Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Diretor critica gestão e é demitido


Daniel Castro


Reproduzido da Folha de S.Paulo, 28/4/2009, ‘Diretor critica `má gestão´ da TV Brasil e é demitido’


O cineasta Leopoldo Nunes diz que foi demitido na última sexta (24/4) do cargo de diretor de programação e conteúdo da TV Brasil – a TV pública criada pelo presidente Lula em 2007 – após a publicação de uma entrevista em que ele fez sérias críticas à gestão da emissora.


Na entrevista ao site da revista Fórum [ver abaixo], Nunes acusou a presidente da TV Brasil, Tereza Cruvinel, de conduzir uma gestão ‘ineficiente’ e autoritária. À Folha, Nunes afirmou que Cruvinel, para boicotá-lo, devolveu aos cofres da União, em 2008, R$ 18 milhões, dinheiro que ele queria usar em programação. Cruvinel, diz Nunes, não conseguiu usar todo o orçamento (R$ 340 milhões).


Nunes afirma também que Cruvinel ‘rasgou’ R$ 100 milhões em recursos que viriam de editais da Ancine (Agência Nacional do Cinema) e do Ministério da Cultura. ‘Ela criou tantos problemas que esse dinheiro foi devolvido’, acusa.


Nunes é o terceiro diretor a deixar a TV Brasil. Antes, saíram Orlando Senna e Mário Borgneth. Em comum, eles têm visão de TV pública alinhada com a de Gilberto Gil. Bateram de frente com a visão de Cruvinel e Franklin Martins (Comunicação Social), que seria, diz Nunes, ‘comercial’.


‘[Cruvinel] É uma pessoa extremamente difícil, sem qualquer compromisso com o projeto [de TV pública]. Ela não entende de conteúdo’, disse Nunes à Folha.


A assessoria de Cruvinel nega que Nunes tenha sido demitido por causa da entrevista. Afirma em nota que o diretor foi comunicado de sua demissão em 13 de abril.


A assessoria sustenta que a emissora ‘executou praticamente 100%’ do orçamento. ‘Mais importante do que gastar tudo é gastar com qualidade e corretamente’, diz a nota.


Afirma também que é ‘falacioso e desonesto’ dizer que a TV Brasil deixou de usar R$ 100 milhões em editais, porque parte desse dinheiro seria descontada do orçamento e a outra parte não foi captada por ‘falta de base legal’. Por fim, diz que ‘boas práticas de gestão não podem ser confundidas com autoritarismo’.


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Renato Rovai


Reproduzido da revista Fórum , 24/4/2009, ‘Diretor da TV Brasil teme pelo projeto e diz que Cruvinel é má gestora’


Leopoldo Nunes, diretor de Conteúdo e Programação da TV Brasil, faz duras críticas à presidente do canal e alega que falta a ela ‘comprometimento’ e competência.


O senhor avalia que a TV Brasil tem desempenhado o papel para a qual ela foi criada?


Leopoldo Nunes – Acho que de alguma forma sim. O mais positivo de tudo é em relação à produção nacional de audiovisual. Porque a mídia comercial e a televisão aberta sempre estiveram alijadas de todo o processo de produção audiovisual brasileira. A TV aberta no Brasil se constitui como uma TV de qualidade basicamente nos anos 1960 com a TV Globo, que numa aliança com a ditadura militar e num acordo com o grupo Time Life cria uma grande empresa de comunicação. Foi ali que se criou uma referência, um padrão de televisão brasileira. Tudo o que se faz em televisão brasileira hoje é derivado ou imitação daquilo que foi a Rede Globo, principalmente no modelo de negócio. Por exemplo, o cinema brasileiro foi substituído pela teledramaturgia. A teledramaturgia é uma produção de baixíssima qualidade, mas de grande interesse popular. Vende xampu, exporta seus produtos para o mundo. As pessoas ouvem como se fosse rádio, ela vem da matriz cubana da radio novela. Mas mesmo assim é uma coisa de qualidade.


