Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Dá pena e dó ouvir rádio



‘Quando eu compus, fiz ouro de tolo. Uns imbecis me chamaram de profeta do apocalipse… Mas eles ‘só vão entender o que eu falei no esperado dia do eclipse’ (Raul Seixas)


Essa discussão é inócua visto que aos proprietários de rádio (donos ou concessionários) o que importa é a fatura no final do mês e os que pagam o horário podem dizer e fazer o que querem no meio rádio. As audições de programas no rádio estão simplesmente sofríveis, do ponto de vista das mensagens e do respeito ao usuário do rádio. Nesta semana, estive ouvindo um programa reservado a torcidas de times de futebol e vi de forma acintosa um locutor profissional discutir veementemente com um dirigente de clube e talvez não foram às vias de fato porque se falavam por telefone. Tal fato nos leva a imaginar o tempo que o rádio tem na nossa vida e qual é o papel deste meio de comunicação e a forma como sua função vem sendo desvirtuada pelos que são donos de horário de programas.


O que fazer se não há espaços para se dizer nada, pois quem diz pode até ser proibido de falar nos programas das emissoras? O rádio se encaixa bem no velho ditado que diz que manda quem pode e obedece quem tem juízo. Outro dia tive a infeliz experiência de ver um programa de rádio exaltando os ‘malas’ de rádio e alguns ouvintes pedindo para ser incluídos em um tal ‘clube dos malas’… Isso é rádio? Qual o verdadeiro sentido de um programação de rádio?


Nada a ver com o rádio


Claro que o rádio tem coisas boas, mas grande parte de alguns programas exagera na pornofonia e no uso de gracejos e brincadeiras sem sentido algum. Não adianta reclamar, pois para muitos programadores o que interessa é a tal audiência e o número de propagandas nos programas que certamente gerarão muitos lucros ao dono da empresa, que em geral não tem preocupação alguma com a mensagem da emissora, e sim, com o balancete do final do mês. O rádio tem se tornado um espetáculo de anomalias que nada tem a ver com a comunicação e tem trazido mensagens de violência, agressões, palavrões indevidos e acusações sem prova que acabam desvirtuando seu papel e sua importância. O grande dilema é que de nada adianta falar, pois os tais fiscalizadores não cumprem seu papel nem se importam com o que se passa na comunicação radiofônica. O rádio precisa, sim, mudar, mas poucos querem esta mudança, pois é mais cômodo deixar do jeito que está e a situação em que o rádio está garante lucros políticos e econômicos de muitos.


Rádio é cidadania, rádio é informação, rádio é participação, porém poucos se dão conta destas qualidades deste meio e acabam deixando que suas mensagens acabem sendo instrumentos de geração de ideias que nada têm a ver com o papel do rádio, que foi sempre diferente do que vem acontecendo neste momento. Não vemos mudanças pois os próprios ouvintes pedem que algumas situações desagradáveis aconteçam no mundo do rádio, como mencionamos no exemplo do tal ‘clube dos malas’.


O tilintar das moedas


A situação do nosso rádio é triste no sentido em que as nulidades e as mensagens indevidas proliferam e fazem sucesso. A postura dos ouvintes tem de mudar no sentido de se organizar na busca pela ética no meio rádio e varrer das programações os espetáculos de obscenidades e até de incitação à violência, tão comuns em alguns programas. Rádio não deve ser instrumento de poder, de tirania e de trampolim político. Seu papel vai mais além e tem de ser urgentemente voltado para a cidadania participativa e para a geração de um mundo melhor para todos.


Nosso rádio tem dado dó e pena simplesmente porque não acata a crítica nem muda posturas e situações que têm afastado muitos do prazer de ouvir e da certeza da comunicação que deveria ser altiva, verdadeira e séria em todos os sentidos. Não adianta falar, pois eles estão surdos pelo tilintar das moedas e pelos acordes do poder. Felizmente ainda podemos gritar e, pelo menos por simples terapia ocupacional, escrever sobre a crise do rádio deixando para prosperidade uma simples ação que certamente poderá um dia ser ouvida e/ou acatada.

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Vice-presidente da Associação dos Ouvintes de Rádio do Ceará, Fortaleza, CE