderes públicos que, na sua avaliação, o recriminam. A sentença, que ele classifica de ‘golpe absoluto ao princípio constitucional da liberdade de expressão’, foi aplicada pelo desembargador Edgar Lippmann Jr., do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, que acolheu recurso da Procuradoria da República.


Em represália, Requião tirou a RTVE do ar na terça-feira e entrou em choque com a procuradora-geral do Estado, Jozélia Nogueira Broliani, que pediu demissão, alegando ter sido destratada em público.


Ontem, substituiu Jozélia o procurador Carlos Frederico Marés de Souza Filho, diretor do Banco Regional do Desenvolvimento do Extremo Sul e amigo de Requião de longa data. A RTVE voltou à programação normal, mas sem manifestações do chefe do Executivo.


‘Sou um governador amordaçado’, disse ele, às 12h45, pouco depois de cavalgar 18 quilômetros pelo bosque da residência oficial, em Pinhais, nos arredores de Curitiba. Antes de receber uma delegação de 40 autoridades chilenas, Requião falou da polêmica. Anunciou que vai a organismos internacionais. ‘É preciso que a sociedade tome conhecimento que o governador do Paraná está forçado a ficar calado. É um recado que dou para o Estadão também. Hoje sou eu, amanhã pode ser o Estadão.’


Por que o senhor acha que está sob censura?


Estou censurado da forma mais absoluta e completa por iniciativa do Ministério Público Federal. Um juiz federal (desembargador Edgar Lippmann) estabeleceu a censura, violando todos os princípios constitucionais e me punindo com uma multa de R$ 50 mil por uma infração, na primeira vez, e R$ 200 mil na reincidência. Sua excelência me proibiu de fazer críticas às instituições, ao Ministério Público, à magistratura e à imprensa. Não me promovo pela Educativa. Debato assuntos, denuncio a corrupção e desminto notícias inverídicas da grande imprensa, inverdades sobre o Paraná. Disseram que o gargalo do Estado era o Porto de Paranaguá. Mostrei que o porto é uma maravilha, o segundo do Brasil, maior exportador de grãos da América Latina. Impedi a privatização do porto. Isso contrariou grandes interesses.


Por que o senhor acha que a imprensa o persegue?


Porque cortei a verba de publicidade. A ganância da imprensa é terrível. No governo anterior foi gasto R$ 1,5 bilhão com propaganda veiculada na imprensa (Jaime Lerner, antecessor de Requião, não foi localizado para falar sobre o dinheiro que gastou com propaganda; seu escritório político em Curitiba informou que ele está fora do País). Reduzi a zero o gasto com a imprensa. E é uma coisa maluca, eu cortei esse dinheiro e não tem acerto. O cara que estava acostumado com o dinheiro que recebia não se conforma mais com a redução. Eu fiquei apanhando na campanha eleitoral. Esse pessoal quase acabou comigo. Inventaram uma história de um suposto assessor com esquema de escuta telefônica. Não tinha nada a ver comigo, me tiraram 15 pontos em 3 dias de campanha. Quase me derrotaram. Pouco importa se eles acabam comigo eleitoralmente. Moralmente não acabam. Vou mostrar para os meus filhos que vale a pena ser sério no Brasil. Estou escrevendo com atos e atitudes minha biografia. Não quero saber se o Estadão gosta. Como eu não tenho espaço na mídia privada, vou à Educativa para expor meus programas e medidas. Quando eu faço esse contraponto vem o Ministério Público e diz que estou fazendo promoção pessoal.


Quem são seus adversários?


É tudo subjetivo. Amanhã eu descubro um ladrão de dinheiro público que deu um desfalque e eu o denuncio. É meu adversário. Mas se eu fizer isso pego multa de R$ 50 mil e R$ 200 mil na reincidência. Não é o governador do Paraná que está sendo censurado. É um princípio constitucional que está sendo atacado. É censura prévia kafkiana restabelecida no Brasil. Fui à TV e imitei o Estadão. Dei uma interessante receita de ovo frito. Isso me custou R$ 50 mil, porque acharam que eu estava debochando do juiz. Os militares não multaram o Estadão quando publicava Os Lusíadas e receita de bolo em protesto contra a censura. Mas eu fui punido porque dei receita de ovo frito.


É essa a finalidade da TV Educativa do Paraná?


É uma televisão pública, é a televisão do Estado do Paraná. Ela funciona na formação da opinião. Instalei um programa denominado Escola de Governo e toda terça-feira reúno os principais escalões da administração para discutir ações. Discutimos pendências judiciais do Estado, as questões que levamos à Justiça, desfalques no erário, malversação de recursos públicos, precatórios pagos indevidamente, créditos tributários inexistentes, processos pesados. A censura é uma violência absoluta. Então dizem eles que o governador deve procurar a imprensa privada para se manifestar.


Qual é a origem da ação que provocou a crise na Educativa?


Denunciei supersalários no Ministério Público. Foi aí que surgiu a ação de censura. Denunciei supersalários e aposentadorias indevidas, uma série de irregularidades que estamos corrigindo através da Paraná Previdência. Não posso admitir essa história de fixação de salário sem lei. Vinculam os contracheques daqui aos salários federais. Não temos nada com isso e o Estado recebe a conta. Isso tem que ser regularizado. Um professor doutor se aposenta com R$ 5 mil. Um procurador de Justiça faz concurso e começa com R$ 16 mil. Se acumula a Justiça Eleitoral começa com R$ 20 mil. Esses disparates eu não denunciei, eu revelei. Mostrei que temos que refletir sobre isso e convidei o Ministério Público a refletir sobre o equilíbrio dos salários. Exerci o direito e dever de denunciar a defasagem salarial entre um professor universitário e um procurador. Demonstrei que a República não pode funcionar assim. Aí começou a guerra. Aí veio a ação da censura, fulminada por uma juíza de primeira instância. Mas aí agravaram e um juiz federal deu a liminar, que foi uma agressão. Ele (desembargador Lippmann) não pode julgar mais nada, está agindo parcialmente, está me agredindo.


Quanto o senhor recebe?


Líquido eu ganho R$ 18,6 mil, mais ou menos assim.


A procuradora Jozélia Broliani o acusa de tê-la destratado.


A Procuradoria do Estado não funcionava no ritmo do governo. O problema básico meu com a procuradoria é que essas medidas judiciais têm quase 15 dias e não havia ainda uma contestação, estava muito devagar. Tenho um sentimento de impotência e de tristeza diante dessa decisão absurda da Justiça, que traz a censura de volta. Fico mais triste ainda quando vejo que jornais como o Estadão festejam tudo isso. Não gostam das minhas posições. Eu sou nacionalista, um governador aguerrido em defesa do interesse público, combato com dureza a corrupção. E vejo a imprensa se colocar contra mim porque não cedi a uma pressão para gastar recursos do erário em comunicação. Sou um governador que não pode mais ter opinião porque um juiz federal não quer. O próximo passo é cortarem a minha cabeça. Mas vou continuar recorrendo. Vou levar essa decisão à ONU, à OEA e aos organismos internacionais que defendem a liberdade de expressão.


O senhor não aceita críticas?


Eu debato críticas, claro que eu as aceito. Quem pode não aceitar críticas? Convidei o juiz Lippmann para vir debater na TV Educativa. Aliás, antes mesmo de eu conhecer a ação da censura, ele já estava dando entrevistas.


Quem é: Roberto Requião


Está no terceiro mandato como governador do Paraná.


É advogado e jornalista.


Começou na política em 1982, como deputado estadual. Em 1985, elegeu-se prefeito de Curitiba.’


 


PROPAGANDA
Eugênio Bucci


Poder de cooptação


‘Uma reportagem de página inteira publicada por este jornal há uma semana (16/1, A4), com textos de João Domingos, Felipe Recondo e Silvia Amorim, revelou quanto gastam em propaganda a Prefeitura Municipal, o governo do Estado e o governo federal. A grandeza dos números traduz o potencial de influência do poder público dentro do mercado anunciante e alerta para a gravidade da situação. Por isso, insisto no tema. Em artigo anterior, demonstrei por que a propaganda de governo não serve para informar o cidadão – quando muito, serve para promover autoridades e para desequilibrar as disputas eleitorais. Agora, a partir de outro ângulo de análise, escrevo para apontar o risco que reside no imenso volume das verbas públicas de publicidade: conceder moeda fácil a governantes interessados em cooptar os órgãos de imprensa mais vulneráveis. É muita moeda em jogo.


Segundo apurou a reportagem, a Prefeitura de São Paulo disporá, neste ano, de R$ 40 milhões. O governo do Estado prevê em seu orçamento um montante de R$ 154 milhões, ante R$ 72 milhões em 2007. Já o governo federal, que tinha alcançado R$ 953 milhões em 2001, aí incluídas as despesas das estatais, por ele controladas, recuou para R$ 761 milhões em 2002, baixou um pouco mais em 2003, para R$ 667 milhões, e voltou a subir recentemente, atingindo R$ 1,015 bilhão em 2006 e R$ 965 milhões em 2007.


Para que tenhamos idéia do significado relativo desses números recorro ao levantamento do Projeto Inter-Meios, um relatório preparado pela empresa de auditoria PricewaterhouseCoopers para a Editora Meio e Mensagem. De acordo com o relatório, o faturamento total do mercado publicitário brasileiro, em 2006, considerados não apenas os custos de veiculação, mas também os de produção das peças de propaganda, alcançou R$ 23,9 bilhões (jornal Meio & Mensagem, edição de 26 de março de 2007; os dados do ano de 2007 ainda não foram publicados). Portanto, tomando por base o Inter-Meios, apenas o governo federal e suas estatais representaram, no ano de 2006, algo como 4,2% do bolo. Não se trata de um anunciante qualquer. Trata-se de um anunciante central.