No jornalismo é a mesma coisa. Tivemos experiências como o Última Hora, mas de qualquer forma a matriz é a mesma. É o padrão Rede Globo. Então, quando se cria a TV Brasil, vê-se a aspiração da criação de um modelo de negócio e de um modelo de produção de conteúdo para compor essa televisão. Por exemplo, em relação à programação infantil. Nós temos uma animação no Brasil de altíssima qualidade. Por exemplo, 20% do (filme) Asterix foi feito em Águas de Lindóia, o diretor de A Era do Gelo é brasileiro, exportamos mão-de-obra da mais alta qualidade para fazer isso. No entanto, a televisão brasileira nunca absorveu a animação brasileira.


Quer outro exemplo? O Maurício de Souza tem uma das maiores famílias de personagens de animação do mundo. E comparado com a Walt Disney seus personagens são mais politicamente corretos. Os árabes usam, os chineses usam, enquanto não usam [os desenhos da] Disney. E aqui no Brasil ele é pouco usado. A verdade é que a TV brasileira está de costas para o Brasil. Bem, acontece que a Constituição brasileira prevê nos seus artigos 221, 222 e 223, o princípio da complementaridade entre o público, o privado e o estatal.


O privado, quer nós gostemos ou não, é o modelo que deu certo; o estatal passou a existir com a Lei do Cabo em 1995, com as TVs Assembléias, das Câmaras Federal e Municipal e do Senado. Já o (modelo) público surge com a criação da EBC. A lei que cria a EBC cria o termo público, porque até então era educativo. Todas as TVs eram educativas. Dentre as educativas, nós temos 26 emissoras e 19 modelos jurídicos diferentes. Desses 19 modelos, temos um que é exemplar, que é o da Fundação Padre Anchieta de São Paulo. Sai governo, entra governo, a TV Cultura de São Paulo está aí. Ela tem um conceito forte, uma diretoria executiva, é ligada ao governo do Estado, tem uma produção de qualidade e exerce bem sua função. É a mais sólida de todas as emissoras que a gente e que inclusive ajudou e muito a criar a TV Brasil. Foi um dos berços que clamava por uma TV pública.


Por isso, quando nasce a TV Brasil, ela vem com toda uma esperança de se colocar no ar uma nova programação. Por exemplo, as pessoas não conhecem a África? Então eu abri uma janela de produção africana chamada DOC África, que agora vai passar a se chamar Mama África. Toda semana passa um documentário africano. Na semana retrasada, por acaso, entre os 10 programas de maior audiência da casa havia um filme africano. O mesmo que acontece em relação à África, também se dá com a América Latina, ninguém conhece. Por exemplo, você sabia que existe uma cidade andina na Colômbia que respeita as leis incas e tem curso de Direito, uma universidade de 600 anos e que responde a leis incas? Pois então, criamos o Tal Como Somos que apresenta documentários latino-americanos. Além disso, temos uma série de programas com o Ministério da Cultura.


É este o modelo sistêmico que nós criamos na Secretaria do Audiovisual voltado para a TV pública. Além disso, temos uma série de programas voltados para a cidadania, desde questões de idade, de gênero, de trânsito, de educação básica… Mas há outras coisas. Por exemplo, nós temos 180 línguas indígenas no Brasil. Nós temos uma diversidade lingüística maior do que a China, maior do que a Índia, e não reconhecemos. Nós somos brancos ocidentais. Índio, para a gente, é motivo para abate, porque ocupa uma área muito grande onde é possível produzir ‘x’ sacas de arroz, como no caso da Raposa Serra do Sol. Hoje, a TV Brasil apresenta curtas-metragens indígenas. Por fim, sempre entendemos que o público brasileiro gostava de cinema brasileiro. E a TV Brasil está provando que gosta. Das 10 maiores audiências da TV, semanalmente medida, quatro são de cinema brasileiro. O povo ama cinema brasileiro.


Considera que a TV Brasil está fazendo um caminho de construir esse padrão público a partir dessas iniciativas? Ou eles ainda são incipientes e demandariam um investimento maior?


