Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Cinema perde medo de contar a ditadura

Dezesseis anos após o fim da ditadura do general Augusto Pinochet, cineastas chilenos rompem o silêncio sobre detalhes obscuros do violento período de repressão. Resquícios de medo do ex-ditador prevaleceram depois que os 17 anos de ditadura terminaram, em 1990. O tempo foi passando e o velho Pinochet de hoje, 90 anos, problemas de saúde e cadeira de rodas, não assusta mais.

Enquanto outras nações lidaram mais rapidamente com suas histórias de ditadura, o Chile caminhou a passos de tartaruga, afirma Angelica Perez, organizadora de um festival de documentários no Museu Nacional de Belas Artes em Santiago, realizado em maio. “Estamos esperando para superar tabus, porque havia muito medo”, explica. Havia também um impasse público entre aqueles que queriam esquecer o passado sombrio e os que ainda esperam por justiça.

Debate não-oficial

Nos últimos anos, o debate foi impulsionado por um grupo de cineastas conectados diretamente com as histórias que contam sobre a “guerra suja” de Pinochet – que deixou mais de três mil pessoas mortas ou desaparecidas. “Há uma abertura mais clara em se confrontar este passado”, afirma o historiador chileno Claudio Rolle. “Não apenas em confrontá-lo, mas em exigir conhecê-lo de uma maneira menos oficial”.

Acumulando prêmios em festivais de cinema no Chile e na Europa nos últimos anos, os filmes cobrem diferentes ângulos da história: de um exilado confrontando seus torturadores ao destino dos prisioneiros desaparecidos.

A volta à análise do passado do Chile ganhou ânimo em 1998, quando Pinochet foi detido em Londres sob acusação de genocídio. O ex-ditador pôde voltar para casa em 2000, por questões de saúde, mas os chilenos não o viam mais como intocável.

O aniversário de 30 anos do golpe que derrubou o presidente marxista Salvador Allende, lembrado em 2003, incitou ainda mais o diálogo. A mídia chilena, acusada de autocensura no passado, encheu-se de cobertura sobre o legado da ditadura, e os chilenos começaram a falar mais abertamente e a explorar os muitos segredos mantidos e esquecidos ao longo dos anos.

Ficção e realidade

Produções como The Damned, sobre uma banda de punk rock e seus agressivos hinos contra o regime; Secondary Actors, sobre a resistência de adolescentes da década de 80 a Pinochet; e Machuca, que revela a ditadura através da visão de duas crianças, tornaram-se especialmente atraentes para os jovens de hoje.

Em 1998, o documentário Fernando ha Vuelto, de Silvio Caiozzi, abriu portas para se contar a história sem precisar recorrer à ficção. O filme aborda a identificação da ossada de Fernando Olivares, jovem estatístico detido logo após o golpe, cuja mulher era amiga de Caiozzi. Os ossos de Olivares foram encontrados em uma cova coletiva junto com 125 outras ossadas, em 1991, e levou sete anos para ser identificados. Se, na época do lançamento, o documentário atraiu pouca atenção da mídia, agora, diz Caiozzi, ele se tornou um “tipo de filme cult”. Informações de Lygia Navarro [AP, 7/9/06].