E os outros? Quanto gastam os governos estaduais, as capitais e todas as outras prefeituras? Qual o tamanho da fatia paga por dinheiro público no mercado brasileiro? Em números exatos, é impossível saber. Além das dificuldades de reunir nas mesmas bases os gastos dos Estados e das capitais, simplesmente não há informação sobre a imensa maioria das prefeituras. Lamentavelmente. O que se passa no interior é um retrato em miniatura desse grande mal brasileiro – e, por isso, deveria ser, mais que quantificado, estudado de perto.


Quem acompanha a realidade de municípios menores sabe bem que, na maioria deles, a política – tendo o prefeito como protagonista – é decisiva para o faturamento publicitário dos veículos. O mandonismo local, que antes se impunha exclusivamente na base da garrucha, agora se sustenta preferencialmente pela distribuição dessa inovação formidável a que chamamos verbas públicas de propaganda. Graças a elas, os prefeitos dispõem de meios para falar bem de si mesmos oficialmente – e para aliciar, pressionar e enquadrar veículos extra-oficialmente. Com a vantagem de agir às escuras. O modo como operam tem chances quase nulas de virar manchete na imprensa local, por motivos óbvios – e chances mínimas de virar notícia fora dali, uma vez que publicidade municipal ainda é vista como um desses temas regionais menores, sem interesse para a Nação.


Ocorre que a gastança em propaganda governista – e o possível aliciamento de veículos – não é um probleminha paroquial que venha postulando notoriedade mais ampla. Ao contrário, é um anacronismo nacional grave que foge da notoriedade, tanto que adota táticas dissimuladas nos grandes centros. Em vários municípios, porém, por distração ou descompostura, se age abertamente. Exatamente aí, e exatamente por isso, deveria ser noticiada, mais ou menos como os casos de febre amarela constituem pauta obrigatória do noticiário. Nesse caso, é no miúdo que o diabo se solta, o diabo capilarizado, cópia perfeita, ainda que reduzida, do belzebu-gigante, este mais escorregadio. É no miúdo que se enraíza – e se revela – a base social do hábito institucionalizado da autopromoção dos governos, que, não raro, inclui troca de favores na convivência com empresas de comunicação.


Não nos iludamos. Nessa matéria, os grandes centros de poder espelham e emulam as realidades locais. Por dentro deles, milhares de veículos, grandes e pequenos, em romaria, rogam por anúncios e, por vezes, insinuam préstimos editoriais. Não importa a ideologia do governante, não importa nada. Poucos são os que ousam dispensar os agrados dos governantes – a estes devemos o pouco que temos de jornalismo independente. A maior parte dos romeiros busca a dependência, vive da dependência, lucra com ela.


E então? Para que serve o instituto de publicidade de governo? Não se diga mais que serve para informar o público, pois não se informa ninguém com propaganda unilateral, essa que autoriza que o governo fale bem de si mesmo, enquanto a oposição não dispõe do mesmo espaço para contestar. Comunicação unilateral não informa: desinforma e distorce. As funções de proselitismo partidário já são regularmente exercidas pelos partidos, que têm assegurados, por lei, horários suficientes no rádio e na televisão, de modo que não é necessário, nem razoável, nem lógico – além de não ser aceitável nem adequado – que campanhas governamentais se dediquem ao proselitismo.


A não ser… A não ser que a propaganda de governo seja apenas um biombo para encobrir uma relação estrutural promíscua – e inamovível – entre poder público e meios de comunicação.


* Eugênio Bucci, doutor em Ciências da Comunicação pela USP e professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da mesma universidade, presidiu a Radiobrás de 2003 a 2007′


 


CINEMA
Luiz Carlos Merten


Mistérios do caso Lincoln


‘Embora tenham sido muitas as ofertas tentadoras, Nicolas Cage sempre se havia recusado a fazer a seqüência de seus filmes de maior sucesso. O motivo é simples – ‘Odeio me repetir. Uma das coisas atraentes desta profissão é a possibilidade de estar sempre tentando coisas novas, entrando na pele de personagens bem diversos da gente.’ Era o que ele pensava, pois Cage cedeu à tentação do produtor Jerry Bruckheimer e do diretor Jon Turteltaub e estrela agora A Lenda do Tesouro Perdido – Livro dos Segredos, que estréia amanhã em salas de todo o Brasil.


Para o bilionário produtor de êxitos como a série Piratas do Caribe, era natural dar seqüência a essa outra franquia. Afinal, o primeiro Tesouro Perdido faturou US$ 350 milhões e Hollywood não resiste ao tilintar das caixas registradoras. No salão de um hotel de luxo de Los Angeles, Nicolas Cage diz que não foi o dinheiro, ou só o dinheiro, que o atraiu para essa aventura. ‘Sou louco por História. A série Indiana Jones me fascina tanto quanto ler livros de história passada e recente. O Livro dos Segredos trata da construção da identidade norte-americana no século 19. O assassinato do presidente Abraham Lincoln foi uma tragédia nacional. Simplesmente ele era o político (e o presidente) que estava tentando unir a América, destroçada pela guerra.’


E não apenas isso – ‘Estamos hoje no meio de outra guerra que divide os EUA. Aliás, a história deste país é uma sucessão de guerras que dividem a população. Me pareceu interessante tratar do assunto, mesmo em chave ficcional.’ Mas ele admite que condicionou a aceitação a uma conversa franca que teve com o produtor e o diretor. ‘Disse a Jerry e a Jon que se passaram três anos desde o primeiro filme e eu não sou mais aquele cara do primeiro Tesouro Perdido. O personagem também teria de mudar. Jon topou imediatamente, porque disse que o segredo, quando se oferece o mesmo, é fazê-lo de forma diferente.’ Não houve clima para insistir no assunto, mas Nicolas Cage de alguma forma, ao citar Jon Turteltaub, está repetindo a frase (e o raciocínio) do arrivista Tancredi, interpretado por Alain Delon na obra-prima O Leopardo, de Luchino Visconti – ‘As coisas precisam mudar para ficar na mesma.’


Retire-se logo de Nicolas Cage a aura de arrivista. ‘Dei algumas sugestões para a construção do personagem que agradaram a Jon e a Jerry. Mas o mais excitante de tudo veio do próprio Jon.’ Na trama de A Lenda do Tesouro Perdido – Livro dos Segredos, Benjamin Gates, o personagem de Nicolas Cage, descobre que seu tataravô esteve envolvido no assassinato de Lincoln. Pelo menos, é o que anuncia, numa entrevista bombástica, o vilão interpretado por Ed Harris. Para limpar o nome da família, Ben inicia uma busca por informações. Toda a verdade do episódio está contido no tal ‘Livro dos Segredos, uma raridade guardada a sete chaves pelo governo dos EUA e que, como diz o nome, esconde tudo aquilo que não é interessante, politicamente, que venha a público. Ben precisa chegar ao livro. Só quem tem acesso a ele é o presidente dos EUA. A solução de Jon Turteltaub é fazer com que o herói realize o sonho dos terroristas de todo o mundo – Ben seqüestra o presidente! ‘É divertido justamente porque é absurdo’, diz Nicolas Cage. ‘Depois do 11 de Setembro, a segurança do presidente dos EUA, se já era uma questão de segurança nacional, virou uma questão redobrada de paranóia.’


Seqüestrar o presidente é uma das ações arrojadas do herói do Livro dos Segredos, mas Ben também invade o Salão Oval e o Palácio de Buckingham – e a presença de Helen Mirren, que fez A Rainha, de Stephen Frears, não é mera coincidência – e ainda volta a um cenário mítico da ação, o Monte Rushmore, onde estão esculpidos na pedra os rostos dos presidentes dos EUA. Cinéfilo que se preze sabe que Alfred Hitchcock ambientou ali – mas o Monte Rushmore do mestre do suspense foi inteiramente reconstituído em estúdio – o eletrizante desfecho do clássico Intriga Internacional, no fim dos anos 50. Nicolas Cage sabe que o Livro dos Segredos não é um novo Intriga Internacional, mas acha que não há nada de errado em divertir o público propondo coisas inusitadas e, até – por que não? -, subversivas. O elenco ajudou bastante. Foi legal reencontrar Diane Kruger, Justin Bartha e Jon Voight, que fazem a mulher, agora ex-mulher de Ben, seu parceiro especialista em informática e o pai. Os acréscimos foram muito bem-vindos.


‘Quando soube que Jerry (o produtor Bruckheimer) havia conseguido Helen Mirren, fresquinha de seu Oscar, e Ed Harris, convenci-me de que estávamos no bom caminho. Mas – claro – quem vai dizer se acertamos a mão é o público.’ Embora tenha uma trama repleta de referências históricas, O Livro dos Segredos baseia-se na ação física. ‘Como ator, não vejo muita diferença entre exercitar os músculos e o intelecto. Em ambos os casos, é preciso disciplina, concentração – e a preparação física, para correr e lutar, muitas vezes é mais desgastante’, avalia Cage. Não se pode esquecer que O Livro dos Segredos é uma produção da Disney. O ator possui uma idéia bastante clara que talvez agradasse ao velho Walt. ‘Crianças, para mim, são muito importantes. Elas representam o futuro, não? Acho que é uma questão de responsabilidade. O poder do cinema é muito forte, muito intenso. As crianças vão ver os filmes com os pais e, à medida que crescem, sozinhas. Por que não lhes oferecer um pouco de informação e cultura? Por que não estimulá-las, dizendo que a História não é uma coisa chata, morta, num livro escolar, mas alguma coisa que, além de prazerosa, pode alargar os horizontes não só delas, mas de todos nós?’