L.N. – Certamente já são caminhos irreversíveis. Nas audiências da semana retrasada, duas delas são de América Latina, uma de África, uma de DOC TV, quatro de cinema brasileiro. Isso está sendo medido através do Ibope e demonstra que estamos no caminho certo. Quero ver a TV pública brasileira deixar de exibir produção indígena sem revelar os povos indígenas. Quero ver a TV pública sobreviver sem exibir um documentário ou um filme de ficção africano por semana. Isso é irreversível. Outra coisa irreversível é a produção independente. Ela tem muito mais qualidade técnica, humana e tecnológica do que se pode vir a ter na estrutura da TV pública ou mesmo da TV comercial. Porque a TV é um conglomerado de ‘x’ mil funcionários, equipamentos de 5ª, 6ª geração e tal. Eu contrato uma boa produção, exerço meu poder de programação e meu poder editorial e exijo qualidade e preço. No mundo todo é assim. As TVs a cabo no Brasil trabalham com 26 funcionários, incluindo estagiários.


Existe uma disputa dentro da TV que a gente que está de fora não consegue entender direito? Aliás, isso até foi matéria na CartaCapital, os cineastas versus os jornalistas…


L.N. – Existem disputas e existem falsas disputas. Por exemplo, a disputa que foi colocada na CartaCapital, jornalistas versus cineastas, é uma falsa disputa. Agora, uma disputa real, que existe, é o fato de nós termos um projeto que foi gestado há muitas mãos durante décadas, que a gente acredita que são valores brasileiros da diversidade cultural – nós assinamos e lideramos a Convenção da Diversidade Cultural –, a riqueza e a qualidade da produção independente, da informação, isso tudo é o projeto original, porque esse projeto está escrito nos cadernos do Fórum da TV pública, e na Carta de Brasília. Esse documento é fundante da esperança, porque nós conseguimos fazer um pacto. Nós juntamos sindicatos de jornalistas e outros, o FNDC, as associações de produtores independentes, governo, órgãos de controle e fizemos um grande pacto. Ele foi traduzido em alguns documentos, o presidente Lula lançou esse programa. Mas existe conflito com outro programa que está sendo desenvolvido pelos remanescentes de outras emissoras de televisão que não tem qualquer compromisso com esse projeto a não ser dizer ‘eu ajudei na Constituição de 1988’. Ajudar, pode ter ajudado, mas nós também, não é verdade?


Então, coisas que nós criamos que estão consagradas hoje como valor da TV Brasil foram sendo apropriadas e tocadas por pessoas sem o menor compromisso e sem a menor referência com esse movimento de criação da TV.


Poderia nomear as pessoas?


L.N. – Não, não dá. Acho que tem coisas como, por exemplo, o Conselho Curador. Qual é o papel do Conselho Curador?


Esse Conselho Curador deveria ter sido eleito, não acha?


L.N. – Eu acho. Sou um homem de governo e, acima de tudo, alguém que representa um setor, um campo da cultura. Tenho uma vida muito mais identificada a minha luta setorial no âmbito da cultura e do audiovisual do que a um projeto político partidário, apesar das relações políticas que tenho e que, aliás, tenho orgulho de tê-las. Mas preciso dizer que não estou na TV Pública para servir apenas um governo. Estou trabalhando para um projeto duradouro, para um projeto de Estado. Por isso, não tenho o direito de não ser franco com você a quem conheço de muito tempo e dessas tantas lutas pela democratização das comunicações, discordo inteiramente da forma como foi constituído esse conselho e da forma como ele vem se desmilinguindo. O Conselho hoje mal se reúne…


Como assim?


L.N. – Vários conselheiros pediram demissão, vários são demissionários, o presidente (Luiz Gonzaga Belluzzo) não vai, até porque ele hoje é presidente do Palmeiras. Sinceramente esse conselho deveria convocar uma audiência pública, com as entidades interessadas e legítimas que compõem todo esse rol entre o conteúdo e a comunicação, para discutir o seu papel e os próprios rumos da TV. Hoje uns poucos tem decidido tudo e, infelizmente, mesmo eu que sou diretor muitas vezes não sou convidado a participar dessas decisões.


