Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Devolvam nosso rádio

O recente episódio de arrendamento da Rádio Dragão do Mar, de Fortaleza, pelo grupo religioso Shalom, nos conduz a uma reflexão que precisa ser feita no momento em que se sabe que rádio é uma concessão pública, porém nada do que é preconizado na lei é posto em prática; no momento em que o direito à comunicação é vilipendiado em nome dos interesses políticos, econômicos e até religiosos. Os grupos religiosos se acham hoje no direito de se apropriar dos meios de comunicação e privar o povo de uma programação plural que fale todas as línguas e valorize a cultura e o direito à informação que os cidadãos merecem.

Não entendemos também a passividade dos sindicatos representativos dos trabalhadores em comunicação e dos representantes da Lei (Ministério Público, Anatel, Embratel e outros) que deixam que nossos meios de comunicação sejam barganhados, vendidos ou trocados sem nenhuma satisfação à sociedade ou respeito a seus usuários, que perdem o direito de opção e de dizer o que querem do rádio. Não se trata aqui de ser contra esta ou aquela religião, mas não podemos aceitar que nosso rádio ou nossa televisão sejam transformados em altares eletrônicos privando nossa população de outras vertentes do processo comunicativo.

O grande problema da questão em discussão é que estas negociações geralmente não têm nenhum tipo de fiscalização nem participação dos órgãos que regulam as comunicações e tudo é feito ao bel-prazer dos negociadores sem respeito à lei nem aos ditames de uma visão de comunicação como concessão pública. Neste momento, o que se questiona é antes de tudo a necessidade de gerar um processo de respeito às leis e promover a comunicação como um direito do cidadão.

Ação vil e sorrateira

As reações a esse processo foram grandes por parte dos ouvintes, que não aceitaram uma transação feita à calada da noite e sequer comunicada aos usuários da comunicação, que são consumidores e merecem respeito. O grande problema é que essa classe não é ouvida, respeitada ou aceita como consumidor – tem apenas de se render às mudanças e aceitá-las de forma passiva e conformada.

A invasão das rádios pelos grupos religiosos é muito grave e deve ser questionada, pois não podemos aceitar que estes grupos ditem a programação transformando-a em palanques religiosos que divulgam apenas os interesses dos dogmas e dão uma singularidade antidemocrática aos meios comunicativos. Por outro lado, quem financia estas aquisições são os fiéis que são tragados pela lavagem cerebral dos templos religiosos. A religião é para os templos, e não para o rádio, que tem de ter uma programação plural e diversificada falando todas as línguas e costumes.

No processo em questão, vários profissionais perderam seu local de trabalho sem nenhuma satisfação ou respeito, contratos foram desfeitos e rasgados de forma vil e sorrateira, promovendo uma ação contrária ao que dizem os dogmas que pregam a solidariedade, o respeito e a dignidade.

Barganhas e negociatas

Não podemos aceitar que o rádio se transforme em instrumento de controle religioso que impõe aos indivíduos uma religião em detrimento das demais. O que foi feito no período da inquisição hoje é promovido pela comunicação, que é utilizada como instrumento de convencimento, controle e divulgação de uma única religião em detrimento do pluralismo de nosso povo.

Vale ressaltar também que o assunto em questão não teve a repercussão que merece na mídia, pois parece que querem sempre varrer a poeira para debaixo do tapete deixando que o rádio morra e ceda lugar aos interesses que certamente não são de seus usuários. É preciso que nossa sociedade seja respeitada e que a comunicação seja realmente democrática para o bem de todos e para a construção de um mundo melhor.

A democratização das comunicações passa também por uma nova forma de entendê-la na qual o direito de ouvir seja respeitado e as programações de rádio sejam adequadas aos interesses de seus usuários (os ouvintes) que são desrespeitados nas mudanças de programação sem comunicação prévia ou mesmo o direito de opinar sobre o que vem sendo feito no rádio.

O processo de concessão de rádio precisa ser debatido, questionado e revisto para evitar que grupos políticos e familiares detenham este poder e façam o que querem com tais concessões transformando o rádio em instrumento de barganhas, negociatas e transações que não respeitam seus profissionais, seus ouvintes e a sociedade em geral.

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Vice-presidente da Associação de Ouvintes de Rádio do Ceará, Fortaleza, CE