Não se pode conversar com Nicolas Cage sem falar de seu tio, Francis Ford Coppola. Há 20 e tantos anos, desde Peggy Sue – Seu Passado a Espera, eles não trabalham juntos. Cage ainda não havia visto o filme mais recente de Coppola, com o qual o grande diretor rompeu o silêncio de quase uma década – Youth Without Youth -, mas admite que adoraria voltar a trabalhar com ele. ‘Meu tio é parte da história do cinema. É impossível estar neste negócio, que também pode ser uma arte, sem saber quanto devemos a ele.’ Cage não tem vontade de mudar? ‘Estou fazendo um filme que não é de ação, se é a isso que você se refere’, ele conta. É um documentário sobre a banda The Police. Cage é produtor. Norm Golightly, seu sócio na empresa Saturn, é o diretor. Por que a banda? ‘Morava com meu tio em Napa Valley quando ouvi o Police pela primeira vez. Fiquei impressionado com a voz de Sting, a forma como ele cantava, como dizia as palavras. Achei até que era chicano. Mais tarde, com meu tio, fiz O Selvagem da Motocicleta, que tinha música de Stewart Copeland, baterista do Police. Acho que é a melhor trilha já composta, com exceção das de Nino Rota, claro. O Police faz parte da minha vida e, falando deles, quero falar da minha geração.’


O repórter viajou a convite da distribuidora Buena Vista’


 


***


‘Não fosse pelo produtor, estaria encostado por aí’


‘Para o público da nova geração, ele é o pai de Angelina Jolie ou então aquele cara que era regurgitado pela cobra gigante e, ao ser expelido dela, em Anaconda, saía envolto na gosma, mas de olho aberto para uma piscadela, no primeiro filme da série, realizado por Luis Llosa. Tomando somente esta referência, Jon Voight teria, ou tem, um pé no trash. O público mais velho e os cinéfilos, independentemente de idade, sabem que Jon Voight foi um dos jovens atores mais importantes de Hollywood, nos anos 70. Formou uma dupla memorável com Dustin Hoffman em Perdidos na Noite, de John Schlesinger, fazendo o texano Joe Buck, que parte para Nova York pensando em se dar com as mulheres, mas termina como um michê, um patético caubói de programa, associado ao derrotado Ratso Rizzo (Hoffman).


Na seqüência de Perdidos da Noite, Jon Voight interpretou vários outros filmes marcantes, até receber o Oscar de melhor ator por Amargo Regresso (Coming Home), de Hal Ashby, de 1978, no qual fazia um soldado que regressava paralítico do Vietnã. Nos mais de 30 anos decorridos desde então, Jon Voight seguiu uma carreira ziguezagueante. Fez algumas coisas boas, muitas coisas ruins. Recentemente, sua fama foi ofuscada pela da filha, com a qual teve uma relação complicada. ‘Não fui um bom pai. Fiz muita bobagem na vida, mas felizmente acho que tive tempo de me redimir e hoje vivo bem com Angelina e comigo mesmo’, ele diz numa suíte de hotel, onde participa da rodada de entrevistas com a equipe de A Lenda do Tesouro Perdido – Livro dos Segredos, que estréia amanhã no Brasil.


Jon Voight faz o pai de Benjamin Gates, o personagem de Nicolas Cage, que se associa ao filho para limpar o nome da família, quando uma página arrancada ao diário de John Wilkes Boothe – o assassino do presidente Abraham Lincoln – reaparece, brandida pelo vilão Ed Harris, com a informação de que o tataravô do herói foi o mandante do crime. Ele agradece ao céu por haver encontrado o produtor Jerry Bruckheimer. ‘A indústria do cinema pode ser muito cruel com artistas que, em algum momento, tenham cruzado a linha. Se não fosse por Jerry, poderia estar encostado em algum canto. Ele me mantém na ativa, e é isto que gosto de fazer.’


Faz muita diferença para um ator que participou de filmes que hoje fazem parte da história do cinema estar agora envolvido em produções de caráter mais comercial? ‘O cinema é uma arte comercial, quer queiram, quer não. Se não ligasse para isto estaria fazendo teatro off-Broadway. Mas o cinema mudou muito daquela época para hoje, sim. Havia mais indagação intelectual. Filmes como Perdidos na Noite ajudaram a mudar padrões de comportamento e a forma como a indústria encarava assuntos como o homossexualismo. Tenho muito orgulho de haver participado daquele momento, ou movimento, mas não fui só eu, nem o cinema, que mudamos. O mundo todo mudou. Por outro lado, como ator, não creio que seja muito diferente fazer Joe Buck ou o pai de Ben Gates (o personagem de Nicolas Cage). Mesmo que o cinema invista hoje em efeitos especiais, têm coisas que só nós, atores, conseguimos passar. Tive imenso prazer em contracenar com Helen Mirren.’


A grande atriz inglesa, vencedora do Oscar por A Rainha, de Stephen Frears, faz a mãe de Ben Gates – e a mulher de quem Jon Voight está separado. A partir de um determinado momento, o filho precisa de informações que só ela, como especialista em história antiga, pode fornecer. Helen é incorporada à ação. ‘Ela é uma lady, e uma mulher muito simples, muito franca e direta. Bem, ela é inglesa, e acho que isto explica tudo’, diz Jon. No primeiro dia de filmagem, ele foi visitá-la no camarim. Bateu e foi entrando. Ela estava trocando de roupa. Voight ficou todo constrangido, pediu desculpas e estava saindo. ‘Ela me perguntou o que estava fazendo? Disse que eu me sentasse para a gente conversar. E fez alguma piada do tipo de que, na nossa idade, já tínhamos visto coisas demais para nos embaraçarmos por tão pouco.’


Filho de imigrantes europeus, Jon Voight teve uma infância dura. Não passava fome, mas seus pais davam duro para manter a família. Ele diz que, se dependesse deles, talvez nunca tivesse tentado a carreira de ator. ‘Não é que eles fossem contra. Tinham até certa cultura, mas era coisa que não fazia parte do nosso universo.’ Voight tinha um tio, a ovelha negra da família. ‘Ele era muito bom com o bisturi, mas vivia bêbado. Uma noite, na véspera do Dia de Graças, minha mãe deixou o peru no alpendre, para esfriar. Quando foi buscar o prato, encontrou somente a carcaça. Meu tio havia separado com precisão a carne dos ossos e feito sei lá o que, dado para os cães ou para gente mais necessitada do que nós. Minha mãe ficou quase louca de raiva, mas foi meu tio quem me ensinou que sair dos trilhos pode fazer parte da vida. Acho que foi por causa dele que ousei tanto, e até fiz tantas loucuras. Não me arrependo, seria cínico, mas sou hoje um senhor e vivo uma outra vida que também me agrada bastante.’


Dá para ouvir Edith Piaf cantando de fundo Je Ne Regrette Rien. E a filha famosa? ‘Angelina foi sempre muito centrada, muito determinada. E é linda, é talentosa e é sexy. Tenho muito orgulho desta filha e das coisas que ela faz.’ Incomoda-o ser identificado como o pai de Angelina Jolie. ‘Só se fosse louco. Que pai não quer o melhor para seus filhos?’’


 


História sob medida para seduzir Nicolas Cage


‘Diane Kruger já havia alertado o repórter. ‘Jon (o diretor Turteltaub) é louco por história e um falador compulsivo, você vai ver.’ Dito e feito. Jon Turteltaub recebe o repórter numa suíte de hotel em Los Angeles. Conversa animadamente. Sua carreira, desenvolvida em boa parte na Disney, é permeada de sucessos, mas ‘neste negócio’, como ele diz, ‘não há certeza de sucesso e cada vez é como se fosse a primeira’.


O sucesso do primeiro filme com o personagem Ben Gates – A Lenda do Tesouro Perdido – chegou a quase US$ 400 milhões. Quando o estúdio e o próprio produtor Jerry Bruckheimer o sondaram para uma seqüência, Turteltaub mostrou-se logo disposto a embarcar na aventura, mas sabia que havia uma tarefa difícil – vencer a resistência de Nicolas Cage à idéia de uma continuação. ‘Ele nunca havia feito nenhuma e, com certeza, diria não. Sem Nic, o filme seria impossível e o que fiz foi começar a imaginar uma história capaz de seduzi-lo.’


A Guerra Civil norte-americano e o assassinato do presidente Abraham Lincoln sempre atraíram Turteltaub e ele começou a imaginar que alguma coisa poderia sair daí. Mesmo sabendo que seu filme não teria nada a ver, ele tomou como referências as velhas comédias românticas de Spencer Tracy e Katharine Hepburn nos anos 40 (para as cenas de amor) e obras cults como Janela Indiscreta, Intriga Internacional e Charada (para a ação). ‘Achei que, paralelamente à ação, seria atraente para Nic que Ben Gates tivesse se separado da mulher, a quem pretenderia reconquistar. Quando se pensa nesse tipo de trama, aqueles caras (o diretor George Cukor e a dupla de roteiristas Garson Kanin-Ruth Gordon) eram insuperáveis.’


O seqüestro do presidente dos EUA pelo herói foi uma idéia que surgiu como coisa absurda e ficou. A escolha do ator foi fundamental. ‘Bruce Greenwoopd tem a aura romântica dos Kennedys e, aliás, ele já interpretou Treze Dias Que Abalaram o Mundo. Precisava de um presidente que tivesse fair-play, não o que temos agora.’ Turteltaub contradiz o próprio discurso ao definir Livro dos Segredos como pura diversão. ‘Se você descobrir alguma coisa política, fique à vontade). Com certeza não foi intencional.’