Isso que você está dizendo é muito grave. Você está me falando que há uma relação autoritária na TV até nos espaços de diretoria?


L.N. – Sim, de certa forma é isso que você entendeu. Não há relação horizontal na TV. Hoje a relação lá é completamente vertical. Quem manda na TV é o Conselho de Administração e o ministro Franklin Martins. Depois que o Orlando Senna, que é uma figura pública reconhecida, e o Mario Borgneth saíram quem assumiu a diretor-geral é uma pessoa completamente sem qualificações para o cargo. Renato, não tenho coragem de dizer outra coisa para você. O Paulo Rufino, responsável pela diretoria-geral, é alguém cujo trabalho, por exemplo, absolutamente desconheço. Não posso dizer o mesmo da diretora de Jornalismo, a Helena Chagas, com quem eu tenho uma excelente relação.


E a presidente, a Tereza Cruvinel?


L.N. – A Tereza Cruvinel não é uma pessoa aética, longe disso, mas como te disse que seria franco nesta entrevista preciso dizer que desconheço qualquer experiência dela em gestão pública. E acho que tem feito uma falta danada a ela. A EBC é uma empresa muito completa e acho que lhe falta experiência para tocá-la. Eu torço muito para que tudo dê certo, porque o ano que vem é um ano eleitoral, nós vamos seguir a partir de 1º de junho uma legislação específica, ou seja, nós temos três meses para fazer todas as coisas e, dentre as nossas atribuições, está a constituição de uma rede nacional.


A crítica que você faz à Tereza é bastante específica. Você disse que o problema é que ela não tem experiência de gestão. Esse poderia ser um dos motivos que está levando ao atraso da constituição da Rede Pública?


L.N. – Sem dúvida nenhuma. Por exemplo, ela devolveu R$ 18 mi aos cofres públicos no ano passado.


Como assim… isso não foi divulgado?


L.N. – Não. A sua categoria (jornalistas) é muito corporativa. Não foi divulgado. Mas 18 milhões viraram pó, superávit primário.


Qual o orçamento da TV, o que isso representaria?


L.N. – Foi em torno de R$ 300 milhões em 2008.


Mas, por exemplo, qual era o custo da produção de rede, no ano passado?


L.N. – Era de R$ 12 milhões. Com R$ 12 milhões, eu teria produzido em todas as regiões do Brasil programação infantil, programação científica, história dos rios brasileiros, estradas brasileiras, estradas de tropeiro, turismo, tudo. Poderia ter sido feito no ano passado e estaria estreando agora em março ou abril. Com R$ 6 mi que sobrariam poderia ter sido feito, por exemplo, reformulação dos programas da casa que são importantes, reconhecidos, de grande valor público cultural e informativo. Outra coisa grave, em termos de gestão: foi aprovado em agosto de 2007 o Plano de Cargos e Carreiras, porque nos temos três anos para promover concursos internos, aprovado pelo DEST, que é o departamento de estatais. Aí a presidente resolveu interferir na negociação, e para o azar dela e nosso, veio a crise internacional. A não ser que seja uma benevolência muito grande do presidente Lula, tudo indica que não teremos o concurso neste ano. Ou seja, perdemos outra oportunidade.


Pelo tom da sua entrevista, você parece estar muito decepcionado, você pretende ficar na TV Brasil ou está de saída?


L.N. – Eu não só pretendo ficar, como sou uma referência no setor audiovisual, dos longas-metragistas, dos curtas-metragistas, dos animadores, dos documentaristas. É uma responsabilidade minha ficar e fazer o debate. E ajudar a construir a TV Pública que nós sonhamos, que nos lutamos para criar. O que acontece é que a gente vê o tempo passando e algumas pessoas se aproximando da TV sempre como salvadores da pátria, mas são pessoas que nunca participaram desse tipo de discussão. O trabalho que nós fizemos está todo aí feito, colocado, reconhecido. Agora, tem gente que porque trabalhou na televisão comercial fazendo programas como Sex Shop em Shoptime se acha no direito de dizer que sabe mais.


