Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Conselhos estaduais para monitorar a mídia

Ao menos mais três Estados – Bahia, Alagoas e Piauí – preparam-se para implantar conselhos de comunicação com o propósito de monitorar a mídia.

A criação dos conselhos foi recomendação da Conferência Nacional de Comunicação, realizada no ano passado, por convocação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O Ceará foi o primeiro a tomar a iniciativa. Na terça-feira (19/10), a Assembleia Legislativa do Estado aprovou a criação de um conselho, vinculado à Casa Civil, com a função de ‘orientar’, ‘fiscalizar’, ‘monitorar’ e ‘produzir relatórios’ sobre a atividade dos meios de comunicação, em suas diversas modalidades.

O governo de Alagoas estuda transformar um conselho consultivo – existente desde 2001 e pouco operante – em deliberativo, com poder de decisão semelhante ao aprovado pelo Ceará.

A modificação foi proposta pelo conselho atual e será examinada pela Casa Civil e pela Procuradoria-Geral do Estado. O governador é Teotonio Vilela Filho (PSDB).

Segundo o presidente do conselho, Marcos Guimarães, entre as novas funções estaria o monitoramento da programação da mídia.

‘Não podemos cruzar os braços. Nem tudo que vai ao ar é agradável à sociedade alagoana’, afirmou.

Ele diz que o conselho atual já exerce, de certa forma, esse papel.

‘Se um programa agride o cidadão, o conselho recomenda à empresa que o modifique, mas ela não tem obrigação de acatar a sugestão, porque ele é só consultivo. Quando for deliberativo, poderá tomar medidas efetivas, respeitando a legislação das concessões’, afirmou.

No Piauí, foi proposta a criação de conselho com atribuição de denunciar às autoridades ‘atitudes preconceituosas de gênero, sexo, raça, credo e classe social’ das empresas de comunicação.

Caberia ainda a esse conselho vigiar o cumprimento das normas de radiodifusão pelas emissoras locais e de denunciá-las à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e ao Ministério das Comunicações em caso de desrespeito à legislação.

O projeto foi feito por um grupo de trabalho nomeado pelo ex-governador Wellington Dias (PT) e encaminhado à Assembleia Legislativa.

Na Bahia, o conselho seria vinculado à Secretaria de Comunicação Social do Estado. A minuta do regulamento do conselho foi feita por um grupo de trabalho constituído em novembro do ano passado pelo governador Jaques Wagner (PT), que foi reeleito.

O secretário de Comunicação, Robinson Almeida, negou que haja intenção do governo do Estado de cercear a imprensa. Disse que o projeto está em análise na Casa Civil e não será divulgado antes de passar pelo crivo jurídico.

Além desses três Estados, em que há envolvimento direto do Executivo, tramita em São Paulo projeto semelhante ao aprovado no Ceará, como revelou o ‘Painel’ ontem [domingo, 24/10].

O texto do líder do PT, Antonio Mentor, prevê a criação de conselho parlamentar que teria, entre outras funções, a de fiscalizar as outorgas e concessões de rádio e TV.

Falta de competência

O diretor-geral da Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão), Luís Roberto Antonik, chama a atenção para o fato de que Estados não têm competência para regular a atuação da mídia.

A Abert teme que o movimento em vários Estados vise simular um ‘clamor para justificar o governo federal propor o controle social sobre a mídia’. De acordo com ele, a entidade ainda está analisando as medidas a tomar para evitar que o movimento prospere. ‘Tutelar a mídia é um retrocesso que o Brasil não merece’, afirmou.

O presidente da Alert (Associação Alagoana de Emissoras de Rádio e Televisão) e diretor da Rádio Gazeta, Gilberto Lima, que integra o conselho consultivo existente no Estado, disse que, para o órgão ganhar poder, o estatuto tem de ser mudado.

Ele disse que votará contra cláusulas que permitam o cerceamento da mídia. (Elvira Lobato)

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Especialistas criticam criação de conselhos

Especialistas ouvidos pela Folha criticam a criação de conselhos estaduais de comunicação para monitorar a atuação da mídia e afirmam que a iniciativa coloca em risco a liberdade de imprensa no país.

