Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Imobilismo do governo impede avanços

Se por um lado o movimento pelo direito à comunicação se fortaleceu em 2012, com o lançamento da campanha “Para expressar a liberdade”, a realização de encontros nacionais (como o I Encontro Nacional pelo Direito á Comunicação em Recife) e de atos públicos, por outro, deparou-se com a resistência do Governo Federal em enfrentar os interesses privados e fazer avanças as demandas sociais na área de comunicação. De acordo com João Brant, do Intervozes, “as promessas de lançamento de uma consulta pública sobre um novo marco regulatório das comunicações foram frustradas, o debate retrocedeu e o governo parece decidido a não tomar nenhuma atitude para fazer avançar este debate”. 

Na área específica de internet não tem sido diferente. Segundo Veridiana Alimonti, do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), “o ano de 2012 consolidou ainda mais a posição do governo contrária a uma alteração de regime na prestação da banda larga e demonstrou de forma contundente a inexistência de participação social estruturada na decisão das políticas”, ao contrário do que vem sendo reivindicado pela sociedade civil que cobra a exploração do serviço em regime público e democratização das decisões. Soma-se a isso o fato que “projetos deinclusão digital construídos em gestões anteriores, como os Telecentros.BR, vem sendo explicitamente deixadas de lado”, afirma Veridiana. 

Os comunicadores populares também sentiram em 2012 a intensificação da perseguição. Um dos principais obstáculos à liberdade de expressão das rádios comunitárias foi a implementação da Portaria n. 462 instituída pelo Ministério das Comunicações em 2011. Para Jerry de Oliveira, da Abraço-SP, em decorrência desse dispositivo, “no ano que passou, a Abraço precisou apresentar mais de 200 recursos às multas aplicada às emissoras de rádio comunitárias”, além de enfrentar a fiscalização da Anatel que tem tratado “as rádio comunitárias como gatinhos e se acovardado diante dos leões que são as grandes emissoras comerciais”. 

Os atores que têm se beneficiado das características comerciais, extremamente concentradas e excludentes das comunicações no Brasil se mostraram também em processo de intensa mobilização. Dois desses exemplos que marcaram 2012 foram a realização da 68ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) em São Paulo, em que se fez alarde sobre o que eles tentam pintar de “ameaças contra a liberdade de imprensa nas Américas”, e a condução de novos membros ao Conselho de Comunicação Social. Embora esta última seja uma reivindicação da sociedade civil por maior participação, esta se viu surpreendida por uma ação de parlamentares apoiados por grupos de pressão no Congresso que do dia para a noite empossaram os novos representantes sem o devido debate público que o órgão necessita para cumprir sua função democrática.

Os sucessivos adiamentos de votação no Congresso e as alterações feitas no texto proposto com ampla participação para um Marco Civil da Internet são mais um exemplo do poder de pressão do setor privado sobre os processos políticos no Brasil, inviabilizando a ampliação da democracia. A garantia da manutenção da neutralidade de rede e do direito ao livre compartilhamento de dados foram os principais alvos dos lobbies nesse setor. 

Uma crítica também importante feita em 2012 foi a que o relator especial da ONU para a liberdade de expressão, Frank de La Rue, dirigiu aos grupos comerciais que pressionam o Supremo Tribunal Federal para considerar inconstitucional a classificação indicativa na TV. “Não posso entender que em algum país uma Corte Suprema esteja disposta a prejudicar os direitos das crianças por conta de outros interesses”.

Entidades e militantes fazem balanço da comunicação em 2012

O ano de 2012 foi de expectativa e de muita ação para entidades e militantes que lutam pelo direito à comunicação, pela liberdade de expressão e pela democratização da comunicação. Na ausência de ações mais contundentes por parte do Governo Federal, os atores empenhados em modificar o modelo de comunicação vigente no país se articularam e fortaleceram laços para exigir a implementação de políticas que garanta a efetivação de direitos.

No dia 26 março, o Fórum Nacional pelo Direito à Comunicação (FNDC) cobrou do ministro das comunicações Paulo Bernardo: “quando sai a consulta pública sobre um novo marco regulatório para as comunicações?”. “No primeiro semestre”, respondeu ele. Em abril, mudou de ideia e informou que saía no segundo semestre. “Mas quando?”, insistiu-se. “O segundo semestre começa em 1º de julho e vai até 31 de dezembro”, respondeu o ministro.

A conversa acima resume, em alguma medida, a avaliação feita pelas entidades sobre os acontecimentos no setor de comunicação no ano que passou. De um lado, a cobrança e insistência cada vez mais incisiva dos movimentos sociais; de outro, as hesitações, as evasivas e o descaso (com certo desdém) do Governo Federal frente a essas demandas.

Entidades consideram que o ano de 2012 foi um ano bom para a mobilização e organização do setor. O destaque fica por conta do lançamento da campanha “Para expressar a liberdade ”, que tem se empenhado em pautar a discussão de um novo marco regulatório para as comunicações no país

Uma iniciativa fundamental de expressão e apoio à mobilização que vem se desenhando na sociedade civil tem sido a atuação da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito a Comunicação com Participação Popular (FRENTECOM). O grupo articula parlamentares de diversos partidos e organizações da sociedade civil para pautar no Congresso Nacional as demandas dos movimentos sociais sobre o tema da comunicação.

