Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Congresso debate expansão da língua portuguesa

O primeiro Congresso Bienal da Língua Portuguesa na CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), realizado em Portugal, começou sem palavras. Na cerimônia de abertura do congresso foi feito um minuto de silêncio em memória do secretário-executivo da CPLP, o brasileiro João Augusto de Médicis, que morreu no dia 14 de abril, em Roma, de acidente vascular cerebral. Sua presença, porém, foi marcada com a leitura, emocionada, pela assessora de imprensa Maria Helena Costa, de texto do secretário enviado dias antes do evento [veja íntegra em www.cplp.org/main/destaque/destaque034.htm].

O congresso, entre 19 e 21 de abril, teve lugar no Instituto Piaget, em Viseu, cidade da região de Trás-os-Montes e Alto Douro, norte do país. A cerimônia de abertura contou com a presença do poeta e presidente da República do Timor Leste, Xanana Gusmão, que ressaltou a importância e a dificuldade para o ensino e a disseminação da língua portuguesa em Timor que, embora tenha o português como língua oficial, é uma nação plurilíngüe, na qual se evidencia o uso do tetum. ‘Hoje em dia, a escolha da língua é feita sob pressão, e não por afeto, por ser parte de nossa identidade’, discursou o poeta. ‘Se não fossem os 24 anos de dominação indonésia, Timor contribuiria para a consolidação da língua portuguesa’, desabafou o presidente, acreditando que a popularização da língua em Timor está em bom caminho, mas lembrou os desafios à frente: ‘As dificuldades de hoje impedem que a língua seja falada por toda a sociedade de Timor. Falta dinheiro’.

Nesses três dias foram debatidos vários temas, sempre com foco no uso e na importância da língua, que reúne cerca de 230 milhões de falantes pelo mundo, sendo 220 milhões em países lusófonos e cerca de 10 milhões de emigrantes e amantes da língua. ‘Sonhar e realizar em português’ foi o tema do encontro. As salas de discussão reuniam professores das mais prestigiadas universidades portuguesas, escritores, poetas, políticos regionais, presidentes de países africanos, ministros portugueses, representantes do sistema judiciário português, profissionais e responsáveis dos principais veículos de comunicação do país, representantes do Instituto Camões – que tem por fim a promoção da língua e da cultura portuguesa no exterior – e outras personalidades que contribuem, em português, nas mais variadas áreas.

Entre os campos temáticos, ‘A língua portuguesa e a comunicação social’ abordou o papel dos media na política da língua e o papel da imprensa na comunidade lusófona. Dois aspectos são de ressaltar. O primeiro, a análise sobre a importância da televisão como agente preservador da língua portuguesa em sua vertente no Brasil, derrubando as barreiras geográficas, e a questão da sobreposição desta vertente à portuguesa – por exemplo, os softwares são traduzidos para a convenção brasileira, que começa a ser privilegiada na África. Sem deixar de mencionar, para além dos regionalismos, a questão da influência de terminologias estrangeiras que, segundo especialistas em lingüística, ‘enriquecem a língua’. O segundo aspecto é o da importância da imprensa na afirmação da língua e sua divulgação em nível de conhecimento e com normas fixadas para a camada mais popular dos leitores.

Leitura, compreensão e crítica

Quanto a uma possível unificação da língua portuguesa, a opinião é de que uma unificação ortográfica seria, a priori, viável, já. Quanto à língua propriamente dita, ‘seria impossível, ninguém seria capaz de fazê-la’, segundo especialistas. Outra matéria abordada foi o déficit de leitores em Portugal. A exemplo do Brasil, a maioria dos estudantes do ensino superior e fundamental não lê. Portugal é dos países europeus em que menos se lê jornal. Num universo de pouco mais de 10 milhões de habitantes, um periódico com tiragem diária de 15 mil exemplares é ótimo.

Sobre a situação da língua nos países lusófonos africanos, José Matias, do Instituto Camões, afirmou que ‘a língua nesses países se apresenta como elemento fundamental de estruturação das nacionalidades africanas’, já que o primeiro fator de identidade de um povo é a sua língua. ‘O ideal, em África é implantar o português, mas sem matar os dialetos que o povo fala, e sim, mesclá-los’. Apesar dos esforços na promoção da língua em África, ‘o ajuste às necessidades para o desenvolver do português está aquém do ideal’, lamentou José Matias. Em relação a Macau restaram os testemunhos de que por lá só se fala português entre os portugueses, e não mais, uma vez que essa língua não é necessária para a comunicação local, sobressaindo o chinês.

Mesmo considerado ‘motor’ da CPLP, o Brasil foi pouco representado. Nem mesmo Antônio Paes de Andrade, embaixador do Brasil em Portugal, compareceu.

Na cerimônia de encerramento foram entregues Galardões de Mérito a personalidades que falam português. Entre eles, Xanana Gusmão e Antônio Houaiss. No discurso de encerramento do professor Aguiar e Silva, da Universidade do Minho, foi evocada uma citação do jornalista Carlos Fuentes, do diário espanhol El País, publicada no dia 17/4, na qual o autor dá conta de que ‘um dos fatores responsáveis pelo sucesso da língua espanhola é o principio de mestiçagem da língua, livrando-a de qualquer preconceito’. Por este prisma, a vertente brasileira, que fora amplamente elogiada nos três dias de congresso, está num bom caminho, dada a pluralidade de influências que aumentam nosso léxico dia após dia. Palavra após palavra.

Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Timor Leste. São oito as nações em quatro continentes que têm como fator comum a língua portuguesa que para uns é Madre Língua e para outros é simplesmente um modo de vida. ‘O importante é caminharmos juntos. Afinal, a CPLP somos todos nós’, disse um dia Augusto de Médicis. Ao final do congresso ficou um ar de ‘depende de nós’. Depende de mim que observo, analiso e transcrevo. Depende de você que lê, compreende e critica. Tudo isso em português, além de sonhar. Uma vírgula a mais, uma questão de tempo para mais 500 anos da língua no Brasil que hoje é à nossa maneira. E cada um com a sua fará crescer qualitativamente a tribo da língua portuguesa na CPLP.

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Jornalista no Porto, Portugal