Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Comissão Geral mostra que a sociedade está dividida

Em sessão plenária da Câmara dos Deputados convocada para debater a TV Digital, na quarta-feira (8/2), 40 representantes de diversos segmentos sociais explicitaram aos deputados seus interesses, dúvidas e sugestões para o desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Pressionado de todos os lados, governo adiou decisão por mais 30 dias.

Dois dias antes da prevista para a divulgação do padrão de TV Digital a ser adotado no Brasil, uma Comissão Geral na Câmara dos Deputados levou ao Plenário as dúvidas da sociedade sobre a definição em curso. O resultado da pressão da sociedade com apoio dos parlamentares foi o adiamento do anúncio oficial por mais 30 dias, com a Fundação CPqD cumprindo o prazo estipulado pelo decreto do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) e entregando ao Ministério das Comunicações os relatórios com os resultados das pesquisas científicas. ‘Foram elaborados sete documentos que serão transpostos para o relatório que será entregue ao ministro dia 10… quaisquer que forem as tecnologias apontadas, elas devem garantir alto grau de autonomia para ter capacidade de evolução no Brasil… sobre os demais aspectos, consideramos que esta Casa tem o direito e o dever de atuar’, afirmou Ricardo Benetton Martins, diretor de TV Digital do CPqD, em seu pronunciamento na Câmara.

Resumidamente, o que se ouviu na quarta-feira (8/2) foi, por um lado, os radiodifusores ocupando a tribuna para defender a decisão imediata do governo pelo padrão japonês, e, por outro, representantes de outros setores da sociedade civil (organizações não-governamentais, especialistas, cientistas, pesquisadores, empresas de telefonia e de informática) clamando para que prossigam e se ampliem os debates.

O argumento mais repetido pelos radiodifusores em defesa do padrão japonês foi pela manutenção do modelo de negócios da TV aberta, gratuita, que não sobreviverá, segundo eles, à disseminação das verbas publicitárias, na possibilidade de haver um desdobramento dos canais. Alguns deles mandaram um claro recado aos parlamentares: ‘somos nós que veiculamos o horário eleitoral gratuito!’ Os que pediram mais tempo para o debate sugeriram que o padrão tecnológico deve ser escolhido em função das necessidades e da utilização do serviço, considerando a inclusão social. Esse viés, na opinião destes convidados da Comissão Geral, envolve um complexo quadro de definições antes da escolha da tecnologia em si. Foram quatro horas de pronunciamentos sendo interrompidos apenas para a exibição de um vídeo da TV Câmara.

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) esteve representado na audiência pelo seu coordenador-geral Celso Schröder (leia aqui http://www.fndc.org.br/arquivos/Discurso8-2.pdf#http://www.fndc.org.br/arquivos/Discurso8-2.pdf o seu pronunciamento), pelo secretário-geral José Guilherme Castro e pelo presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo de Andrade. Em discursos limitados em cinco minutos, falaram na Comissão Geral 40 representantes da sociedade civil. A maioria (21) pediu aos deputados mais tempo para avaliar, além da tecnologia, o modelo de negócios, a política industrial, inclusão digital, desenvolvimento nacional.

O e-Fórum acompanhou os pronunciamentos e reproduz abaixo, democraticamente organizados, alguns trechos de exposições ouvidas no Plenário da Câmara.

PELA DECISÃO IMEDIATA

José Inácio Pizani – Presidente da Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert)

‘A radiodifusão está mais próxima do cidadão, no Brasil, do que qualquer outro meio, graças à dedicação dos empresários da área…. A radiodifusão merece, precisa, tem o direito de evoluir, porque todos os outros serviços de telecomunicações já fizeram….. O rádio digital vem funcionando experimentalmente desde setembro de 2005, a TV aguarda a decisão…. o sistema japonês é o mais evoluído, atualmente. ‘

PELA CONTINUIDADE DO DEBATE

Alexandre Annenberg – Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA)

‘Variáveis econômicas, sociais e mercadológicas são mais importantes do que as tecnológicas… sem canal de retorno, a tecnologia ficará restrita… precisa definir um marco regulatório… fomentar políticas industriais que barateiem os custos… não podemos perder a oportunidade de incluir as camadas mais pobres da população… e sermos capazes de usar a nova tecnologia para transpor o fosso da exclusão digital.’

