Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pensar a comunicação pública

O reconhecimento da comunicação como política pública, tema presente no debate que reúne democratização do setor e desafios da gestão participativa, ainda continua bem distante da realidade, na grande maioria das cidades brasileiras. A atuação dos jornalistas, vinculados ao Poder Executivo (municipal ou estadual), resume-se, em geral, à narrativa-espólio das principais obras e realizações de uma determinada administração. Um compromisso mais amplo, que pudesse contemplar a garantia à liberdade de expressão, entendendo a comunicação como um direito humano, não alcança a prática – ainda que esteja no campo das ideias ou dos discursos, e até no terreno jurídico, com a recém-implantada Lei do Acesso à Informação Pública. A informação, muitas vezes, torna-se moeda troca na busca por maior capital político nos momentos episódicos de participação, sobretudo durante as disputas eleitorais.

É inegável que o papel mobilizador do poder público pode adquirir outro patamar, quando se caminha rumo a uma comunicação plural, distante do terreno meramente administrativo e político-eleitoral (ainda que sem negligenciar o cumprimento formal da prestação de contas). É importante vislumbrar os diferentes potenciais de uma comunicação local, aberta a novos interlocutores e conteúdos, voltada prioritariamente para o diálogo, a prestação de serviços e a legitimação das identidades. Trata-se de uma possibilidade concreta de interação e de efetiva participação na vida pública, baseada em uma relação menos vertical entre representantes e representados políticos. A verdade é que ausência de interlocução amplia a fenda discursiva entre o poder público e os atores da sociedade civil. Em sentido amplo, cria um não-lugar midiático, por deixar de preencher, com assertivas e diferentes discursos, a formação da opinião e, em última instância, de fomentar a deliberação política.

O papel representado pela informação de interesse público transcende, portanto, a simples autopromoção com recursos do Estado – orientada pela informação positiva. É necessário enxergar a comunicação como política pública que, suplantando o unilateral relato de ações, é capaz de incorporar atores sociais ao campo, viabilizando o debate e, por consequência, a corresponsabilidade. Assim, a comunicação no interior de órgãos públicos (ou de decisão política) tem como meta buscar, como os jornais ditos “comerciais”, não só o relato indiscriminado de acontecimentos, mas também a possibilidade de antecipá-los e percebê-los.

O compromisso parte em tomar conhecimento e publicizar determinadas medidas políticas antes da sua efetivação. O impacto e alcance da possível decisão se deve fazer saber ao público. Fica, portanto, reservado o direito à ressignificação e à discussão da própria resolução, tendo-se um canal direto com o campo promotor das políticas a serem implementadas. É preciso vencer a lógica que leva à relação de “muita informação, pouco interesse”. Por exemplo, com a divulgação de serviços essenciais como vagas de emprego, campanhas de vacinação ou matrícula escolar. E incorporar novas fontes, as dos relatos reais de quem vive no lugar (pertencimento), identificando espaços de diálogo e processos comunicativos, inclusive o informal.

Comunicação pública e advocacy

Então cabe perguntar: As “fontes oficiais” do campo governamental aproximariam seus discursos do conclame à participação? Gestores de comunicação assumiriam a mediação desse processo? Ou o interesse público é missão para militantes? Respostas poderiam advir da incorporação do advocacy como estratégia para fortalecimento da comunicação pública. Distanciado do pressuposto de lobby, o advocacy é aqui entendido como ferramenta ou estratégia para sensibilizar gestores públicos e a sociedade civil em torno de temáticas de interesse social.

Reconhecido em ações coletivas, na promoção e preparação de públicos marginalizados para os espaços de interação, o advocacy apresenta-se como instrumento para conquista de apoio – ou aprofundamento de debates – na sociedade, pensando a adoção de políticas e até mudanças no âmbito jurídico, na consolidação de direitos. Aqui também pode estar o direito à comunicação. Sensibilizando-se secretários de comunicação ou de imprensa, no âmbito estadual ou municipal, e demais jornalistas que atuam em organizações públicas, é factível uma nova prática, baseada inclusive nas experiências já existentes no país. Alguns indicativos parecem úteis nesta reflexão com perspectiva de mudança:

>> Reconhecimento e retornoOs gestores do campo governamental devem saber reconhecer erros, bem como as motivações legítimas da sociedade no espaço midiático. O poder público precisa estar aberto à diversidade de públicos para entender o “outro” como instância de integração ao “nós” de uma comunidade. Daí a importância do controle social, da fiscalização sobre os serviços públicos, num relacionamento ancorado em pressupostos de transparência e accountability.

>> Planejamento e gestão– Definição de prioridades, objetivos e metas como norteadores de um plano de ação voltado à comunicação pública. Encontro com a sociedade, em espaços formais e informais. Com gestão e monitoramento das medidas em execução e a realizar, vislumbra-se, mais claramente, os compromissos assumidos pelo poder público, bem como fica assegurada maior transparência institucional.

>> Mobilização e participação – Construção de agenda cidadã, garantia de novas fontes e articulação de políticas com participação da sociedade, em instâncias de intervenção democrática como em conselhos, fóruns, plebiscitos. Inserir o campo comunicativo na agenda da cidade.

>> Informação e interesse público – Uma comunicação com ênfase nos serviços – atendimento médico, cursos de formação profissional, calendário escolar. Inclui campanhas com assuntos de relevância social (vacinação, combate ao trabalho infantil, coleta seletiva).

O esforço mais amplo dedicado à mobilização e à participação relaciona-se, assim, com esta comunicação que foca o interesse público. O processo tem por princípios a informação e a transparência, bases a partir das quais o cidadão pode intervir, deliberar e formar opinião. Diferentes pontos de vista e propósitos são assumidos como argumentos a discutir, ampliando a percepção de corresponsabilidade diante das decisões em uma democracia que só pode ser fortalecida por muitas “vozes”, jamais restritas a gabinetes ou redações oficiais.

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[Rafael Marroquim e Ricardo Mello são jornalistas, mestres em comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e consultores na área de comunicação pública]