São os portais da internet uma atividade empresarial semelhante à dos jornais e de emissoras de rádio e de televisão? Pelo menos parte da mídia brasileira entende que sim e quer que o limite de participação de capital estrangeiro nos grupos de comunicação seja estendido aos portais de notícia e entretenimento que produzem conteúdo no Brasil.
O tema será discutido em audiência pública na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, na quarta-feira (11/11). É um assunto explosivo, que tem a ver com o avanço das empresas de telefonia e dos portais estrangeiros e com a disputa de mercado entre as teles e os grupos nacionais de mídia.
A Constituição limita a participação de capital estrangeiro nas empresas de comunicação (rádio, televisão e imprensa escrita) a 30% do capital com direito a voto e do capital total. Até 2002, a participação estrangeira era proibida no setor, e a propriedade de meios de comunicação era permitida só a brasileiros natos ou com mais de dez anos de naturalização.
A Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e de Televisão) foi a primeira entidade a defender publicamente o enquadramento dos portais de internet à regra de controle nacional da mídia.
‘Questionamos a falta de isonomia de regras para uma atividade empresarial que visa lucro e que tem as mesmas características do produto jornalístico. As redes sociais e os blogs não estão em discussão e não podem sofrer qualquer controle’, diz o presidente da Abert, Daniel Slaviero
Outro conceito
A ANJ (Associação Nacional de Jornais) se alinha com a posição da Abert. As duas entidades se baseiam em pareceres dos advogados constitucionalistas Luís Roberto Barroso e Tércio Sampaio Ferraz Júnior.
Para os advogados, o limite de participação estrangeira estabelecido no artigo 222 da Constituição é aplicável às empresas que produzem conteúdo jornalístico para a internet.
Na visão da Abert e da ANJ, a internet é apenas uma nova forma de veicular os mesmos produtos jornalísticos veiculados pela TV, rádios, jornais e revistas impressos. Por isso as entidades defendem que os portais tenham controle de capital nacional. Com a expansão da banda larga, a tendência é a migração gradual dos serviços para o ambiente digital, alegam.
Mas não há consenso sobre se os portais devam ser regulados. Demi Getschko, membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil, é contrário à regulamentação, embora reconheça haver risco de as teles dominarem a produção de conteúdo, em razão de seu gigantismo e por serem donas da infraestrutura de distribuição.
Ele diz que uma forma de evitar tal domínio seria transformar a infraestrutura de rede das empresas de telefonia fixa em empresa independente da prestação de serviço, de forma que todos os prestadores de serviço tenham acesso à infraestrutura nas mesmas condições. As teles pagariam pelo uso da rede como os demais concorrentes. Esta solução, conhecida no setor como ‘unbundling’, é adotada, por exemplo, na Inglaterra.
Ronaldo Lemos, professor titular da FGV (Fundação Getulio Vargas), avalia que a regulamentação teria pouco efeito prático, porque as empresas poderiam oferecer o serviço a partir de outro país. Para ele, não é possível enquadrar a internet ao conceito de jornalismo do século 20.
O presidente da Abrafix (que representa as concessionárias de telefonia fixa), José Fernandes Pauletti, considera ‘absurdo alguém querer controlar qualquer coisa na internet’, mas diz que a entidade ainda não tem uma posição formal sobre o assunto.
Cayman
Em setembro, quando a Oi/Telemar investiu na ampliação de seu portal iG, o presidente da Abert declarou que as restrições ao capital estrangeiro não poderiam ser desprezadas no ambiente ‘on-line’.
Um terço (33%) do capital do iG pertence a uma empresa sediada no exterior: a Internet Group Cayman. A Oi diz controlar 100% do iG Cayman, através da Brasil Telecom. Mas a própria Oi, na visão de radiodifusores, tem mais acionistas estrangeiros do que o limite admitido para o setor de mídia.
Argumentam as empresas que há vários grupos estrangeiros produzindo jornalismo político e econômico no Brasil, como o Terra (do grupo espanhol Telefónica), a Claro (da mexicana Telmex), a TIM (Telecom Itália/Telefónica), o Google (EUA) e a Vivo (Telefónica/Portugal Telecom).