Evandro Guimarães – Associação dos Empresários de Rádio e TV em São Paulo

‘As empresas querem continuar a fazer uma TV aberta, gratuita ao público, aos políticos, com qualidade melhor…. o sucesso da televisão brasileira contribui com a coesão e a independência nacional… nós, radiodifusores da tv aberta, fazemos o horário eleitoral gratuito…’

Adonias Costa Silveira – Fundação Instituto Nacional de Telecomunicações (Finatel)

‘Os resultados dos consórcios devem ser bem aproveitados na escolha do padrão brasileiro…. em nossas pesquisas, desenvolvemos um padrão de modulação inovador, utilizando tecnologias de última geração, cujos testes têm demonstrado um desempenho bem superior aos dos outros padrões existentes… não queremos reinventar a roda, mas um pneu que rode duzentos, trezentos mil quilômetros.’

João Carlos Saad – Associação Brasileira de Radiodifusão (Abra)

‘Falamos de um mundo que está separado em dois: um que é grátis…outro que é pago. Nesses dois mundos, somos 7%… fazemos horário político gratuito, eles não fazem (tv por assinatura)… modelo deverá garantir a sobrevivência da gratuidade no setor… a diversidade se dá na tv paga, e não na tv aberta, que sobrevive de publicidade… unificar e fortalecer a indústria nacional e as universidades.’

Ricardo Lopes de Queiroz – Consultor e Professor

‘Se pegarmos um padrão completo de um país qualquer, não vai atender às necessidades do Brasil. Os três padrões (ISDB, ATSC e DVB) usam MPEG 2 e MPEG 4, totalmente ultrapassados. Nós desenvolvemos o H264, muito melhor. Será um desserviço à nação usar um padrão ultrapassado.’

José Marcelo Amaral – Rede Record

‘A TV é a única fonte de diversão para a maioria dos brasileiros, gratuita… SBTVD comprovou a capacidade de nossos pesquisadores… somos (radiodifusores) brasileiros natos, que acreditam nesse negócio e estamos empenhados em apoiar o governo nessa decisão… a TV aberta precisa de um modelo flexível porque sobrevive de verba publicitária… a TV do futura passa, obrigatoriamente, pela alta definição.’

Maurício Mugnani – Federação Nacional das Empresas de Informática

‘As empresas de informática têm especial interesse nas oportunidades que se apresentam, através do desenvolvimento de middleware, dos softwares de interatividade… o mercado envolve bilhões de dólares… sugiro ao ministro Hélio Costa que fique e amplie o debate… e quem sabe em 2007, ainda no Ministério, possa definir o melhor padrão para o Brasil.’

Fernando Bittencourt – Grupo SET/Abert

‘O modelo de TV aberta, na era digital, continuará sendo livre e gratuito. Assim, o momento da escolha da nova tecnologia é agora… o sistema escolhido permanecerá por duas ou três décadas… o principal é, sim, a tecnologia…o ISDB, adotado pelo Japão é o melhor… com ele, e o sistema brasileiro, teremos a melhor TV do mundo.’

Regina Mota – Universidade Federal de Minas Gerais

‘Não há qualquer razão que justifique uma tomada de decisão rápida.. atraso é a mania que o brasileiro tem de sair copiando coisas… temos que decidir o que é bom para o país, e precisamos de tempo para isso… se houver uma definição acelerada há o risco de exclusão social no sistema de regulamentação que virá depois… vamos nos colocar de frente com os outros países… investir nos pesquisadores brasileiros.’