Isso é uma metáfora ou você está dizendo algo que de fato existe?


L.N. – Não é metáfora não. Tem gente lá assim. Claro que não é uma pessoa que participou do debate da TV pública como você participou. Não é uma pessoa que tem alguma história pela democratização dos meios de comunicação como eu e você temos. E tampouco quer dizer que você seja o máximo ou que eu seja o máximo. Mas há pessoas que não têm a menor referência, aí eu vejo um risco enorme de a TV se perder.


O que estou entendendo é que há um grupo que não tem compromisso público e que está se tornando majoritário na TV Brasil, é isso?


L.N. – Talvez fosse melhor dizer que quando você entra em uma época de crise, aparecem dois tipos de pessoas: os oportunistas e os puxa-sacos. Isso é muito comum e está acontecendo agora na TV Brasil. E me preocupa muito, porque este movimento é histórico da sociedade brasileira, e eu não o vejo sendo conduzido com a responsabilidade que ele merece. E mais: vejo a preocupação de muita gente na Esplanada, nas bancadas parlamentares do setor progressista, nos movimentos sociais, nas áreas setoriais e organizadas em relação a isso. E por isso decidi que é hora de tornar esse debate público. E escolhi fazer isso para você porque sei dos seus compromissos. E sei que você não vai transformar isso num ataque ao projeto, mas num debate sobre ele. Tenho um nome, uma história e por isso me cabe colocar esse debate de forma legítima. E coloquei isso internamente antes de ter ligar dizendo que aceitaria te dar essa entrevista que na verdade você já havia me solicitado no final do ano passado.


E como está sendo realizado esse debate internamente?


L.N. – A presidente não gostou. Ela sugeriu que eu peça uma licença, que eu me afaste um tempo. Ela me chamou e disse isso, o que te parece? A coisa está ficando grave. O projeto democrático de comunicação e de conteúdo está perdendo a luta interna. Uma luta, aliás, que não deveria existir. Por exemplo, no ano passado por decisões equivocadas da presidência rasgamos R$ 100 milhões em editais. Havia a possibilidade de se conseguir para a produção independente R$ 60 milhões de um programa chamado PEF (Programa Especial de Fomento) em parceira coma a Ancine (Agência Nacional de Cinema) e R$ 40 milhões que o Ministério da Cultura preparou para a TV pública, chamado ‘Mais Cultura’, que era destinado ao Audiovisual. Criaram tantas dificuldades que esse dinheiro não veio. Ou seja, rasgamos R$100 milhões. Isso poderia ter significado uma revolução na produção audiovisual brasileira. Literalmente uma revolução. Mas ao contrário, travou-se uma disputa de poder interno, onde rolou a cabeça do Orlando Senna e do Mário Borgneth.


O Orlando saiu por causa dessa disputa?


L.N. – Sim.


E na época você decidiu ficar…


L.N. – Para conduzir o projeto até o outro lado da margem.


Pelo que estou entendendo a Tereza Cruvinel está pedindo que você saia…


L.N. – Ela quer hegemonia. Ela quer fazer a TV dela, não a pública. Infelizmente do jeito que está o projeto da TV pública não sai. O que vai ficar aí vai ser um pastiche. Agora, é preciso dizer também que hoje a TV pública tem uma equipe fabulosa. Eu, aliás, trabalhei como um louco para construir essa equipe. E tirando o jornalismo, tudo que está na TV foi essa equipe que fez. Agora, o presidente Lula não sabe disso. Na verdade, quem entendia e defendia no governo uma TV realmente pública era o Gilberto Gil. Porque quem fez o Fórum de TVs Públicas foi ele. Quem quis peitar a Ancinave (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual) foi o Gil. Quem quis peitar a Lei Geral de Comunicação de Massa foi Gil. Quem deveria tocar a TV Brasil era o Gil. Eu acho que se isso tivesse ocorrido ele teria ficado no governo. E hoje teríamos caminhado muito mais, teríamos um projeto a essa altura muito melhor, de altíssima qualidade.


