Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Balanço do ano para a democratização da comunicação

O ano de 2007 foi intenso na área da comunicação brasileira. Ocorreram as implantações da nova TV pública, da TV Digital, a discussão da Classificação Indicativa, entre outros fatos. As ações foram acompanhadas de perto pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), sempre com o propósito de incidir nas formulações. No âmbito geral da luta pela democratização da comunicação, o FNDC pautou-se pela construção da Conferência Nacional de Comunicação, em ações que tiveram grande ressonância nos movimentos sociais e no Congresso Nacional. Mas foi na TV Pública, porém, que o Fórum teve sua ação mais incisiva.

A questão da Conferência Nacional de Comunicação, uma resolução da última plenária do FNDC, foi intensamente trabalhada em 2007, com grande ressonância nos movimentos sociais e depois no Congresso Nacional. ‘Isso nos toma bastante tempo, catalisa as ações de maneira geral. Acompanhamos os projetos da digitalização da TV na Câmara dos Deputados, tentando incidir de alguma maneira sobre isso. Na rádio digital também’, destaca Celso Schröder, coordenador-geral do FNDC, que esteve acompanhando diversas audiências públicas. ‘Mas foi talvez a TV pública nossa ação mais concreta, na medida em que nos ocupou o final do ano passado todo com as reuniões dos grupos de trabalho, culminando com o I Fórum, em maio’, avalia Schröder. A TV pública (TV Brasil), que encerra o ano com sua criação encaminhada pelo governo fefderal, teve um acompanhamento bastante intenso do FNDC, que contribuiu com formulações, críticas e defesas ao projeto.

A classificação indicativa teve um momento intenso de debate em 2007. ‘Houve uma tentativa do governo de incidir sobre esse tema, e foi demonstrada mais uma vez a força da radiodifusão, que refreou a iniciativa’, avalia o coordenador do Fórum. Ele destaca que o fato demonstrou ‘mais do que nunca’ a necessidade de se continuar constituindo forças na sociedade civil para enfrentar a visão meramente comercial que a radiodifusão implementa nas suas ações.

Em 2007, a grande dívida que o Congresso brasileiro deixa para a sociedade civil, na avaliação do FNDC, é a não ativação do Conselho de Comunicação Social (CCS). Num ano decisivo, de mudanças importantes no panorama brasileiro das comunicações, o CCS ficou inativo. ‘Por inoperância do Congresso, um Senado acéfalo e por incompreensão da Câmara, que poderia ter assumido esse papel de convocar e instrumentalizado o CCS. Essa falta é uma enorme traição inclusive à Constituição, que o criou’, denuncia Schröder.

Quanto às rádios comunitárias, o FNDC avalia que o governo não conseguiu ainda equalizar suas políticas e incidir sobre a criminalização que esse segmento sofre, seja criando políticas específicas, ou relativizando sua política quanto ao fechamento dessas rádios. ‘O governo sucumbe a uma pressão das rádios comerciais nesse sentido’.

‘Por fim, encerramos o ano discutindo a aplicação do modelo de TV digital, tentando garantir aquilo que a tese anterior apontava, a universalização do serviço, a inclusão digital’, esclarece Schröder. Isto é o que está sendo debatido agora e examinado pelo FNDC, para dialogar com os relatores dos PLs em tramitação no Congresso.

Síntese retrospectiva – Um novo sistema público de comunicação

O ano se iniciou com um anúncio surpreendente vindo do ministro das Comunicações, Hélio Costa, de que o governo federal preparava uma nova televisão pública. Mmontada com os canais vagos a partir da implantação da TV digital no país, seria uma rede nacional ‘bem mais ampla do que a Radiobrás’ (leia matéria). À parte do trabalho que vinha sendo realizado por diversas entidades da sociedade e representantes do próprio governo federal no Fórum de TVs Públicas, o anúncio de Hélio Costa surpreendeu as entidades envolvidas nos debates que culminariam na realização do I Fórum de TVs Públicas, realizado posteriormente, em maio, em Brasília.

A polêmica gerada com a notícia do anteprojeto de criação da nova rede de televisão pública trouxe à tona discussões sobre o que é público e o que é estatal. Quatro entidades representativas das televisões públicas apresentaram em março, aos ministros Dilma Rousseff, da Casa Civil; Luiz Dulci, da Secretaria-Geral da Presidência da República; Hélio Costa, das Comunicações; Gilberto Gil, da Cultura; e à Presidência da República, um manifesto ‘Pela diversidade e complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de TVs brasileiras’ (leia aqui).

Ainda em janeiro, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) encaminhou à Comissão Executiva do Fórum Nacional de TVs Públicas uma série de propostas para a criação de um modelo de sistema público de comunicação. No documento (leia aqui), o FNDC defende a complementaridade dos sistemas público, estatal e privado, legitimado e sustentado pela reunião das forças da sociedade civil empenhadas na construção de sistemas democráticos de comunicação. Propõe formas de financiamento, controle público, integração de redes e serviços, entre outras contribuições.