As empresas de telefonia fixa faturaram, no Brasil, R$ 76,2 bilhões no ano passado e R$ 38,6 bilhões no primeiro semestre deste ano.
As de telefonia celular faturaram R$ 68,4 bilhões em 2008 e R$ 33,6 bilhões de janeiro a junho de 2009.
Já a receita publicitária das emissoras de rádio e de televisão, segundo o projeto Inter-Meios, da publicaçãoMeio & Mensagem, somou R$ 13,5 bilhões em 2008 e R$ 8,6 bilhões de janeiro a agosto deste ano. A publicidade, segundo a Abert, representa cerca de 90% da receita total das emissoras.
Segundo a ANJ, o faturamento anual estimado do total dos jornais brasileiros é de cerca de R$ 7 bilhões.
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ANJ defende proteção a texto jornalístico reproduzido em sites
AFolha, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) eO Globo aderiram no sábado (7/11) a um documento internacional conhecido por ‘Declaração de Hamburgo’ e que defende o respeito às leis de propriedade intelectual para textos jornalísticos reproduzidos na internet.
A Declaração foi lançada em junho deste ano, após encontro do Conselho Europeu de Publishers e da Associação Mundial de Jornais e ainda coleta assinaturas e apoio de grupos de mídia em todo o mundo.
O apoio à declaração aconteceu em Buenos Aires, na Argentina, sede da 65ª Assembleia da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), que começou na sexta-feira (6) e segue terça (10), com cerca de 500 jornalistas e editores de vários países inscritos.
O editor alemão Florian Nehm, representante do Conselho Europeu de Publishers (EPC), apresentou ontem a ‘Declaração de Hamburgo’ para a diretoria da SIP e falou do ‘alarme’ de empresas jornalísticas europeias diante do ‘perigo real’ que a ausência de legislação sobre propriedade intelectual na internet representa para a ‘sobrevivência do jornalismo independente’.
‘As legislações da maioria dos países ainda não se adaptaram a necessidade de proteger a propriedade intelectual na internet. Isso não significa querer fechar a internet, mas é preciso distinguir acesso livre de conteúdo gratuito’, declarou Nehm.
Segundo o jornalista, ‘obviamente todos os editores de jornais e revistas são favoráveis a que todos tenham acesso a internet’. Mas, ‘oferecer gratuitamente o conteúdo, significa doar algo que necessariamente precisa ser refinanciado’.
Sem posição oficial
A ‘consequência imediata’ da ausência de ganhos pela distribuição do conteúdo jornalístico na internet, segundo Nehm, é que ‘não podendo pagar os jornalistas, as empresas terão de reduzir pessoal, o que é um perigo para a liberdade e a independência da imprensa, já que as redações se tornam vulneráveis a usar conteúdos produzidos por empresas e governos, sem a chance de checá-los crítica e autonomamente’.
Para o representante do EPC, ‘a independência econômica é condição prévia para o jornalismo independente’.
Com esse argumento, ele expressou à diretoria da SIP a ‘necessidade de uma distribuição justa e equitativa dos ganhos gerados pela distribuição de conteúdo de empresas jornalísticas por agregadores de notícias, como o Google News’. Ele argumentou ainda que ‘simultaneamente, esses ganhos têm desaparecido da publicidade nos jornais impressos, enquanto a publicidade dos agregadores só é possível graças ao conteúdo desses jornais’.
‘AFolha notificou o Google para que não fizesse uso no Google News, o indexador de notícias. Na prática, a gente já faz isso isoladamente e agora vamos participar desse movimento coletivo’, afirmou Judith Brito, presidente da ANJ e diretora-superintendente da Empresa Folha da Manhã S.A., que edita aFolha.
Segundo Ricardo Trotti, diretor da SIP e organizador da assembleia, a entidade ainda não tem ‘uma visão oficial’ a respeito dos direitos intelectuais na internet e não prevê divulgar documento sobre o tema neste atual encontro em Buenos Aires. (Da Reportagem Local e da correspondente em Buenos Aires)