Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Arma, pra que te quero?

Qual foi a arma mais eficiente, depois do voto, que um cidadão brasileiro usou contra a violência nos últimos anos? Uma câmera manejada por uma anciã de 80 anos, no Rio. De tocaia, em sua própria casa, atrás das cortinas, filmou cenas estarrecedoras. Ela escolheu a câmera como arma de defesa e denúncia.


Mas uma boa pergunta é: os bandidos dos morros que circundam o Rio de Janeiro roubaram todas aquelas armas, como fuzis AR-15 e AK-47, granadas e bazucas, de cidadãos honestos que as compraram legalmente? ‘Sei de um amigo de cuja casa roubaram vinte granadas, dez fuzis e quatro mísseis. Eram dez, mas ele os esquecera sobre a mesinha de centro, na sala, e as crianças, brincando, dispararam seis’, escreveu o poeta catarinense Solange Rech, repassando sua opinião na Internet.


Vale a pena transcrever o que, em variações, vem sendo espalhado na rede:




‘Alguns pais portadores de armas de fogo deixaram as ditas-cujas carregadas e engatilhadas em cima do sofá da sala. É claro que uma multidão de crianças começou a brincar com elas e se mataram umas às outras. Mas houve uma coisa curiosa: antes que as balas atingissem o alvo, milhões delas morreram de verminose, água suja, desnutrição e fome’.


Outro trecho assegura que ‘o governo gastou até agora 250 milhões de reais no referendo sobre as armas’ e que ‘é confortante ver como o dinheiro público é bem empregado!’.


É claro que com tal quantia o que se poderia fazer pela segurança das cidades? Nada! Nem sequer combater a febre aftosa se pôde! E hoje já devemos ter nossas cautelas ao comer carne. Dezenas de nações não querem a carne bovina procedente do Brasil. São países que não cuidam da saúde do povo, como os da Europa do Norte. Lá as crianças são todas barrigudinhas, o que é fácil de comprovar, pois estão também doentes e vivem na rua, já que não lhes providenciam escolas.


Atores e atrizes


Em outra variante do artigo sobre a mesma tecla é dito que ‘aprovando a legislação que o governo propõe em plebiscito, vai ser um perigo’, pois ‘as armas, 90% mais baratas, serão compradas na esquina, pois como taxar com impostos o que é ilegal?’. Virão diretamente do fabricante para o consumidor!


Voltamos à Idade Média e aos textos de autoria anônima. Quem assinou originalmente o trecho que segue?




‘Delegados, policiais civis e militares, federais, estaduais, municipais, todos devem ir para casa e deixar a segurança por conta de atores, sociólogos e ongueiros: eles, sim, entendem de violência e segurança pública, como provam seus artigos, lidos, reproduzidos e espalhados por toda a Internet, além de apresentados em congressos e publicados em anais’.


Quem conferiu os dados que seguem?




‘No Texas, onde há quase uma arma por habitante, que a adquire por meios legais, o índice de crimes violentos nos últimos dez anos caiu pela metade.’


Não faltou humor numa das circulares eletrônicas.




‘Se a moda do Texas pegar, poderá levar ao desemprego em nossas funerárias, à baixa arrecadação nos serviços post mortem, à redução de missas de sétimo e trigésimo dias, ao desemprego nos cartórios onde emitem – melhor, exaram – certidões de morte – melhor, de óbito. E que dizer dos hospitais onde os baleados são recebidos? Todos muito bem preparados, com balões de oxigênio, estoques de anestesia, médicos a postos, o que será de tudo isso?’


Uma delas tem destino certo.




‘Para que ter arma em casa? Se sua residência for invadida, é só ligar para as autoridades: se o 190 não atender, porque a polícia está sem viaturas, ou com viaturas quebradas, ou com viaturas sem combustível, é só ligar para o seu vereador, deputado ou senador preferidos, que rapidamente apresentarão a seus pares uma lei que afugentará o bandido para longe de sua casa. Como? Você prefere ligar para o prefeito? Ah, é íntimo dele! Almoça com ele? Janta com ele? Viaja com ele? Ah, bom! Ligue! Mas cuidado. O prefeito de Santo André não pôde ligar para ninguém quando se aproximaram de seu carro para seqüestrá-lo, torturá-lo e matá-lo. E que pôde fazer o prefeito de Campinas, igualmente assassinado?’.


Adiante, ironiza a participação de atores e atrizes na campanha.




‘E se o caso for muito urgente, você pode chamar também a Fernanda Montenegro, a Maitê Proença e todos os atores que estão fazendo a propaganda contra as armas. Tenha certeza de que eles virão rapidinho’.


Como um Fla-Flu


Faremos um plebiscito sobre as armas, não faremos um sobre os juros, nosso verdadeiro problema, segundo a voz abalizada do vice-presidente da República e ministro da Defesa.


Repercutindo a campanha pelo desarmamento, o Jornal do Brasil de domingo (16/10) trouxe estranhas revelações. Autoridades e personalidades que se manifestaram contra o comércio de armas não dispensam revólveres e pistolas, como é o caso de Xuxa Meneghel, do ex-ministro e deputado Eunício de Oliveira, do senador Demóstenes Torres (que assinou a ata da fundação da Frente Brasil Sem Armas), do senador Juvêncio da Fonseca, do prefeito de Goiânia Íris Rezende (que tem 15 revólveres e espingardas registrados em seu nome) e do governador do Distrito Federal Joaquim Roriz, que tinha 16 armas, entregou 13 à campanha e fico ‘só’ com um rifle, um revólver 38 e uma pistola 380.


Sei de um escritor cujo pai sempre teve arma em casa. Nunca atirou em ninguém. Ensinou os filhos a manejá-la, em lições modestas que incluíam prender a respiração, fechar um olho, dirigir a mira corretamente, proteger-se de lado. Nenhum dos filhos jamais feriu ninguém, mas um dia um cachorro louco e feroz investiu contra as crianças que brincavam em frente da casa. O irmão mais velho disparou tiro certeiro e o cão caiu a poucos metros de matar ou aleijar para sempre alguns daqueles meninos e meninas.


Muitas pessoas têm uma história para contar, uma situação em que uma arma salvou-lhes a vida ou a vida de outros. Mas não foram e não estão sendo ouvidas. A campanha pelo desarmamento parece um Fla-Flu. Se substituirmos revólver por automóvel, com os mesmos argumentos, amanhã todo mundo deve entregar seus carros às autoridades.