Uma falha do Ministério das Comunicações revela que o apadrinhamento político para a aprovação dos pedidos de concessão de rádio e TV está ativo no governo Lula.
A Fundação Núcleo Cultural Bento Gonçalvense, do Rio Grande do Sul, obteve, no início do mês, uma concessão de TV educativa em Bento Gonçalves, com apadrinhamento do deputado federal gaúcho Mendes Ribeiro Filho, do PMDB, colega de partido do ministro das Comunicações, Hélio Costa.
A ação do parlamentar foi revelada por erro da burocracia do Ministério das Comunicações. Em vez de digitar, no sistema para consulta on-line do andamento dos processos, o nome da fundação como beneficiária da TV, os técnicos registraram o nome do deputado.
Confrontado com os fatos, Ribeiro confirmou que age para acelerar processos de concessão de emissoras educativas de seu Estado. ‘O Hélio Costa endureceu para aprovar outorgas de radiodifusão. Fui procurado muitas vezes porque ele aumentava as exigências de vinculação com universidades para aprovar [as outorgas]’, disse.
Ele afirmou não ver problema no apadrinhamento político de pedidos de emissoras educativas que não tenham o lucro por objetivo. ‘Não sou parente, não sou amigo [dos dirigentes da fundação que pleiteou a concessão] nem tenho interesse econômico na causa. Como interessa ao Rio Grande do Sul, eu peço’, justificou.
Sem sede
A interferência de deputados e de senadores no processo de concessões é comentada, veladamente, no setor, mas sua documentação é coisa inédita.
A reportagem da Folha obteve a comprovação do caso gaúcho por iniciativa própria. No dia 6 de janeiro, o Diário Oficial da União publicou o decreto legislativo que aprovou a concessão do canal de TV educativa à fundação de Bento Gonçalves.
Assinado pelo presidente do Senado, José Sarney, o decreto legislativo informa que o processo de outorga tramitou no Ministério das Comunicações com o número 53000.002668/2003. Bastou consultar o andamento do processo na página do ministério, na internet, para a reportagem chegar ao deputado.
Os beneficiários das concessões de rádio e de televisão educativas no país são escolhidos pelo Executivo, enquanto as concessões de emissoras comerciais passaram a ser vendidas em licitações públicas a partir de 1997. Em ambos os casos, o Executivo submete os processos à aprovação do Congresso Nacional.
A Fundação Núcleo Cultural Bento Gonçalvense ainda não tem sequer sede própria. Para pedir a concessão da TV educativa, a legislação exige que as emissoras sejam geridas por entidades sem fins lucrativos.
Último a saber
O pedido da concessão foi feito em 2003. O presidente da entidade, Jorge Menezes, disse à Folha que o deputado Mendes Ribeiro Filho entrou no caso, no início do processo, depois que a Consultoria Jurídica do ministério exigiu alguns documentos para sua aprovação.
Segundo ele, o deputado acompanhou os dirigentes da fundação gaúcha em encontro com os ex-ministros das Comunicações Miro Teixeira e Eunício Oliveira, e também com o atual, Hélio Costa.
Menezes, que produz comerciais para televisão, diz que a fundação dava por perdida a concessão da TV e só soube da aprovação da concessão pela reportagem da Folha. Grato a Mendes Ribeiro, o empresário disse que o procurou ‘porque não se consegue falar com o ministro das Comunicações sem estar acompanhado de um deputado’.
Outro lado
O Ministério das Comunicações disse, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que a citação do nome do deputado como beneficiário da outorga demonstra, ‘de algum modo’, a transparência nos registros.
O ministério alega que recebe de 90 mil a 100 mil novos processos por mês e que 70% deles são relativos à atividade de radiodifusão.
Segundo o ministério, o nome do deputado federal foi registrado erroneamente como beneficiário da outorga de emissora educativa.
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Repórter da Folha de S.Paulo,