Você saiu da Ancine com mandato para ir pra TV pública, hoje você considera que errou?


L.N. – Abri mão de um mandato eleito pelo Senado em comissão e em plenário. Meu mandato iria até dezembro de 2010. Mas de forma nenhuma me arrependo de ter tomado essa decisão. Eu contribuí demais com a TV Pública e quero continuar contribuindo.


Não vou tirar a licença sugerida, minha intenção é continuar na TV e com esse debate público redirecionar seus rumos. Agora, se a presidente quiser me demitir ela pode fazê-lo. Mas não deixarei de fazer o debate por conta disso. Já disseram antes, né? Mas não custa repetir. Sou o mesmo no planalto e na planície. Eu precisava tornar público esse debate. E espero que a presidente da TV tenha tranqüilidade para realizá-lo. Não podemos nos amesquinhar, o que estamos construindo é muito maior. É algo que não pode ficar restrito a fulanizações, a disputas de poder.


Mas pelo jeito há uma grande diferença de projetos, é possível trabalhar juntos?


L.N. – Sim, com republicanismo e legalidade. Em lei, há marco legal, que define competências. República é um pacto.


Sinceramente, Leopoldo, qual o seu objetivo ao trazer esse debate a público neste momento?


L.N. – Nós estamos no mês quatro de 2009 e pela lei só temos até junho de 2010 para tocar as coisas. Depois termina o mandato do presidente Lula. E em TV é tudo demorado, não dá pra decidir hoje e fazer amanhã. O que eu quero com essa entrevista é chamar a atenção das pessoas que são co-responsáveis pela criação desse projeto, um projeto que não tem dono, um projeto público, para os riscos que ele está correndo. Nós temos algumas agendas importantes nesse ano, vai ter uma Conferência Nacional de Comunicação, nós temos conferência da CUT, uma série de preparatórias e acho que a TV pública deve ser o centro de tudo. Eu quero chamar a atenção do movimento social para lutar pela TV Pública, pelo projeto original dela.


Ou seja, na tua opinião esse projeto de TV pública está sob alto risco?


L.N. – Acho que sim. Se um outro setor político vier a ganhar a próxima eleição ele fecha a TV pública com certa tranqüilidade. A atual direção não está conseguindo consolidá-la por uma certa incompetência na gestão. E não estou dizendo que é fácil. Não é. Mas poderíamos estar num outro patamar.


Mas sinceramente, não me parece que basta apenas trocar a condução.


L.N. – Não, você tem razão. É preciso discutir e gerar um novo modelo de negócio. Esse modelo tem que distribuir recursos para a sociedade. E a sociedade precisa em contrapartida produzir com qualidade. Sem demanda interna, você não faz economia. E para que isso se implemente o Conselho é fundamental. Esse Conselho foi feita de uma forma muito esquisita. Por isso, está esvaziado e não tem poder. Por isso, acho que entidades como o Sindicato dos Jornalistas e o FNDC deveriam ir pra cima, exigindo uma audiência pública para que se institua o controle social devido na TV Pública. Esse projeto não é de um governo, não é de um grupo, esse projeto é da sociedade. Então ele tem que ser para todos.


Vou insistir, esse não é uma entrevista de quem está se despedindo do projeto. Você não sai da TV pública?


L.N. – Não saio. Só se me saírem (risos). Sou legítimo, sou orgânico, sou de governo, sou da base que deu origem a criação dessa TV. Não quero dizer com isso que quem vem de uma empresa ‘x’ ou ‘y’ também não mereça respeito. Claro que merece. Mas precisa respeitar os outros também. A respeitar as outras experiências e histórias.


O conflito é entre os oriundos da TV comercial e dos que tinham relação com o Ministério da Cultura?