Foi um filme complicado de fazer? ‘Tivemos muita preparação, porque cenas importantes seriam filmadas no Palácio de Buckingham e na Casa Branca e, obviamente, não poderíamos utilizar esses ambientes. Foi mais fácil filmar no Capitólio, mas a cena caiu. É um diálogo silencioso de Ben (Nic) com a estátua de Lincoln. Ficou bonito, bem fotografado e acho que vamos ter de mostrar isto de alguma forma, talvez no DVD.’


E a cena de perseguição de carros em Londres? ‘Foi o mais desgastante. Londres tem ruas muito estreitas. Foi tudo muito planejado, mas a execução foi difícil, porque só podíamos impedir o tráfego nos finais de semana, e ainda por cima, por trechos.’ Foram nove finais de semana de trabalho. Comandados pelo diretor de segunda unidade? ‘Não. E o meu prazer, onde ficaria?’’


 


FOTOGRAFIA
Simonetta Persichetti


‘Fantasmas, são eles que dirigem meu olhar’


‘‘Estou pagando uma dívida comigo mesmo e com os meus leitores, que pouco conhecem o Boris fotógrafo.’ É assim que Boris Kossoy, nascido em São Paulo, em 1941, explica, ou melhor apresenta a exposição Boris Kossoy: O Caleidoscópio e a Câmara, que será aberta amanhã, aniversário da cidade de São Paulo, e também celebra os seus 40 anos de carreira. Falar em dívida pode parecer estranho, mas desde os anos 70 a maior parte dos estudiosos de fotografia conhece muito mais o pesquisador e o historiador do que o fotógrafo. Ou como o próprio brinca: ‘As pessoas conhecem o professor Kossoy e não o Boris fotógrafo.’


Mas agora, Boris parece ter se sobressaído ao estudioso, ao professor que inscreveu o Brasil na história da fotografia ao defender, em 1976, na escola de Rochester (EUA), que no Brasil em 1833 Hércules Florence também havia inventado a fotografia. Suas pesquisas resultaram no livro Hercules Florence, 1833: A Descoberta Isolada da Fotografia no Brasil. Também são conhecidos seus trabalhos no estudo e na decodificação da imagem e sua convicção de que a fotografia deve ser estudada como uma linguagem autônoma e não pela lingüística ou história da arte. Trabalhos esses que resultaram na trilogia: Fotografia e História; Realidades e Ficções na Trama Fotográfica e Os Tempos da Fotografia: O Efêmero e o Perpétuo. Tudo isso somado às suas aulas na graduação e pós-graduação na ECA-USP.


Suas obras são reconhecidas no mundo todo, seu nome está inscrito no circuito internacional e é presença obrigatória quando falamos ou discutimos pesquisa fotográfica, história e imagem. Nos últimos anos, porém, o fotógrafo – que nunca deixou de existir, mas não mostrava seu trabalho com tanta freqüência – começou a falar mais alto e Kossoy decidiu então mergulhar em seus arquivos, selecionar as imagens colhidas em mais de 20 anos de viagens e mostrá-las numa bela exposição na Pinacoteca. Registros que falam do tempo, da memória, que são políticos, jornalismo, introspectivos, relatos cotidianos. Crônicas de alguém que assiste a vida com o olhar atento. Num sábado calorento e nublado, ele recebeu o Estado em sua casa, em São Paulo.


Finalmente, o Boris fotógrafo volta a aparecer e com uma bela exposição, deixando o professor Kossoy um pouco para lá. Como foi esse processo?


Muitos abaixo dos 40 anos conhecem o professor Kossoy, mas não o fotógrafo, os que têm mais de 40 já tinham esquecido ou acreditavam que eu já não fotografava mais. Essa, pelo menos, é minha teoria. Achei que era hora de mostrar minhas fotos.


Mas o trabalho teórico não atrapalhou o trabalho prático. Como você conseguiu conciliar as duas coisas?


Nunca deixei de fotografar, mas quanto mais me aprofundava nos meus estudos e trabalhos, mais exigente me tornava em relação à minha produção e mais relutante em mostrar minhas obras. Mas, de repente, você chega a certa altura da vida e pensa: ‘Acho que está na hora de mostrar.’ E, ao contrário do que você perguntou, a minha expressão fotográfica em si complementa meu trabalho teórico. Por isso falei em pagar a dívida com meus leitores. A teoria alimenta minha prática.


Suas primeiras imagens profissionais realizadas nos anos 70 são surrealistas ou fantásticas – não sei como você as define – e foram algo inovador para aquela época. Depois que você mergulhou na teoria seu olhar mudou? Para você melhorou ou piorou?


Imagens surrealistas? Nunca. Fantásticas, pode ser. Mas esta resposta é muito complicada. Não dá para colocar nesta dimensão ou escala. Houve, sem dúvida, um salto. Para muitos o núcleo forte do meu trabalho se encontra nesta série do fantástico. Mas devemos levar em conta o momento em que este trabalho surgiu.


Que foram os anos 70…


Exatamente. Devemos levar em conta o contexto político, social e cultural do País e da cidade. Falo da cidade porque São Paulo sempre teve uma importância muito grande no contexto político e era o meu lugar… então concordo, sim é importante aquele núcleo. Mas além desta série havia a do Brasil, a dos cartões antipostais em que eu ironizava os slogans da época ‘Brasil ame-o ou deixe-o’, ‘O último a sair apague a luz’, etc. Enfim, eram fotos com um contexto político muito forte, pois o tempo era aquele. Claro que hoje elas adquiriam novas significações, pois o tempo é outro e as pessoas são outras. Além disso, eu tenho uma série de registros feitos nos Estados Unidos, em 1971, que quase ninguém conhece. São imagens feitas por uma jovem que chega a Nova York e descobre uma cidade, e que sofre um contraponto com o que estava vivendo no Brasil. Nestas imagens estou mais próximo do fotojornalismo. Depois temos as da década de 80 que são resultado de viagens à Europa. Imagens – percebi há pouco tempo – que são muito escuras, introspectivas e que correspondem ao meu momento pessoal, às minhas indagações. Depois volto a uma busca de signos e detalhes da paisagem urbana e da natureza que me remetem aos primeiros trabalhos. Tudo isso para dizer que cada época teve sua importância.


Entendo, mas vou insistir. De onde veio a influência do fantástico?


Sem dúvida do realismo mágico que atinge os países sul-americanos, mas que passa à deriva da literatura brasileira e da fotografia brasileira. Tem essa ligação literária forte, e outras buscas na ficção. Mas isso de alguma maneira perpassa minha obra toda, nas diferentes fases. De todas essas fases que acabei de descrever. É uma persistência do olhar.


E você se deu conta disso, dessa persistência do olhar, na medida em que fotografava ou agora que precisou reunir todas essas fases para a exposição?


Agora eu percebi isso de forma teórica. Mas antes essa coerência era intuitiva e natural. Costumo dizer que não importa aonde você vá, seus fantasmas sempre estarão com você e é com eles que você fotografa, são eles que dirigem seu olhar.


Por que caleidoscópio?


Justamente por isso, porque na verdade são as suas imagens mentais.


Mas o que o levou para a fotografia?


Comecei muito cedo, mas nada muito importante. Dos meus 15 anos aos 20 e poucos estive envolvido com a arquitetura, o desenho, fotos, etc. Minha relação com a fotografia já se dá comigo adulto, não mais uma experimentação, mas algo já mais formalizado, depois que eu tinha me formado em arquitetura.


E o que o levou a teorizar a imagem?


Minha aproximação acadêmica com a fotografia se deu por meio da história. Quis estudar a imagem além da lingüística ou da história da arte. Isso para mim nunca fez sentido. Tentei compreender a fotografia e fui atrás, o que levou praticamente mais de 20 anos, que é o tempo da trilogia: Fotografia e História, Realidades e Ficções na Trama Fotográfica e Os Tempos da Fotografia.


Você acredita que nessa trilogia encontramos a síntese do seu pensamento sobre fotografia?


Sem dúvida reflete a essência do meu pensamento. E a partir daí se pode pensar a crítica, se pode pensar história e encontrar chaves para a compreensão da fotografia como objeto, como fonte, como meio de informação. Ou seja, a imagem como objeto e a fotografia e suas aplicações. Claro que não é algo fechado que pode ser discutido, ampliado, etc. Mas foi isso que eu fiz, foi isso que eu pude fazer.


Você consegue vislumbrar suas séries dentro de cada um dos livros da trilogia ou o fazer fotográfico e o pensar a fotografia seguiram caminhos próximos, mas diferentes?


Ainda bem que são desvinculados. Caso contrário, eu seria um robô. As imagens vieram antes da teoria. Eu respeito muito isso. Na verdade, minha obra teórica é que não existiria se não fossem meus trabalhos fotográficos.


Como foi editar esse material para essa exposição?


Foi muito difícil. Minha sorte é que foi um processo muito lento. E foi a primeira vez na minha vida que não reclamei do processo. Curti muito essa idéia desse tempo. E fiquei assustado quando vi que ele tinha diminuído. Mas foi o tempo certo para revirar pastas que não mexia há décadas, olhar negativos que eu havia descartado.


Você se surpreendeu então com seu material?


Eu me surpreendi. Tive de rever tudo com outros olhos. Tinha muito receio de que a série do fantástico tivesse um peso muito forte em relação ao restante. Mas com o tempo percebi que não, que tudo tem sua importância. Cada série corresponde a um momento da minha vida, do País, etc. Tudo muda e minhas imagens também. Depois cada um vai avaliar como quiser.


Em 2007 você publicou o último livro da trilogia e agora começa o ano com essa exposição. Você sente como se tivesse encerrado uma etapa para iniciar outra?