Por outro lado, algumas entidades avaliam que o quadro foi negativo no que diz respeito às ações do Governo Federal, que demonstrou bastante imobilismo, não avançando no sentido de cumprir as demandas da sociedade por avanços no modelo de comunicação vigente. As exceções são a entrada em vigor de partes importantes da Lei do Serviço de Acesso Condicionado (Lei 12.485/2011), que regula a TV por assinatura, e o início da exigência por parte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre as operadoras de telecomunicação para que cumpram padrões de qualidade nos serviços de banda larga fixa e móvel.

2012 teve avanços ainda que pontuais na comunicação

No balanço de 2012, alguns pontos positivos também são apresentados pelas entidades e militantes do movimento pelo direito à comunicação, embora seja criticada a sua fragmentação, sem uma visão que abarque o conjunto de iniciativas e o setor de comunicação como um todo.

Para Paula Martins, coordenadora da Artigo 19 no Brasil, um desses pontos diz respeito 2012 ao primeiro ano de vigência da nova Lei de Acesso a Informação (LAI). “A LAI não apenas facilita o exercício do direito à informação pelos cidadãos e cidadãs, mas também fornece um importantíssimo instrumento para o trabalho do movimento pela democratização das comunicações”, afirma. Com essa ferramenta, a sociedade pode exigir informações sobre problemas como concentração; celebração de contratos de gaveta e negociação das concessões como comércio privado; mudanças ilegais na localização de antenas; duplicidade de outorgas; concessões a políticos (inclusive membros das comissões que decidem sobre renovação desses direitos); e tratamento desigual e discriminatório conferido aos radiodifusores comunitários.

Veriana Alimonti, advogada do IDEC, aponta como iniciativas importantes no ano de 2012 “asuspensão da venda de chips das operadoras de celular, as medidas de transparência da Anatel, ou um final de ano com a Telebrás ativando a rede de banda larga na região Nordeste”, embora faça a ressalva de que tais iniciativas “não superam os pontos estruturantes que permanecem problemáticos”, como, por exemplo “os serviços [de telefonia e TV por assinatura] propriamente ditos, que aumentam o número de acessos, mas a qualidade fica bem aquém do que se promete”.

Para João Brant, do Intervozes, é possível acrescentar a essa lista de iniciativas positivas a entrada em vigor da Lei do Serviço de Acesso Condicionado (Lei n. 12.485/11), que regula a TV por assinatura, e os padrões de qualidade dos serviços de banda larga fixa e móvel. “Pela primeira vez, o Brasil implementa cotas de produção nacional e independente, seguindo o que afirma a Constituição; e os parâmetros de qualidade da internet significam que também pela primeira vez os usuários passam a ter alguns instrumentos em mão para enfrentar os absurdos das teles no setor”, afirma.

A ampliação da participação institucional da sociedade civil na discussão das políticas de comunicação foi conquistada em alguns locais do país, como na Bahia, em que o Conselho Estadual tomou posse no dia 10 de janeiro de 2012. Ainda que signifique um avanço, a viabilização desse instrumento ainda sofre com os percalços. Para Pedro Caribé, membro do conselho pela sociedade civil, “embora o sentimento ainda seja de frustração aos que dedicaram tantos anos para sua efetivação, a primeira gestão não terminou, e ainda há tempo de dar respostas efetivas à sociedade”. Segundo ele, há um sentimento por parte da maioria dos membros de que “o órgão sofre de um problema "vertebral": não tem metodologia e estrutura adequada, em especial no funcionamento das comissões”. 

A Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina conhecida por “Ley de Medios” que já foi aprovada há três anos tinha previsão de ser implementada em 2012, quando vencia a medida cautelar do Grupo Clarín que obstruía sua aplicação. Criou-se por causa dos avanços que estão contidos nessa legislação um sentimento positivo internacional em relação aos limites que podem vir a ser colocados à concentração de veículos de comunicação por grupos privados.

“A sociedade civil e o governo entendem que a lei amplia a liberdade de expressão e com isso a própria democracia ao distribuir as licenças antes exclusivas de canais com fins lucrativos em três partes iguais contemplando também canais sem fins lucrativos e públicos.”, relata Pedro Ekman, do Intervozes, que esteve na Argentina no dia 7 de dezembro (o famoso 7-D), quando estava previsto o vencimento da medida cautelar que, porém, foi prorrogada. “A recusa deste único grupo em cumprir uma determinação legal amplificou o debate em torno do impacto que a lei tem nas comunicações e na própria democracia daquele país. A sociedade como um todo passou a debater comunicação, a pauta ganhou as ruas e deixou de ser exclusiva de uns poucos especialistas”, completa.

***

[Bruno Marinoni, do Observatório do Direito à Comunicação]