Gunnar Bedics Júnior – Universidade Mackenzie /SP

‘Não importa qual seja a modulação escolhida… a robustez é muito importante… testes constataram que 56% da recepção, na cidade de São Paulo, tem algum tipo de interferência. Na TV Digital, isso não é possível… com base nos testes e na evolução histórica da tecnologia, a Universidade defende o padrão japonês.’

César Rômulo – Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil)

‘A TV Digital é um poderosíssimo instrumento de inclusão digital… esta é uma oportunidade raríssima de promover a inclusão social… não estamos aqui para nos degladiar com os radiodifusores… a nova tecnologia permitirá definir novos serviços de comunicação e gostaríamos de estar lado a lado com a radiodifusão…nosso desafio é termos competência, juntos, construindo este verdadeiro projeto nacional.’

Roberto Franco – Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações (SET)

‘A TV Aberta é transmitida de forma livre e direta… daí a importância da robustez, porque a população recebe diretamente o sinal… ou se tem sinal, ou não se tem, na TV Digital… não vou comparar os três sistemas… precisamos fazer a migração da forma mais rápida possível.’

Mário Baumgarten – Coalizão DVB Brasil

‘O Brasil vai considerar a opção de um padrão mundialmente minoritário (japonês)?… considerando a convergência, devemos ponderar que o padrão não fique refém de armadilhas tecnológicas… quem é o maior beneficiário da implantação do sistema de TV Digital no Brasil?… necessidade de ampliar o debate.’

Paulo Tonet Camargo – Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão (Agert)

‘A TV aberta e gratuita tem um papel importante na integração nacional… tem uma diferenciação regulatória de outras categorias… a questão constitucional limita… queremos que este modelo de TV continue, com alta qualidade, para toda a população.’

Paulo Saab – Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros)

‘Em nome do consumidor, peço que esta casa abra mais este processo… nossos associados (fabricantes de eletroeletrônicos) têm amplo conhecimento, mas não têm sido ouvidos… todos os aspectos aqui levantados têm que ser discutidos melhor, para que todos possam enxergar.’

Antônio Leonel da Luz – Organização Jaime Câmara – TV Anhanguera

‘Manifestar minha preocupação com a qualidade do sistema brasileiro de TV digital e com o volume de investimento que terá de ser feito para a adoção desse sistema… toda a produção de TV vai ter que passar por uma adaptação… necessidade de se gerar conhecimento dentro das emissoras e dos centros de pesquisa, que podem auxiliar essa transição.’

Gustavo Gindre – Coletivo Intervozes

‘Devemos fazer como os Estados Unidos, os países da União Européia, o Japão e a Índia, entre outros, que mudaram sua legislação antes de introduzir a TV digital. Este é o caminho do bom senso e, apesar de parecer mais longo, pode acabar evitando uma enorme batalha posterior a respeito da legalidade deste processo. Escolher uma tecnologia antes da definição de uma nova legislação, como quer o atual ministro das Comunicações, é inverter o devido processo político porque, como sabem até os mais ingênuos, não existe tecnologia neutra e a sua escolha acabará condicionando certos usos, tendo o efeito de fato consumado para a definição das políticas subsequentes.’

Roberto Wagner – Associação Brasileira de Radiodifusão, Tecnologia e Telecomunicações (Abratel)

‘TV Digital não é decisão de governo, nem empresarial ou tecnológica, mas de Estado… não é possível que um país civilizado abra mão de decidir aquilo que tem de maior valor, que é definir sua comunicação… não é possível considerar tão somente a questão técnica ou financeira… o governo não pode virar as costas às TVs abertas, nessa decisão.’

José Guilherme Castro – secretário-geral do FNDC

‘A decisão da comunicação digital é uma decisão de estado, que deve, a todo momento levar em conta a soberania nacional. Parece que o ministro ainda é aquele fantástico jornalista dos tempos da guerra fria, e quer tocar o ministério como tocava o ex-ministro Antônio Carlos Magalhães. O Brasil terá tecnologia de ponta ou simplesmente ponta de tecnologia?’

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Jornalista, da Redação FNDC