Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

BBC deixa de transmitir para o Brasil

Após 67 anos e 13 dias, a BBC deixou de irradiar, em ondas curtas, os programas produzidos por profissionais brasileiros, diretamente da Bush House, no centro de Londres, para a audiência brasileira. A despedida deveria acontecer no dia 27 de março, mas um erro técnico fez com o programa especial, com depoimentos de antigos colaboradores da emissora, não fosse ao ar. Uma semana depois, já com os transmissores provavelmente voltados para outras regiões do planeta, o programa foi reprisado.

Conforme a direção da BBC Brasil, ‘a medida se deve a mudanças na empresa, que passa a concentrar seus investimentos em boletins curtos de rádio, em reportagens e na transmissão de boletins em vídeo pela internet, produzidos pela maior rede de correspondentes internacionais do mundo’. A emissora produzirá programas curtos, ‘que serão retransmitidos por algumas das maiores estações do país, como CBN, Rádio Globo, Eldorado, Itatiaia, Guaíba e Radiobrás’, informa. O diretor para as Américas do Serviço Mundial da BBC, Lúcio Mesquita, agrega que ‘o grosso de nossos ouvintes e usuários em potencial está nas áreas urbanas do Brasil, onde as ondas curtas tendem a ser inapropriadas como meio de comunicação’. Também destaca que as emissões, em ondas curtas, geram altos custos.

Mesquita ressalta, ainda, que um dos motivos que levaram a direção da emissora a abandonar as ondas curtas para o público brasileiro foi a indefinição do Brasil e outros países da América Latina em escolher e adotar um modelo para o rádio digital em ondas médias e curtas. De acordo com ele, a negativa na escolha do modelo ‘reduziu consideravelmente as chances de uma recuperação da audiência em ondas curtas pelo menos nos próximos anos’.

Freqüências mudas

Na prática, como não tem mais freqüência própria, a emissora deixa de existir para o público brasileiro. Trabalhar com emissoras ‘parceiras’ implica depender da boa vontade de tais estações, o que nem sempre ocorre. Uma coisa é conseguir que a Rádio Guaíba, por exemplo, irradie um boletim noticioso de dois minutos. Mas pensar que a emissora usará um programa, com duração superior a cinco minutos, já é ingenuidade. A não ser que seja na programação da madrugada, para fazer concorrência aos programas religiosos de plantão.

O resultado será sentido apenas quando a BBC necessitar de mais de 20 minutos para fazer a cobertura de um grande evento mundial, no exato momento em que tinha seu canal aberto em ondas curtas, entre 19h30 e 20h. Vai se dar conta de que as ‘parceiras’ ou não dispõem de tanto tempo assim para a sua pauta ou estão mais preocupadas em emitir notícias de sua comunidade.

Também vai chegar o momento em que as ‘parceiras’ alegarão que recebem pressão do departamento comercial para não veicular certo tipo de pauta. Então, a BBC Brasil perceberá que o contato direto com os ouvintes, num canal seu, em ondas curtas, já faz parte da história.

Grandes profissionais

Na prática, a BBC Brasil também está assinando seu atestado de óbito como emissora de rádio para os ouvintes brasileiros. A produção de pequenos programas, para serem veiculados pela internet, vai de encontro ao que tradicionalmente a famosa estação de Londres fazia com maestria: bons programas, com excelente produção, uso de recursos como sonoras, vinhetas, entrevistas com pessoas do outro lado do planeta e muito mais. Pensar que escutar um áudio na web é a mesma coisa que num receptor portátil é ilusão. A internet é uma ferramenta multimídia. É ideal para países onde já está bem implementada, com todos os recursos disponíveis.

No entanto, tal não ocorre nem mesmos nos países ricos. Conforme Manuel Castells, em seu livro A galáxia da internet, o vídeo por demanda e a TV interativa não vingarão, nos Estados Unidos, até 2010, simplesmente porque há uma insuficiência da largura de banda. Com tal exemplo, nem é preciso comentar o que ocorre no Terceiro Mundo, especialmente no Brasil, onde, além da insuficiência de lares equipados com computadores de ponta, existe a tradição de ouvir rádio pelo próprio receptor de rádio.