Não penso assim, nem quero. Confesso que demorei a colocar um ponto final no livro Os Tempos da Fotografia, porque coloquei na cabeça que tinha de fazer uma trilogia. Mas fui eu que determinei isso. Por isso, acho que não acabou. Enquanto continuarmos a ver e a pensar, nossas indagações e nossos fantasmas continuam ativos e isso nos leva a mais uma cena e, portanto, a uma nova descoberta.


Serviço


Boris Kossoy o Caleidoscópio e a Câmara. Pinacoteca. Praça da Luz, 2, 3324-1000. 3.ª a dom., 10 h às 18 h. R$ 4 (sáb. grátis). Até 30/3. Abertura amanhã, às 11 h’


 


TELEVISÃO
Keila Jimenez


Caras novas no GNT


‘Mudanças à vista no GNT. Apresentadoras saem, novas chegam… No Saia-Justa, mais uma abandonou o time. Soninha Francine se despede da atração na quarta-feira. A jornalista, que é também vereadora, tem de se afastar do programa porque pretende se candidatar à Prefeitura de São Paulo este ano. As leis eleitorais não permitem que candidatos comandem programas de TV.


Soninha já é a sexta integrante a deixar o programa de debates, que perdeu anteriormente Rita Lee, Fernanda Young, Ana Carolina, Luana Piovanni e Marisa Orth.


O GNT não sabe quem colocará no lugar de Soninha, mas já há duas candidatas: Mariana Weickert, contratada pelo canal para uma participação especial na cobertura do São Paulo Fashion Week, e Lorena Calábria, nome quase certo para assumir o comando do Happy Hour, deixado recentemente por Astrid Fontenelle.


Lorena, por sinal, deve cumprir contrato com a Record até março e só depois ir para o GNT. Até lá, a moça segue no Record News, uma vez que já foi afastada do Domingo Espetacular. A saída de Lorena da Record foi uma opção dela.’


 


O Estado de S. Paulo


Band contrata Bóris Casoy


‘Ano eleitoral, a Band tratou de se mexer. Escalou para o seu time ninguém mais do que Bóris Casoy. O âncora, que já assinou contrato com a casa, deverá, entre outras coisas, comandar um noticiário na hora do almoço na rede. De quebra, ainda terá um programa na rádio Band News. O ‘namoro’ entre a emissora e Bóris já é antigo, vem desde 2005, quando ele deixou a Record. O jornalista passou pela TVJB, emissora em UHF fechada em setembro e, desde então, está fora do ar. Bóris também é conhecido por mediar como ninguém debates eleitorais.’


 


 


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Folha de S. Paulo


Quinta-feira, 24 de janeiro de 2008


GOVERNO & POLÍTICA
Eduardo Graeff


Vão-se os sonhos, ficam os anéis


‘‘BURGUESIA burocrática’ era como o historiador Caio Prado Jr. chamava o empresariado caudatário dos favores do Estado varguista. Fernando Henrique Cardoso falou em ‘anéis burocráticos’ para se referir às relações especiais das grandes empresas com a área econômica do governo no tempo da ditadura. Delfim Netto foi senhor desses anéis, agenciando negócios e distribuindo proteção tarifária e subsídios como todo-poderoso ministro da Fazenda do general Médici.


Os americanos chamam ‘crony capitalism’ a alavancagem de negócios por relações pessoais e/ou troca de favores entre empresários e altos funcionários públicos. Eles depreciam nesses termos quase todas as variedades de capitalismo que não vestem o figurino liberal, do Japão à América Latina, passando pelos tigres asiáticos e pela África. Não que os Estados Unidos estejam livres da praga. Veja as ligações empresariais do clã dos Bush, para ficar num exemplo atual.


Tudo isso me vem à cabeça a propósito de duas notícias recentes: reportagem da revista ‘Piauí’ sobre as andanças de consultor internacional do ex-ministro José Dirceu; e a compra da Brasil Telecom pela Telemar, acertada na expectativa de que um decreto de Lula virá legalizar a transação.


Foi Dirceu quem ligou uma coisa à outra. Ele mencionou para a revista uma conversa que teria tido com Lula sobre os milhões investidos pela Telemar na firma de videogames do filho do presidente. E citou entre seus clientes o empresário mexicano Carlos Slim, cuja Telmex teria sido preterida na compra da Brasil Telecom.


Lula teria mandado Dirceu não ‘encher o saco’ com o tema da sorte grande de Lulinha. Na certa se irritará de novo se for questionado agora.


Chateação indelegável, já que precisam da assinatura dele no decreto que beneficia quem beneficiou seu filho.


Chato mesmo é intuir que isso pode não ser a exceção, mas uma nova regra nas relações do governo com grandes empresas. Veja o que acontece no setor elétrico.


Questionado sobre sua trajetória de revolucionário a consultor de empresas, Dirceu se queixou de que não teve escolha após perder o mandato de deputado e os direitos políticos.


Quem sabe ele está esperando a chuva passar, como na encarnação de negociante que teve no interior do Paraná. Quando o sol da revolução voltar a brilhar no horizonte, ele pega um avião para Havana ou Recife e pede para o cirurgião: ‘Desfaz essa cara de consultor e implanta aí uma barba’.


Bizarro, mas improvável. Encarem a realidade, companheiros e companheiras: com todo o entusiasmo que proclamam pela Revolução Cubana, hoje o negócio de Lula e Dirceu é outro. Em 2002, quando contrataram os serviços de Marcos Valério e Duda Mendonça, fizeram uma opção séria.


Seu mergulho no mundo dos negócios não é camuflagem passageira, é para toda a vida. Só que o mundo dos negócios que eles têm na cabeça não é bem o capitalismo liberal. Não sei como eles mesmos chamariam. ‘Capitalismo dos bons companheiros’?


O sistema emergente pode não ter nome, mas tem justificativa e modelo: Coréia do Sul. Lá, o governo se lixa para a ortodoxia liberal. Intervém no mercado, banca vencedores, subsidia perdedores. A corrupção é grande, dizem. Mas o capitalismo coreano é um sucesso de crescimento e inovação.


Esprema algum alto funcionário do governo Lula metido em altas transações e ele pode sair com a mesma história de Dirceu na ‘Piauí’: facilitar negócios, abrir portas para investidores, é tudo pelo bem do Brasil. No caso da telefonia, para criar megaempresa nacional que faça frente às estrangeiras. Qualquer outro bônus é secundário perto da satisfação patriótica.


Não tenho fé no capitalismo liberal.


Nem sei bem por que o capitalismo não liberal é um sucesso na Coréia, um horror na África e, no Brasil de Delfim Netto, foi do sucesso à crise em dez anos.


Duas coisas eu sei. Primeiro, a concorrência faz bem ao capitalismo, sobretudo ao consumidor. O sucesso da Coréia tem a ver, parece, com a capacidade que governo e grandes empresas tiveram de se organizarem para concorrer no exterior. Lula poderia assinar decreto para ajudar a Telemar a se expandir… no México, por exemplo. E não detonar as regras de concorrência da telefonia brasileira -herança bendita do governo FHC.


Segundo, capitalismo não liberal não combina com democracia. Pois não se fia na estabilidade e impessoalidade das regras, mas em favorecimentos pessoais. E é muito arriscado fazer investimentos de longo prazo nessa base se pessoas e partidos no governo mudam a cada quatro ou oito anos. A não ser, talvez, se os negócios alavancados gerarem dinheiro para cooptar aliados, amaciar a imprensa, comprar eleições etc. Mas aí não estamos falando de democracia, não é?


Não, pelo menos, da democracia pela qual lutamos. Será que esse foi outro sonho do qual os novos senhores dos anéis abriram mão?


EDUARDO GRAEFF, 58, é cientista político. Foi secretário-geral da Presidência da República no governo FHC.’


 


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Soros e o Estado


‘O ‘pioneiro dos fundos’ George Soros almoçou com jornalistas em Davos para anunciar ‘o fim de uma era’, postou o blog do ‘New York Times’, com imagem em que ele estende a mão (à dir.).


Onipresente ontem, da BBC ao ‘Jornal Nacional’, um dia antes ele já escreveu no ‘Financial Times’ e declarou a um jornal austríaco que esta é ‘a pior crise dos mercados desde a Segunda Guerra’. Atacou o ‘fundamentalismo do mercado’ e os governos por ‘acreditarem demais no mercado nos últimos 20 anos’. Quer intervenção estatal para a ‘garantia de que os principais agentes do mercado não vão falhar’, melhor dizendo, ‘os grandes bancos’. Pede ‘estímulo fiscal e monetário’ e aceita ‘mais regulação’. Diz até que ‘o sistema financeiro precisa de um xerife global’.


ROUBINI & ROACH


Soros falou também em ‘mudança de poder’ dos EUA para o ‘mundo em desenvolvimento, sobretudo China’.


Já dois analistas ontem em Davos, eles que ‘supostamente’ previram a crise, Nouriel Roubini e Stephen Roach, diziam que ela deve atingir os emergentes com ‘ano duro’, na BBC. Roach, blogueiro no ‘FT’, ironizou os ‘entusiastas do descolamento’ de Davos.


‘EXULTANTE’


‘A América Latina chega exultante a Davos, ainda que temerosa de recessão nos EUA’, destacou agência do Google. E o fórum ‘volta os olhos para a América Latina’, destacou o site Swissinfo.


Por enquanto, de brasileiro só apareceu um diretor da Petrobras, dizendo à Efe que o país ‘é o latino-americano mais preparado para a crise’.


DOHA EM DAVOS


Na manchete da BBC Brasil, ‘Crise pode favorecer acordo na Rodada Doha, diz negociador indiano’. Para ele, ‘existe um desejo maior, por conta do atual momento’.


