Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Como ampliar o acesso no Brasil

Após discursar em um evento na capital paulista em meados de dezembro, o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Ronaldo Sardenberg, desceu do palco e, imediatamente, foi cercado por jornalistas. Incitado a avaliar o serviço de banda larga no Brasil, ele soou enfático: ‘Nosso desempenho é inferior, inclusive, a países da região. Há um consenso de que precisamos de uma atuação muito melhor do que tivemos até agora’.


A oferta de internet em alta velocidade permeou muitas discussões ao longo do ano passado. Muito se reclamou da crise e da elevada carga tributária que incide sobre o setor, mas pouca coisa efetivamente evoluiu. Numa rápida análise, 2009 expôs uma ferida aberta na indústria brasileira de telecomunicações, que viu a demanda pelo serviço atingir números impressionantes. Em outro contexto, o avanço merecia ser amplamente comemorado. Contudo não foi isso que se viu, pois os provedores estavam sobrecarregados. Os acontecimentos mostraram velhos gargalos no dimensionamento, na oferta e na capacidade de tráfego. Tanto que no mesmo fórum em que o presidente da Anatel citou a frase acima, o diretor de assuntos corporativos da Claro, Rodolpho Tourinho Neto, reconheceu que a operadora cancelou a publicidade de seus serviços de banda larga há cerca de um ano por não conseguir suprir a demanda. ‘Não nos negamos a vender, mas também não fazemos propaganda’, comentou na ocasião.


Também por conta da banda larga, a Telefônica viveu momentos para lá de críticos no último ano. Em junho, a provedora enfrentou um colapso na oferta do serviço Speedy, ocasionando um ‘blecaute de internet’ para milhares usuários na maior cidade do Brasil. Muitos consumidores reclamaram, os órgãos reguladores de mercado tomaram providências, multaram a companhia e pediram a suspensão da venda do produto por dois meses. Os dois fatos mencionados dimensionam um pouco do que está ocorrendo no segmento.


Sem desculpas


Na edição de novembro do Balanço da Banda Larga Móvel, encomendado pela Huawei para medir o serviço no terceiro trimestre de 2009, a Teleco mostra a densidade (número de acessos para cada cem habitantes) de 6,1 para o serviço fixo e 3,1 para o móvel. O resultado coloca o país abaixo da média mundial. Em outro momento, a consultoria divulgou um estudo em parceria com a Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil) mostrando um Brasil com 10,4 milhões de assinantes de banda larga no primeiro trimestre. Especialistas batem na tecla de que teremos 60 milhões de acessos móveis e 30 milhões de fixos até 2014. Um salto impressionante.


Considerando conexão permanente com velocidade igual ou superior a 128 Kbps, o Barômetro Cisco, realizado em parceria com a IDC, identificou 13,6 milhões de acessos a banda larga na metade do ano. ‘A demanda pelo serviço cresce a números exponenciais, superando a expectativa dos provedores’, avalia Júlio Püschel, gerente de consultoria do Yankee Group Latin America. O especialista acredita que as conexões fixas crescerão a um taxa média acumulada anual na casa dos 29%, entre 2003 e 2013. ‘A banda larga móvel evoluirá de forma mais acentuada’, prevê, projetando um salto dos atuais 7,1 milhões para 83 milhões de linhas de terceira geração (3G) em 2013. Agora resta saber se as operadoras estarão preparadas.


Depois de todos os eventos contrários, a Telefônica anunciou um plano de investimentos de R$ 70 milhões para melhorias e ampliação da capacidade do Speedy. ‘Foi, talvez, o momento mais difícil e necessário pelo qual devíamos passar’, sintetiza Mário Milone, diretor de marketing para pequenas e médias empresas (PME) da provedora, mencionando que os episódios desencadearam uma série de reestruturações para colocar a operação nos eixos. ‘O incidente nos deu senso de urgência para acelerar o passo em ajustes necessários’.


Com clareza, o executivo enxerga o período como um aprendizado e aponta o que pode ser a chave para todas discussões em um futuro próximo: ‘Observamos – e isto é um fenômeno da indústria de telecom – que ao passo que nossa rede evolui a uma taxa X, o consumo cresce X elevado a dez’, avalia Milone, que quer posicionar seu produto dentro de características como velocidade, consistência e confiabilidade. Nada muito diferente do buscam todos players de mercado.


A Oi, por exemplo, passou por um processo de fusão de operações com a Brasil Telecom (BrT) que consumiu grandes esforços. Só que isto não serviu como desculpa para paralisar expansão e melhoria da rede. De acordo com o vice-presidente da empresa, João de Deus, os investimentos superaram a casa dos R$ 5 bilhões em 2009 e, pelo sétimo ano consecutivo, ultrapassaram os resultados do Ebtida. O número deve se repetir em 2010 com destino semelhante: ampliação de infraestruturas fixa e móvel.


Dispostos a pagar


Só que mesmo com todos esses esforços o país está longe de entregar uma banda realmente larga, enquadrando velocidades de 256 Kbps, por exemplo, na categoria. Por esta questão, entidades como a TelComp (Associação Brasileira de Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas) traçam críticas ao serviço ofertado em território nacional. Luis Cuza, presidente do grupo, cita números da Organização das Nações Unidas (ONU) que estabelece 2 Mbps como limite mínimo para banda larga. ‘O Brasil não pode se limitar à tecnologia do século passado’, aponta o executivo, dizendo que velocidades baixas suportam sistemas simples, mas não dão conta da crescente demanda por aplicativos cada vez mais pesados.


Cuza acredita que a proliferação do serviço com mais qualidade e banda pode trazer benefícios sistêmicos. ‘Gosto de usar como exemplo uma fazenda no Mato Grosso onde há pouco acesso à comunicação’, divaga o especialista. ‘Se este agronegócio tiver acesso à banda de 10 Mbps, conseguirá obter informações de clima, custo de sua commodity ou logística e poderá treinar os seus funcionários para melhorar certos processos.’


Fica clara a revolução que a popularização do serviço traz. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) acredita que a banda larga será responsável por um terço dos ganhos de produtividade nas corporações de países desenvolvidos em 2011. O Banco Mundial, por sua vez, fez um estudo e descobriu que um aumento de 10% na penetração do serviço leva, em média, a 1,3% de crescimento o Produto Interno Bruto. Calcule o quanto isto reverteria em um país como o Brasil, com PIB de R$ 2,9 trilhões, em 2008.


Na visão da TelComp, paira outra crítica ao modelo nacional, que explora o serviço apenas em centros urbanos ou regiões onde é possível reverter em lucro rápido a montanha de dinheiro investido pelas operadoras. Não espanta a presença de diversas companhias disputando clientes em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte ou Porto Alegre.


Mas Alexandre Barbosa, gerente do Cetic.br, aponta que apenas 4% dos domicílios nas zonas rurais dispõem de internet. Destes, 22% possuem acesso com velocidade superior a 256 Kbps, sendo que o porcentual de residências com conexão acima de 2 Mbps é próximo a zero. O cenário dimensiona o desafio que será para levar estes benefícios para o interior de um país continental, onde 56% da população está disposta a pagar até R$ 30 para ter internet.