Nova secretaria encabeça projeto

Em março, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou um novo organismo, com status de ministério, a Secretaria de Comunicação Social do governo federal. Quem assumiu a pasta foi o jornalista Franklin Martins. Ao empossar o novo ministro, Lula reafirmava a criação nova TV pública: ‘Vai ser educativa, que possa fazer o que muitas vezes a TV privada não faz’, disse. A idéia viria integrar ‘uma série de medidas para reformular a comunicação do governo’. Críticas pipocavam, pelo país, sobre a criação do que seria uma ‘TV chapa-branca’. O projeto foi entregue ao novo ministro, Franklin Martins.

Mesmo sendo o condutor de um processo de discussões acerca da TV Pública iniciado em 2006, o Ministério da Cultura não aparecia nas manifestações do governo acerca da nova TV. Também não interrompia os trabalhos e lançava, em abril, o ‘Caderno de Debates vol. 2 – Relatórios dos Grupos Temáticos de Trabalho’ (leia aqui), do I Fórum Nacional de TVs Públicas. A publicação apresentou a síntese dos estudos que envolveram oito grupos temáticos na realização de um diagnóstico da televisão pública brasileira e na elaboração das pautas a serem levadas às plenárias do Fórum, já com data definida para ser realizado – de 8 a 11 de maio – em Brasília.

Evento qualificou a discussão, mas limitou o processo

A realização do I Fórum Nacional de TVs Públicas representou um avanço ao reconhecer a necessária existência de um campo público de televisão no país. Entretanto, se em sua preparação, o Fórum promoveu e viabilizou de forma inédita, discussões, grupos de trabalho, relatórios e documentos pensados por especialistas do setor, representantes da sociedade civil organizada, empresas e governo, o produto final dos quatro dias de debates em Brasília não correspondeu à altura os encaminhamentos necessários para dar forma a uma nova TV realmente Pública.

‘Embora encontremos na Carta de Brasília a recomendação de que seja adotada uma estrutura horizontal para a TV Pública, ela permanece vertical ao sinalizar com uma difusão centralizada na Radiobrás e na TVE do Rio’, avaliou Celso Schröder, coordenador-geral do FNDC, após o encontro de Brasília.

Ao final de todo o processo, a TV pública foi criada pelo governo por Medida Provisória, gerando protestos na sociedade civil e no parlmento. A MP 398, de 10 de outubro de 2007, autorizou o Poder Executivo a constituir a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), promovendo a extinção da Radiobrás e a incorporação de seu patrimônio. Para o FNDC, a TV Brasil poderá consolidar uma identidade brasileira marcada por valores populares e democráticos. Porém, o FNDC tem críticas quanto aos encaminhamentos finais que instituíram a nova TV pública nacional (leia aqui).

A construção de um espaço onde a sociedade civil possa participar efetivamente era uma condição da sociedade civil envolvida no processo de debates sobre a televisão pública brasileira e foi uma das reivindicações do FNDC acolhidas no Fórum de TVs Públicas. Porém, o governo decidiu nomear um conselho de notáveis, escolhidos pelo presidente Lula. Representantes da sociedade civil, em diversas manifestações, discordaram do governo em relação a esse Conselho. Em 26 de novembro, o presidente Lula nomeou os 15 representantes para o Conselho Curador da Empresa Brasileira de Comunicação (a TV Brasil).

A estrutura adotada para a TV Brasil desconsiderou, de acordo com o FNDC, a participação da sociedade civil e dos movimentos sociais, dos movimentos que lutam pela democratização da comunicação, dos pesquisadores e trabalhadores da comunicação.

TV Brasil e TV Digital estréiam juntas

No dia 2 de dezembro, a TV Brasil estreou, juntamente com a TV digital. Pouca gente, porém, já tem acesso à anunciada qualidade de uma e à programação de outra (leia aqui). As televisões inauguraram, mas as promessas de ganho foram adiadas até que o sinal da TV digital seja liberado para outras cidades e Estados e o preço dos aparelhos conversores e das próprias televisões sejam viáveis (leia aqui). A TV Brasil iniciou transmissões para São Paulo, Maranhão e Distrito Federal.

Durante o ano, a consultoria da Câmara Federal produziu um estudo (leia aqui) e recomendou que o processo de implantação da TV digital no Brasil fosse submetido à aprovação do Congresso Nacional, o que não aconteceu. A Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital (movimento criado a partir da organização de mais de cem entidades brasileiras na luta pela democratização dos meios de comunicação) promoveu encontro em março, no Rio de Janeiro, articulando ações para incidir quanto à implantação da TV digital (leia aqui). A TV digital nasce, entretanto, excludente, envolvida em contradições. Na pressa do governo, os preceitos contidos no Decreto 4.901/03 foram abandonados (leia aqui).