Segundo Ophir Cavalcante, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a criação desses conselhos é inconstitucional.

‘Não podemos tolerar iniciativas que, ainda que de forma disfarçada, tenham o objetivo de restringir a liberdade de imprensa. A OAB vai ter um papel crítico e ativo, no sentido de ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade contra a criação desses conselhos’, diz Cavalcante.

Para o presidente da OAB, o fato de a criação de conselhos estaduais ser recomendação da Confecom (Conferência Nacional de Comunicação) não pode ser usado em defesa dessas iniciativas.

Cavalcante afirma ainda que é ‘extremamente preocupante’ a iniciativa se repetir em vários Estados ao mesmo tempo, pois ‘aparenta ser um movimento concertado entre vários líderes políticos com o intuito de restringir o papel da imprensa’.

Ricardo Pedreira, diretor-executivo da ANJ (Associação Nacional de Jornais), classifica como ‘um absurdo, um despropósito total’ a criação de conselhos em vários Estados.

Para ele, trata-se de ‘uma demonstração de incompreensão do exercício da democracia, esse desejo disseminado de haver algum tipo de controle da mídia’.

Pedreira, porém, não acredita na existência de uma orientação central: ‘São ações isoladas de setores que imaginam que a liberdade de expressão seja um valor relativo. Espero que as iniciativas não prosperem, mas, se acontecer, devem ser questionadas no STF’.

Professor emérito da Faculdade de Direito da USP, Dalmo Dallari afirma que, sem conhecer o texto de criação desses conselhos, é difícil afirmar se são inconstitucionais, mas ele elogia a preocupação da OAB.

‘É louvável que a ordem esteja atenta e garanta o controle de constitucionalidade de iniciativas como essa, pois é evidente que governantes podem se valer delas para cometer abusos’, diz.

Regulação

Dallari afirma, porém, que a mídia precisa, sim, de algum tipo de regulação, desde que não haja ‘nenhum sinal de censura prévia’.

‘A liberdade de imprensa é um direito da cidadania incorporado às noções básicas do Estado de Direito. Só que isso não significa liberdade de empresa, pois há um componente social relevante.’

Segundo Dallari, o melhor caminho não são os conselhos, que, ‘pela experiência, sempre trazem algum risco’. Para ele, é preciso haver um ‘corpo normativo, uma legislação federal’ válida para todo o país.

O cientista político Gregory Michener, doutor pela Universidade do Texas (EUA), concorda com a tese de que o melhor é haver uma regulação central. Até porque, diz ele, ‘não pode haver diferentes noções de liberdade de expressão’.

Para Michener, ‘conselhos estatais são um perigo para a liberdade de imprensa, porque forças políticas locais conseguem exercer mais pressão. Mas um conselho federal também pode ser um risco à democracia’.

Segundo Michener, não se pode perder de vista que ‘o mercado faz o trabalho de regulação da mídia e que, por causa disso, a imprensa sempre acaba buscando maneiras de se autorregular’. (Uirá Machado)

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Relatório da ANJ condena casos de censura prévia

Reproduzido da Folha de S.Paulo, 25/10/2010

O Comitê de Liberdade de Expressão da ANJ (Associação Nacional de Jornais) contabilizou 70 eventos entre 1º de agosto de 2008 e 27 de setembro deste ano.

Durante o mês de outubro, porém, houve pelo menos um caso de morte de jornalista em decorrência do exercício da profissão, no Rio Grande do Norte, além da criação do conselho de comunicação social no Ceará.

O relatório da ANJ, atualizado até o final de setembro, considerava ‘aspecto preocupante’ a quantidade de eventos gerados a partir de iniciativas do Poder Judiciário. Dos 70 eventos registrados, 26 corresponderam a decisões judiciais.

De acordo com o relatório da ANJ, trata-se de ‘motivo de especial alarme que, entre tais eventos, se observe um aumento de decisões judiciais proibindo jornais de publicar reportagens sobre determinados temas ou com certo tipo de conteúdo, em período eleitoral ou não’.

Para a ANJ, a multiplicação de casos de censura prévia por ordem judicial’ é ‘flagrante desrespeito pelo espírito e letra da Constituição’.