E Tony Blair, tornado co-presidente do fórum, declarou às agências que revitalizar a rodada seria ‘coisa fantástica’ e deve ser ‘a maior prioridade’ de Davos. Do chanceler Celso Amorim, nada ainda.


CHINA VS. EUA


Os blogs de ‘NYT’ e BBC destacaram o confronto entre representantes dos EUA e da China, ontem durante debate.


O chinês ironizou sem parar. Por exemplo, ao ouvir que a China deveria consumir mais: ‘Os chineses poupam o gasto de hoje para o amanhã. Os americanos gastam hoje a poupança de amanhã’. A sala inteira ‘veio abaixo em risos’.


‘O DESCOLAMENTO NÃO É UM MITO’


A ‘Economist’ segue com cobertura diária da crise, no site, e ontem focou a Ásia sob o título ‘Próxima parada?’. Avalia que ‘o fato de os mercados asiáticos’ também caírem ‘não quer dizer que vão seguir os EUA até o precipício’. China e Índia não dependeriam mais, tanto assim, dos EUA. Contra a corrente, afirma até que ‘o descolamento não é um mito’


AS NOVAS SETE IRMÃS


Sob o título ‘China e Brasil seguem subindo para passar as multinacionais de petróleo’, o ‘Financial Times’ deu que as ‘companhias nacionais’ dos dois países continuam ‘empurrando Exxon, Shell e Total para baixo no ranking PFC das maiores empresas de energia’, que saiu ontem.


Longa análise do editor de energia do ‘FT’ descreveu o ‘declínio’ das americanas e européias e a ‘ascensão’ das empresas dos Brics como ‘a história da energia no século 21’. O ‘FT’ já havia tratado as estatais emergentes como ‘as novas sete irmãs’ do petróleo, em edição especial.


MAIS GORDAS


Às vésperas do Carnaval, o ‘Daily Telegraph’ estampa foto de passista para ilustrar o texto ‘Belezas brasileiras estão ficando mais gordas, diz estudo’. Elas ‘ainda estão abaixo’ das britânicas, ‘mas o estudo arranha a imagem do Brasil como uma nação de modelos glamourosas’’


 


JORNALISMO EM CRISE
Folha de S. Paulo


Editor se recusa a cortar gastos e deixa o ‘LA Times’


‘O editor-chefe do ‘Los Angeles Times’, um dos principais veículos da imprensa americana, deixou o jornal no início desta semana, em meio a disputas sobre cortes orçamentários. James O’Shea, 64, é o quarto executivo a sair do ‘LA Times’ nos últimos três anos por resistir ao achatamento financeiro.


Os conflitos entre ele e o publisher do diário californiano, David Hiller, eram conhecidos na redação. ‘Não temos a mesma visão sobre o futuro do ‘LA Times’, resumiu o editor-chefe, quando comunicou aos colegas que havia sido demitido. O’Shea diz ser impossível reduzir os gastos em 2008 -ano de eleições presidenciais nos EUA e de Olimpíada- sem comprometer a qualidade do jornal.


Segundo Hiller, o afastamento ‘voluntário’ de O’Shea faz parte de uma reestruturação, que segue diretrizes da Tribune Co., dona do ‘LA Times’. Com uma dívida de US$ 12 bilhões, a corporação -que controla 23 estações de TV e dez jornais, entre outras empresas- foi comprada no ano passado pelo bilionário do setor imobiliário Sam Zell. Em e-mail aos funcionários, Zell manifestou ‘apoio total’ a Hiller.


Críticas aplaudidas


O’Shea se despediu do ‘LA Times’ com um discurso duro contra a Tribune Co. e as corporações da imprensa americana em geral. O demissionário criticou a frivolidade das coberturas e a ‘cultura de derrota’ manifestada nos repetidos cortes nas redações dos EUA.


‘Mesmo em tempos difíceis, investimentos criteriosos, e não retração, são a resposta de longo prazo para a crise’, disse O’Shea, várias vezes interrompido por aplausos dos funcionários. ‘Jornalistas, e não contadores, deveriam ter a responsabilidade pela saúde financeira dos nossos jornais.’ Hiller é advogado.


A mídia americana vive um momento volátil, com seu futuro sob constante questionamento e mudanças do controle das empresas.


Em 2007, a DowJones – dona do ‘Wall Street Journal’- foi comprada pela News Corporation, de Rupert Murdoch. Segundo um dos antigos editores de Murdoch, o empresário está tão apaixonado pelo seu novo jornal que se ‘entedia’ com o Reino Unido -e com seus numerosos jornais no país. O depoimento faz parte de uma investigação do Parlamento britânico sobre a influência dos proprietários na política editorial da imprensa.


Em 2006, a Knight Ridder -uma das maiores cadeias de jornais dos EUA- foi vendida para a McClatchy Company, responsável pela publicação de outros 11 jornais no país.


Fundado em 1881 e vencedor de dezenas de prêmios Pulitzer, o ‘Los Angeles Times’ era uma empresa familiar até ser vendida, em 2000, para a Tribune -que em dezembro passou ao controle de Zell, após meses de negociações.


Com o ‘New York Times’’


 


TELEVISÃO
Daniel Castro


Globo encurta novela das seis e culpa verão


‘Atual novela das seis da Globo, ‘Desejo Proibido’ terá seu último capítulo exibido em 2 de maio, mais de um mês antes do previsto. Oficialmente, a Globo decidiu encurtar a produção em 30 capítulos para evitar que a substituta da trama que sucederá ‘Desejo’ entre no ar no próximo horário de verão. Extraoficialmente, o motivo é outro: a baixa audiência.


No ar desde 5 de novembro, ‘Desejo’ acumulava até anteontem média de 21 pontos, a pior da faixa nesta década. Sua antecessora, ‘Eterna Magia’, marcava 27 com o mesmo número de capítulos. E ‘O Profeta’, que também enfrentou o horário de verão de 2006/07, cravou 29 até o 68º episódio.


Em recente reunião com diretores e autores, Octavio Florisbal, diretor-geral da Globo, anunciou que a emissora agora evitará estréias, principalmente de novelas das seis, em pleno horário de verão. Assim, ‘Desejo’ teve seu fim antecipado para que ‘Ciranda de Pedra’, sua sucessora, termine até outubro, a tempo de a substituta estrear antes ou no começo do horário de verão. Mas, nos bastidores da Globo, já se especula que, se ‘Ciranda’ for um sucesso, ficará no ar até janeiro.


O fracasso de ‘Desejo’ intriga porque a novela foi muito bem avaliada em pesquisas. Tem texto redondo (de Walther Negrão), direção que não compromete (Marcos Paulo) e um bom elenco. Só que parte do público não descobriu isso.


PRESSÃO 1 ‘Big Brother Brasil’ começa a subir no Ibope. Anteontem, deu 40 pontos (um número respeitável para a atual conjuntura da Globo), três a mais do que nas terças anteriores.


PRESSÃO 2 A alta já é em parte reação às mudanças que J.B. de Oliveira, o Boninho, vem impondo ao programa, para acabar como clima de ‘acampamento de férias’ entre os participantes. As medidas de ‘pressão’ começaram com a divisão da casa em alimentação ‘luxo’ e ‘xepa’, ‘maldição’ do anjo e possibilidade de um paredão triplo.


PRESSÃO 3 Para tentar causar intrigas, Boninho incumbirá o próximo anjo de escolher quatro colegas para dormirem, durante uma semana, ao relento.


ÂNCORA Boris Casoy assinou com a Band na última sexta. A partir de março, irá apresentar um telejornal, por volta das 13h, que terá meia hora de noticiário nacional e outra meia hora só para São Paulo, com entrevistas e debates. Casoy também deve ancorar os debates eleitorais.


GANGORRA Vai bem a novela argentina ‘Lalola’, do SBT. Tem dado mais de dez pontos e afundou ainda mais a falida ‘Dance Dance Dance’, da Band, que estreou com cinco pontos e atualmente não passa de três.


ESTRATEGISTA Ex-diretora-geral da Globo, Marluce Dias da Silva renovou contrato. Agora, ela presta consultoria à família Marinho apenas quando solicitada (e não mais em tempo integral).’


 


Janaina Fidalgo


‘Hell’s’ chega enfraquecido à 3ª temporada


‘Da primeira vez, havia curiosidade e certa graça (mórbida) em ver Gordon Ramsay, aparentemente irritado, achincalhar incompetentes candidatos a chef de cozinha com um vasto repertório de xingamentos em ‘Hell’s Kitchen’, mais um programa que segue a ‘supercriativa’ fórmula dos reality shows.


Havia, e não há mais. Na terceira temporada, que estréia hoje no GNT, aumenta a sensação de que tudo é falso, encenado. Entedia ver a expressão indignada que enruga ainda mais o rosto do chef-celebridade, os insultos e ‘f…’ disparados contra os pretensos chefs, que vão às lágrimas, e a insatisfação de supostos clientes, irritados com a demora, indo embora antes de a refeição terminar. Fosse um teste para atores, ninguém seria reprovado.


Antes de entrar uma vinheta de abertura, mais para filme de aventura de Hollywood que para programa de TV britânico, Ramsay diz que, desta vez, não vai berrar, não vai dizer palavrões, e os chefs não cometerão erros estúpidos como antes.


O que sucede são frases de efeito nada elogiosas e comentários politicamente incorretos, que perdem a graça quando atingem, por exemplo, a deficiência de um candidato que se define como ‘um buldogue num corpo de chihuahua’. Ao que parece, o inferno anda muito sem graça.


