Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Discussão pública vital para a democracia

Foi no final da década de 1960, durante o regime militar, que se construiu a infra-estrutura necessária à transmissão simultânea em todo território nacional de sons e imagens. A partir daí, a televisão, junto com o rádio, os jornais e as revistas, formaram um sistema nacional de comunicação de massa. Dessa época até hoje o conjunto desses meios de comunicação – a mídia – foi se consolidando entre nós como instituição cada dia mais central no cotidiano do país. Não há como desconhecer hoje a enorme importância econômica, cultural e política da mídia.

A centralidade da mídia é um dado das sociedades contemporâneas. Não é, por óbvio, uma peculiaridade brasileira. Por ser, ao mesmo tempo, uma importante atividade econômica e a principal construtora das representações coletivas, a mídia se transformou ela mesma em ator poderoso e influente na formulação das políticas públicas, e não só do setor de comunicações.

Não há nada de novo nisso. O que há de novo é que nos últimos tempos – anos, meses, semanas – uma série de fatos vem fazendo com que a verdadeira dimensão da mídia como instituição na sociedade brasileira esteja se tornando cada vez mais objeto do conhecimento e da discussão públicas. E isso parece estar acontecendo à revelia da própria mídia que, ao longo das últimas décadas, sempre evitou discutir a si mesma (com umas poucas exceções).

É legal?

A cobertura que a mídia, no seu conjunto, vem oferecendo à população brasileira de alguns acontecimentos tem provocado – como ‘efeito colateral’ não desejado – a discussão da própria mídia. São vários os exemplos. Lembro três recentes.

** A maciça cobertura da não-renovação da concessão de uma emissora de TV na Venezuela, além de reforçar a imagem pública negativa de Hugo Chávez, certamente provocou também a curiosidade sobre o tema das concessões. Como funciona no Brasil? É igual na Venezuela? A radiodifusão é um serviço público como qualquer outro? As emissoras de televisão são concessões? Os grupos empresariais são proprietários das emissoras de rádio e de televisão? Quais os critérios para se obter uma concessão de rádio ou de TV? Por quanto tempo valem essas concessões? Quais os critérios para que sejam renovadas? Quem renova? Quando terminam as concessões das emissoras de rádio e televisão? Etc., etc., etc.

** A cobertura e até mesmo a campanha que alguns veículos fizeram contra a Portaria da Classificação Indicativa dos programas de televisão proposta pelo Ministério da Justiça, além de pressionar o governo a atender demandas dos radiodifusores, certamente provocou a curiosidade sobre o tema da classificação. Por que as emissoras de TV são contra a portaria elaborada pelo Ministério da Justiça? Classificar programas é censura? Como se faz em outros países? Por que é necessário classificar? Os pais têm controle sobre os programas a que os filhos assistem? Existem leis que determinam que os programas sejam classificados por horário? Etc., etc., etc.

** As denúncias de que o senador Renan Calheiros é sócio velado de empresas de rádio em Alagoas, além de ser mais um elemento para sua condenação no Conselho de Ética, certamente provocou a curiosidade sobre o tema do controle de concessões de radiodifusão por políticos no exercício de mandato eletivo. Políticos no exercício do mandato podem ser concessionários de radiodifusão? Existem outros senadores ou deputados que também são concessionários? Quais? De quais emissoras? Em que estados? Os senadores e os deputados votam as renovações de concessões? Os senadores que são concessionários votam nas sessões do Senado em que os pedidos de renovação de suas próprias emissoras estão sendo considerados? Isso é legal? Etc., etc., etc.

Efeito bem-vindo

O resultado de tudo isso é que a instituição mídia está sendo cada vez mais discutida pela sociedade brasileira. Se considerarmos, como disse Sydney Schanberg, que ‘a imprensa [mídia] pede transparência para governos, corporações e para todos. Mas (…) os repórteres rejeitam transparência para eles mesmos, e ainda dizem que estão praticando bom jornalismo’, nenhum ‘efeito colateral’ poderia ser mais bem-vindo do que este.

Discutir a mídia é bom para a democracia e, decerto, é bom também para a própria mídia.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007).