Cruzada pela Conferência

No ano de 2007, o FNDC pôs em prática a determinação de sua XIII Plenária (leia aqui) e intensificou ações pela realização de uma Conferência Nacional de Comunicação. Acreditando que a solução para um novo marco legal para o setor está nesse grande encontro, deflagrou uma verdadeira cruzada pela construção da Conferência. Com cerca de 30 entidades, participou da criação do Movimento Pró-Conferência Nacional de Comunicação, que se reúne quinzenalmente em Brasília, definindo ações para realizar uma conferência plural e democrática.

Em abril, mobilizando-se pela Conferência, FNDC esteve com os ministros Tarso Genro (da Justiça) e Franklin Martins (da Secretaria de Comunicação do Planalto), encaminhando as reivindicações da entidade pela realização do evento. Também esteve com o ministro Hélio Costa (das Comunicações), acompanhando um grupo de entidades pró-conferência, que se mobilizaram a partir das preocupações expressas pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em suas várias iniciativas (leia aqui).

De 17 a 19 de setembro em Brasília, o Ministério das Comunicações em parceria com outros ministérios, o Senado Federal e a Agência Nacional de Telecomunicações realizou uma Conferência Nacional Preparatória de Comunicações, ‘Uma Nova Política para a Convergência Tecnológica e o Futuro das Comunicações’. Do encontro, ficou marcada por unanimidade a conclusão de que um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil é condição fundamental frente ao processo de convergência digital dos meios de comunicação. E que a Conferência Nacional de Comunicações será construída pela sociedade e o governo (leia aqui).

Classificação indicativa gerou polêmica

É dever dos pais ou do Estado, determinar a quais produtos as crianças e os adolescentes brasileiros assistirão? A publicação da Portaria 246/07 levou à fervura uma discussão que cozinhava em fogo brando desde 2000. A regulamentação da classificação indicativa das obras audiovisuais exibidas pelas emissoras de televisão trouxe um importante debate para a sociedade (leia aqui). Representantes do movimento pelo democratização da comunicação, entre os quais o FNDC, foram recebidos pelo Ministro da Justiça, Tarso Genro a quem entregaram uma Carta Aberta (leia aqui).

Governo apressa a digitalização do rádio

O sistema de digitalização do rádio se encaminha, ao que tudo indica, para uma definição pelo sistema americano de Rádio Digital AM Iboc (In Band on Channel), em fase de testes desde o ano passado. O FNDC repudia o processo, que não incluiu qualquer tipo de consulta. Em levantamento realizado em 2006, o FNDC estimou que a transição para o padrão proprietário Iboc poderá custar R$ 15,7 bilhões ao cidadão e mais de R$ 1,3 bilhão às emissoras (leia aqui). Apesar da escolha dada, os radiodifusores não se mostraram muito animados com os primeiros testes com o Iboc, por conta do delay. Tal como vai sendo conduzida, a digitalização do rádio no Brasil poderá aumentar a concentração dos meios de comunicação e o poder das grandes redes (leia aqui).

O I Fórum de Rádios Públicas aconteceu de 21 a 23 de novembro e teve na sua pauta a digitalização do setor. Leia a Carta do Rio.

Comissão revê concessões de rádio e TV

Ainda no primeiro semestre, a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, reinstalou a subcomissão especial para revisar as normas para concessão de rádio e de TV no país, formada por 14 parlamentares. A deputada Luiza Erundina (PSB-SP), presidiu a subcomissão, que propôs o acréscimo de um parágrafo ao artigo nº 222 da Constituição, estabelecendo: ‘não poderá ser proprietário, controlador, gerente ou diretor de empresa de radiodifusão sonora e de sons e imagens quem esteja investido em cargo público ou no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial’. A emenda visa evitar o coronelismo eletrônico (leia aqui).

Em junho, publicamos neste e-Fórum um levantamento exclusivo (leia aqui) revelando que 40% das televisões brasileiras operam com outorgas vencidas. A matéria constatava que a lentidão do Congresso contribui para caducidade das concessões e apontava algumas emissoras que não renovam sua concessão há duas décadas, e, mesmo assim, continuam funcionando (leia aqui).

Anatel completou 10 anos

Criada para ser um ente público com capacidade de mediar as relações na área de comunicação, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) comemorou seus 10 anos. As críticas do setor à agência, porém, são de que precisa retomar sua origem, recuperar sua história e modificar o próprio futuro (leia aqui).

CCS inerte

A renovação do Conselho de Comunicação Sócial (CCS), órgão auxiliar do Congresso Nacional não aconteceu, como deveria. O CCS reuniu-se pela última vez em dezembro de 2006, quando se extinguiu o segundo mandato. Sete conselheiros deveriam ter sido substituídos, uma vez que já completaram duas gestões no CCS, e os trabalhos retomados. Num ano cheio de decisões acerca das comunicações no país, o CCS não foi composto, não atuou (leia aqui).

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Da Redação FNDC