HELL’S KITCHEN


Quando: hoje, às 22h


Onde: GNT’


 


CINEMA
Silvana Arantes


O romeno que surpreendeu Cannes


‘O cineasta romeno Cristian Mungiu diz que, desde que venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, em maio passado, com o drama sobre o aborto ‘4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias’, não consegue ter ‘idéias criativas’. Motivo: ‘Estou viajando sem parar e, para ter idéias, é preciso ficar um pouco quieto’.


Mungiu falou à Folha, por telefone, do Japão, um dos 60 países onde o filme está sendo lançado. Aqui, estréia amanhã.


Apesar do interesse mundial que a vitória em Cannes naturalmente despertou para o filme de Mungiu e, por extensão, para a ainda frágil cinematografia da Romênia, a Academia de Hollywood lhe negou uma vaga na disputa ao Oscar de filme estrangeiro.


A recusa ‘doeu’, confessa o cineasta, que recebera seu prêmio em Cannes como uma vitória dos ‘pequenos cineastas, dos pequenos países’ sobre os filmes com ‘ grandes orçamentos e grandes estrelas’.


FOLHA – Ao receber a Palma de Ouro, o sr. disse que o prêmio era uma ‘boa notícia para os pequenos cineastas, dos pequenos países’, porque demonstrava não ser mais necessário ‘fazer filmes com grandes orçamentos e grandes estrelas’ para atingir as platéias. Isso quer dizer que o sr. não tem intenção de trabalhar em Hollywood? Mudou de idéia desde então?


CRISTIAN MUNGIU – Depois de um filme, você nunca sabe exatamente o que vai fazer. Minha preocupação é encontrar outra história que eu queira contar, que tenha a ver comigo. Por isso, acho que será uma história romena. Acho que os diretores deveriam se dedicar às histórias que saibam contar melhor. Não tenho nada contra filmes com atores famosos, mas, no caso deste meu filme, sabia que podia prescindir disso.


FOLHA – Considerando que sua geração não encarou o aborto por uma perspectiva moral, conforme o sr. declara, a experiência pessoal na qual baseou o roteiro de ‘4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias’ foi perturbadora no momento em que ocorreu?


MUNGIU – Soube cinco anos depois de ter ocorrido. Ocorreu há 20 anos. A experiência de ouvir uma história assim é das mais frustrantes, porque não há mais nada que você possa fazer. A princípio, agi como as personagens do filme. Pensei: nunca vou falar sobre isso. Mas chega uma época da vida em que você tem de se confrontar com o próprio passado. Fiz isso nesse filme de uma tal maneira que, honestamente, hoje mal consigo distinguir o que é ficcional e o que é documental, conforme a história que ouvi.


FOLHA – Que relação tem essa experiência pessoal com o panorama político da Romênia socialista, tema de seu novo projeto?


MUNGIU – Por mais que a gente queira pensar o contrário, somos o resultado da maneira como crescemos e fomos criados. Eu sou fruto da geração do baby boom [quando a proibição do aborto na Romênia resultou no aumento da taxa de natalidade]. A proibição do aborto foi um dos temas mais importantes da minha geração. O modo como vivemos a nossa adolescência está relacionado a isso. É claro que é mais fácil justificar suas atitudes dizendo que você está lutando pela sua liberdade. Mas não acho que, por isso, você deva minimizar as conseqüências.


FOLHA – O sr. pretendeu fazer um filme antiaborto?


MUNGIU – Não acredito em educação impositiva. O filme mostra a história, com todos os seus lados. Não toma partido.


FOLHA – Parte da crítica desaprova sua opção de exibir a imagem do feto. Por que optou por ser explícito?


MUNGIU – Quando escrevi o roteiro, não tinha certeza se iria ou não mostrar essa imagem. Na edição, havia alternativas. Mas, pelo modo como fizemos esse filme, percebi que a coisa mais desonesta que eu poderia fazer com o espectador seria não deixá-lo ver o mesmo que a personagem via naquela hora. Todo esse filme foi feito tentando evitar a idéia de manipulação. Buscamos um estilo em que o nosso ponto de vista, da equipe que filmava, não se impusesse como intermediário entre a história e o espectador.


FOLHA – A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood rejeitou a candidatura de ‘4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias’ ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Doeu?


MUNGIU – Quando você tem expectativas, dói [a derrota]. E nós tínhamos expectativa, por puro desconhecimento de como as coisas funcionam em Hollywood. ‘4 Meses…’ teve grande atenção da imprensa nos EUA e foi apontado por muitos críticos de lá como o melhor filme estrangeiro do ano. Pensávamos que havia uma relação entre o gosto dos jornalistas americanos e o gosto dos membros da Academia. Não há.


FOLHA – O sr. costumava dirigir comerciais na Romênia. Ainda faz esse tipo de trabalho?


MUNGIU – Desde Cannes não dirigi mais comerciais, não porque eu tenha decidido parar de fazer isso, mas por absoluta falta de tempo. ‘4 Meses…’ foi vendido para 60 países, e eu priorizei o trabalho de promovê-lo. Afinal, não esqueci por que fiz esse filme: eu ia ao cinema, detestava os filmes e tinha vontade de fazer um filme que as pessoas fossem gostar de ver.


FOLHA – Quais eram os filmes que o sr. via e detestava?


MUNGIU – Eram filmes de todos os gêneros. O que odeio são filmes pretensiosos, complicados, chatos. Não acho que um filme tenha que fazer o espectador querer sair da sala, mas sim deixá-lo grudado na cadeira.


FOLHA – Qual é sua relação com o cinema brasileiro?


MUNGIU – A última coisa que vi foram os três minutos da contribuição de Walter Salles para [o longa coletivo em homenagem aos 60 anos do Festival de Cannes] ‘Cada um com seu Cinema’. Gosto de ‘Cidade de Deus’, um filme forte, poderoso e, que eu me lembre, o único filme brasileiro que passou na Romênia nos últimos dez anos.’


 


José Geraldo Couto


Minimalista, drama contempla seres frágeis diante da dureza do mundo


‘Uma estudante grávida, um aborto clandestino, um regime totalitário. Se cada um desses dados, isoladamente, já configura um drama considerável, imagine-os combinados, um intensificando a malignidade dos outros. Pois é isso o que ocorre em ‘4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias’.


O que torna extraordinário o premiado filme do romeno Cristian Mungiu é o rigoroso minimalismo com que essa história é narrada, fugindo a qualquer tipo de melodramatização, de discurso moral ou de panfletarismo político.


Ainda que a narrativa seja ambientada em 1987, nos estertores da ditadura de Ceaucescu, não se trata aqui de um ‘filme-denúncia’.


O contexto histórico só acentua o desamparo de seres frágeis diante das asperezas do mundo. Duas garotas -a grávida Gabita (Laura Vasiliu) e sua amiga Otilia (Anamaria Marinca)- são lançadas num purgatório silencioso, feito de perigo físico e opressão moral, que pode, a qualquer momento, tornar-se um inferno.


A reação de uma contrasta com a da outra: Gabita age -ou antes, deixa de agir- como uma criança passiva e alienada; Otilia toma iniciativas, enfrenta a adversidade, amadurece anos em horas. Muito desse processo duplo e contraditório se revela sutilmente nos cantos do quadro e não raro fora dele, exigindo do espectador uma atenção ativa.


Longe de Hollywood


Mungiu refuta sistematicamente a narrativa hollywoodiana, com sua teleologia e sua ausência de ‘pontos sem nó’. Em ‘4 Meses…’, como na vida, quase todos os pontos ficam sem nó.


A certa altura, por exemplo, Otilia está com a amiga no quarto de hotel onde se fará o aborto. Aproveitando uma ida do aborteiro ao banheiro, ela fuça em sua maleta e pega uma faca. Condicionados por Hollywood, esperamos que faça algum uso dela. Mas não: o objeto é deixado de lado, perde totalmente o interesse. O que importa é o gesto estabanado da personagem.


O filme é cheio desses microdesvios, pistas falsas, aparentes vácuos de sentido. Parece nos dizer que a vida é um acúmulo de pequenos erros e que muito do seu brilho está no desejo de acertar. Dessa perspectiva, Otilia é uma das criaturas mais belas do cinema atual.


4 MESES, 3 SEMANAS E 2 DIAS


Direção: Cristian Mungiu


Produção: França/Romênia, 2007


Com: Anamaria Marinca, Laura Vasiliu


Onde: a partir de amanhã, no Cine Bombril, no Espaço Unibanco e no Frei Caneca Unibanco Arteplex


Avaliação: ótimo’


 


Contardo Calligaris


‘O Signo da Cidade’


‘NUMA NOITE da semana passada, estive na festa de aniversário de um amigo que mora ao norte da avenida Paulista.


Eu moro não muito longe dele, mas ao sul da Paulista. A paisagem urbana visível pelas janelas de nossos apartamentos é, portanto, diferente -salvo pela silhueta dos prédios mais altos e pelas antenas da Paulista, que ambos avistamos, embora de lados opostos. Naquela noite, aliás, a nova antena digital da Globo brilhava esverdeada.


Gosto das antenas da Paulista. Sua luz, que todos podemos enxergar contra o céu escuro, funciona um pouco, para mim (sobretudo num fim de festa, quando é hora de a gente se separar), como o sinal de que, por mais que estejamos ‘perdidos na noite suja’, a cidade não é apenas uma expressão geográfica. As antenas da Paulista, em suma, não são nenhum Cristo Redentor, mas são alguma coisa: um símbolo incerto, mas por isso mesmo talvez mais adequado à realidade urbana.