A freqüência de 15390 kHz foi utilizada pela BBC Brasil, entre 19h30 e 20h, nos últimos 10 anos. Agora que o canal está vago, convém relembrar um pouco quem tão bem soube fazer rádio na Bush House.O jornalista Manuel Braune é lembrado pelo fato de ter feito a primeira locução para o Brasil, em 14 de março de 1938. Ainda daquela época, são lembrados os nomes de Antonio Callado e Telmo Martino. Na década de 70, quem trabalhou na BBC foi Vladimir Herzog. Nos anos 1980 e 1990, houve um grande rodízio de profissionais na emissora. Os jornalistas Jáder de Oliveira e Ivan Lessa foram os profissionais que por mais tempo permaneceram na emissora. Lessa, inclusive, ainda bate o ponto na BBC, gravando o seu tradicional Livros e autores.

Sem economia

A lista de profissionais que passaram pela BBC Brasil é enorme. Primeiramente, é preciso destacar aqueles que sempre estiveram ao lado dos ouvintes. Em entrevista a Carolina de Oliveira, veiculada pela própria BBC Brasil, na última edição em ondas curtas, Jáder de Oliveira revela que Walter Alves e Glória Fernandes foram os primeiros apresentadores do espaço Posta Restante, onde os nomes dos ouvintes eram lidos no ar. Além deles, também estiveram na condução do programa Mariana Maxwell, Luiz Alfredo Hablitzel, Nelson Pujol Yamamotto, Manoel Paulo Ferreira, Ivan Lessa, Maria Costa Pinto, Jáder de Oliveira, Francisco Pimentel Pinto, Isa Webb, Gilberto Ferraz, Ana Maria Cavalcante, entre outros.

Alguns profissionais da BBC Brasil também tiveram seus trabalhos destacados em outras frentes. É o caso de Theodomiro Braga, que foi correspondente da emissora em Brasília (DF), numa época em que fazer uma ligação internacional era um verdadeiro milagre. O próprio Jáder era considerado o ‘especialista’ da emissora em esportes e Lessa expert em literatura e cultura. Nos últimos anos, Thomas Pappon foi um dos responsáveis pela produção do Som de Londres, sempre trazendo as novidades musicais britânicas.

A BBC nunca economizou para buscar a notícia. Foi assim que, por exemplo, ouvi matérias especiais, feitas por Márcia Detoni, em países de língua portuguesa da África. Além de entrevistar autoridades, o gravador também capturou o som das ruas, das misérias e guerras, algo que, a partir de agora, provavelmente não será prioridade.

Mágica relação

A lista de profissionais que tiveram suas vozes ecoando em receptores de ondas curtas não é pequena. Mais alguns nomes: Américo Martins, Ana Maria Machado, Antonio Carlos Seidl, Asdrúbal Figueiró, Babeth Bettencourt, Bruno Garcez, Carla Di Bonito, Carolina Glycerio, Carolina Oliveira, Cecília Gouveia Dourado, Denise Bacoccina, Edson Porto, Eduardo San Martin, Eric Câmara, Fernando Sabino, Flávia Nogueira, Geraldo Cavalcanti, Graciela Damiano, Isabel Murray, J. Veiga, José Antônio Arantes, Laís Pimentel, Lúcio Mesquita, Lya Cavalcanti, Marcelo Abreu, Marcelo Starobinas, Marcelo Torres, Márcia Freitas, Márcia Poole, Maria Luisa Cavalcante, Mariana da Costa, Monica Valéria Villela, Mônica Vasconcelos, Nivaldo Manzano, Oscar Pilagallo Filho, Paulo Cabral, Rafael Gómez, Ricardo Acâmpora, Rodrigo Amaral, Rodrigo Onias, Rogério Simões, Rubens Junqueira Vilela, Sílvia Salek, Simone Ruffier e William Tate.

Emissora de rádio que pretende manter o prestígio tem que tratar o ouvinte com carinho. O ouvinte é a razão final para a emissora. Se quem escuta não tem como entrar em contato com quem transmite, a linguagem universal do rádio já não existe. O ouvinte brasileiro fala neste idioma particular do rádio como ninguém. O brasileiro gosta que seu nome seja falado no ar, que suas perguntas sejam respondidas, que seu recado seja lido ou que sua crítica seja contestada. Os ouvintes de emissoras de ondas curtas são formadores de opinião em suas comunidades. Muitos desprezam o rádio em FM local que, a cada dia que passa, fica mais pobre e grotesco.

No último programa da BBC Brasil, Ivan Lessa reclamou de que ‘os ouvintes apenas escreviam perguntando o significado do Big Ben’, ignorando inúmeras cartas que seu colega Francisco Pimentel Pinto disse pesquisar as respostas por semanas seguidas. A partir de agora, a BBC Brasil acaba com a mágica relação entre o ouvinte e o emissor. O tempo avaliará seu prestígio como emissora de rádio entre os ouvintes brasileiros.

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Jornalista