L.N. – Não necessariamente. Eu e a Helena Chagas temos uma excelente relação. Ela foi gestora, ela tem experiência de gestão. E nós temos uma relação extremamente respeitosa.


E essa relação não existe com a Cruvinel?


L.N. – Sinceramente, de certa forma não. A Tereza vem trazendo, por exemplo, consultores e colocando-os acima dos diretores. Está dando a esses consultores poderes maiores do que aos diretores da EBC. Isso se deve a um erro de origem na constituição da empresa. O Brasil tem 117 empresas na União e a TV Brasil é a única onde um presidente da empresa pode nomear diretor, ou seja, onde isso não é atribuição do presidente da República. Tenho receio de que depois do presidente Lula ter tomado a iniciativa de bancar a criação dessa televisão e passar a sua constituição por medida provisória por diferença de apenas três votos no Senado ela venha a se tornar um mico. Porque ela já poderia estar numa velocidade muito maior. Nós poderíamos hoje estar assistindo uma TV pública de alta qualidade. E ainda não estamos.


Por quê?


L.N. – Ineficiência de gestão.


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Roberto Almeida


Reproduzido do Estado de S.Paulo, 28/4/2009, ‘TV Brasil demite diretor e abre nova polêmica’


O diretor de Programação e Conteúdo da TV Brasil, Leopoldo Nunes, foi demitido na sexta-feira [24/4] pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que gere a rede pública de televisão. O desligamento ocorreu no mesmo dia em que Nunes fez críticas ao desenvolvimento da TV Brasil e à presidente da EBC, Tereza Cruvinel. A empresa nega que o desligamento tenha relação com as declarações.


O ex-diretor destilou uma série de acusações em entrevista veiculada no site da revista Fórum. Nos trechos mais contundentes, ele ressaltou exemplos de ‘ineficiência de gestão’ da rede. Segundo Nunes, a TV Brasil ‘rasgou R$ 100 milhões em editais’ e devolveu R$ 18 milhões aos cofres públicos ‘que viraram superávit primário’.


O ex-diretor responsabilizou Tereza. Para ele, a presidente da EBC ‘não tem experiência em gestão’. ‘Ela quer fazer hegemonia. Ela quer fazer a TV dela, não a pública. Infelizmente, do jeito que está o projeto da TV pública, não sai’, atacou.


A EBC respondeu, por nota, que o ex-diretor foi demitido em 13 de abril, antes da publicação da entrevista. Segundo a empresa, Nunes recebeu um prazo de 15 dias para o desligamento. ‘Como este prazo expiraria nesta segunda-feira, 27 de abril, na sexta-feira, dia 24, a diretora-presidente pediu a seu chefe de gabinete que informasse Leopoldo que encaminharia ao Conselho de Administração, nos termos da Lei 11.652 e dos Estatutos da EBC, o pedido de sua destituição’, relatou.


A empresa classificou ainda como ‘falaciosa e desonesta’ a acusação de que teria ‘rasgado R$ 100 milhões em editais’. O dinheiro, de acordo com a EBC, era destinado a dois projetos ‘frustrados por razões legais’. Avisou que cumpre ‘ritos e leis, procedimentos e prazos e acolhe diretrizes estratégicas da empresa’.


Ao Estado, Nunes sustentou que foi demitido por causa de suas declarações e avisou que irá processar a EBC por calúnia. ‘Despachei atos administrativos até sexta-feira passada, estava em viagem de trabalho até ontem. Isso está me cheirando a maracutaia para justificar minha saída’, reagiu.


Sobre os R$ 100 milhões ‘rasgados’, afirmou que os contratos estão prontos para serem assinados desde o ano passado. ‘É má gestão e má vontade’, resumiu.


‘Engessamento’


Nunes é o terceiro diretor a deixar a EBC em menos de um ano. Em junho de 2008, o ex-diretor-geral da TV Brasil, Orlando Senna, e o ex-diretor de Rede e Relacionamento, Mário Borgneth, também saíram da rede pública. À época, Senna apontou ‘engessamento’ da administração da TV Brasil.