Justamente, há uma antena da Paulista no filme que estréia amanhã, ‘O Signo da Cidade’, de Carlos Alberto Riccelli, com roteiro de Bruna Lombardi e do próprio Riccelli. É, por assim dizer, uma antena que fala e também escuta: no filme, Teca (Bruna Lombardi) é a astróloga de um programa de rádio. Noite adentro, ela recebe as chamadas dos que não agüentam mais a dureza da vida, seu próprio silêncio e a surdez dos outros. E Teca responde como pode, com ou sem a ajuda dos astros.


O roteiro, então, é plural, composto de uma variedade de histórias (como alguns dos meus filmes preferidos, ‘Magnólia’ ou ‘Crash – No Limite’), mas, graças à figura central de Teca, as diferentes histórias tocam, por assim dizer, uma música só -o filme é uma pequena sinfonia da cidade.


Certo, as vidas que se cruzam podem ser cruéis e solitárias. Há a moça deitada no sangue de um aborto que ela produziu à força, num hotel miserável. Há o moço que se perde pelas ruas porque sua mãe se suicidou. Há o agente de viagem picareta, o assaltante-segurança, o pai de Teca que está morrendo no hospital, o travesti que esbarra na violência da noite, uma sem-teto que dá à luz num estacionamento e por aí vai.


Essa turma de vira-latas somos nós: paradoxalmente próximos e separados, cruzando a cada dia com centenas de destinos sobre os quais, claro, não queremos saber nada -nem o óbvio, ou seja, que eles nunca nos são completamente estrangeiros.


Na aldeia, passando pela fazendola do vizinho, posso me preocupar com ele: não vi sua luz acesa ontem, será que ele está bem? Mas, para conseguir atravessar o viaduto do Chá, preciso esquecer a humanidade que compartilho com os outros, preciso que a vida deles não me interesse, preciso fechar um pouco os ouvidos e os olhos. É a regra da vida urbana. Por isso, os filmes urbanos plurais, em geral, são amargos.


Esse não é o caso do filme de Riccelli. Talvez seja por seu jeito tocante de filmar a cidade, que, embora familiar e reconhecível, torna-se ‘encantada’ e, embora brutal, torna-se estranhamente amável. Ou talvez seja pela qualidade do próprio roteiro ou pela bonita atuação de Bruna Lombardi (e de todos os atores, de fato). De qualquer forma, o fato é que ‘O Signo da Cidade’ consegue um pequeno milagre: é um filme sobre a selvageria da convivência urbana, mas terno e comovedor.


Assisti ao filme pela primeira vez na Mostra de Cinema de São Paulo e voltei a pé do shopping Frei Caneca até os Jardins, feliz, por uma vez, de estar sem carro. Olhava para os paulistanos que eu cruzava como numa brincadeira que fazia quando criança: caminhava pelas ruas no fim do dia, olhava para as janelas, sonhava e tentava me identificar com as vidas que ali aconteciam, tão próximas da minha e tão diferentes dela.


Entro em férias e volto a escrever depois do Carnaval, em 14 de fevereiro. Graças ao ‘Signo da Cidade’, saio de São Paulo com nostalgia.


Por coincidência, o filme estréia em 25 de janeiro. É o aniversário da cidade. A produção anunciou que, por isso mesmo, amanhã, dia 25 de janeiro, o ingresso custará só R$ 1. Não perca: não posso imaginar melhor maneira de celebrar o aniversário de São Paulo.


Eu sei, em geral, tendemos a pensar que não há nada para festejar. Pois bem, o filme nos ajuda a acreditar que talvez não seja bem assim, que talvez ainda seja possível apostar na convivência de tantos humanos nestes poucos quilômetros quadrados.’


 


Janaina Fidalgo


‘Rainha do Brasil’


‘Benedito Batista da Silva, o seu Bené, é um produtor de farinha-d’água que até pouco tempo atrás só havia saído de Bragança, interior do Pará, para ir a Belém. De um avião, nunca tinha nem chegado perto.


Há dois anos, o ofício de transformar mandioca na pedaçuda farinha fez dele personagem de um curta documental e o levou a Turim, na Itália, para participar de um congresso de pequenos agricultores. Agora, o resultado dessa incursão o conduz novamente à Europa. Só que, desta vez, direto para a tela grande.


Idealizado e produzido pela chef carioca Teresa Corção e dirigido por Manoel Carvalho, o documentário ‘Seu Bené Vai pra Itália’ foi selecionado para a segunda edição do Culinary Cinema -°Expanding Our Horizons (cinema culinário – expandindo nossos horizontes), programa do 58º Festival de Berlim. A mostra, que tem ainda outro brasileiro, ‘Estômago’, de Marcos Jorge, acontece entre 11 e 15 de fevereiro.


‘É emoção total e absoluta. Imprimi o e-mail com o convite para colocar na parede’, diz Teresa Corção, 52, que assina o argumento do documentário.


O embrião de ‘Seu Bené Vai pra Itália’ (2006) foi um curta de nove minutos produzido dois anos antes para ser uma receita visual da farinha-d’água -um dos vários subprodutos da mandioca, chamada de ‘rainha do Brasil’ pelo folclorista Luís da Câmara Cascudo.


‘Fiz o curta para dar uma palestra em Dallas. Queria mostrar aos americanos o que era a mandioca’, conta Corção. ‘Passei uma cantada no meu marido [o diretor Manoel Carvalho] e fomos para o Pará com zero de orçamento. Eu, sem dinheiro para produzir o filme, soube que a farinhada durava três dias. Propus comprar a produção sem saber quantos quilos eram. Lá, descobri: 200 kg…’


A idéia para o segundo filme surgiu de um convite do Slow Food, do qual Corção faz parte, para levar seu Bené e um grupo de mandioqueiros ao Terra Madre, encontro mundial promovido pelo movimento em Turim e que congrega pequenos produtores de alimentos, chefs de cozinha e acadêmicos.


Modesto do ponto de vista cinematográfico, o documentário tem o mérito de difundir um produto genuinamente brasileiro e emparelhar as experiências adversas vividas pelo personagem. Há o prazer em descobrir o novo (país, pessoas, comidas) e, ao mesmo tempo, o embaraço de estar em um território completamente estranho.


‘Ficamos preocupados com as possíveis mudanças na vida dele. Quando ele me perguntou, na Itália, se ia ter banda de música o esperando na volta, eu fiquei agoniada. Falei: ‘Seu Bené, o senhor sabe que o que está fazendo aqui é representar todos que ficaram lá. A festa tem que ser na sua cabeça’.’


De volta a Bragança, ele não encontrou banda, mas ficou popular e triplicou as vendas -de 200 kg para 600 kg. Em contrapartida, recebeu a missão de retomar a associação dos produtores artesanais de farinha-d’água empaneirada -nome dado ao produto que é acondicionado em paneiros, cestos tecidos com talo de arumã.


Instituto Maniva


Identificar os lugares de excelência na produção de mandioca é uma das ambiciosas (e bem-vindas) metas do Instituto Maniva, organização fundada no último ano pela chef.


‘A missão mais difícil do instituto é motivar os produtores. Temos uma antena chamada mercado, e eles, a raiz’, diz Corção, que desde 2002 tem um projeto focado no tubérculo.


Outra frente de atuação do instituto, além da agrícola e da cultural, é a educacional, com a continuidade das oficinas de tapioca em escolas públicas.


‘Gosto de imaginar que, se tivéssemos uma bandeira como a do Canadá, nossa folha de maple seria uma folha de mandioca’, diz Corção. ‘Afinal, ela é o produto nacional que sustentou e ainda sustenta a nação.’’


 


HOLLYWOOD
Folha de S. Paulo


Roteiristas não farão piquete no Grammy


‘O sindicato de roteiristas dos EUA (WGA) anunciou que não fará piquete, no próximo dia 10, em frente ao Staples Center, em Los Angeles, onde será realizada a 50ª cerimônia de entrega do Grammy (o maior prêmio da música nos EUA).


Com a decisão, é possível que haja uma liberação de roteiristas (em greve desde 5/11) para criar o script da festa. A paralisação já levou ao cancelamento da cerimônia do Globo de Ouro.’


 


MÚSICA
Marco Aurélio Canônico


Site estimula fã a pagar download direto ao artista


‘Se você é uma pessoa influenciável, ver seu artista favorito -alguém como o Metallica, o Bon Jovi, a Christina Aguilera, entre tantos outros- te acusando de ser igual a um ladrão de carros por baixar música na internet certamente pode fazer um estrago na sua consciência.


Foi justamente para expiar esse tipo de culpa que o canadense Darren Barefoot criou o site www.dearrockers.org.


Nele, os fãs são estimulados a escreverem cartas para os artistas dos quais obtiveram música sem pagar explicando suas razões e enviando algum dinheiro pelas obras ‘roubadas’. O site publica fotos das cartas endereçadas às estrelas.


A julgar por seu texto na página, Barefoot não teve nenhuma intenção irônica ao criar o Dear Rockers. ‘Já tive mais de 250 CDs, mas também já baixei muita música. (…) Acho que, às vezes, esquecemos que os músicos precisam ganhar a vida.’


Mas o lado irônico da coisa não escapou a vários dos fãs que mandaram seus trocados.


A mexicana Ana G., por exemplo, que baixou ilegalmente canções da banda Maroon 5 (porque a venda on-line do iTunes não funciona em seu país) e de John Mayer (porque os discos dele são muito caros no México), enviou cem pesos a cada um (cerca de R$ 17) e pediu troco a Mayer, porque está ‘guardando dinheiro para comprar seu próximo DVD’.


O site recomenda o envio de um valor equivalente a US$ 5 (R$ 9). ‘Quando você compra músicas no iTunes, os artistas recebem de oito a 14 centavos [de dólar] por canção. Então, US$ 5 representam o lucro de cerca de três álbuns’, diz o site.’


 


 


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