Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Em primeiro lugar, o telespectador

Imagine que ela seja sua mãe. Dona Lourdes, 78 anos, andava pela casa de cabeça baixa e não era capaz de retribuir o sorriso da netinha de 2 anos. Até que ela decidiu responder às questões sobre depressão de um programa de auditório interativo. O teste indicou sinais da doença. No dia seguinte, ela foi vista na beira da praia, caminhando na companhia do neto de 11 anos. Tudo porque o especialista, presente no programa, falou que era bom tomar sol. Você não adoraria ver que sua mãe mudou?

Essa pequena história mostra como as pessoas podem interagir com a TV num futuro próximo. A cena foi gravada para o projeto Padrão em Usabilidade do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), sem deixar de lado a linguagem da TV que o povo conhece. No fim das gravações, a atriz de 78 anos perguntou, ansiosa: ‘Nossa! Quando é que isso vai funcionar!?’ Até agora, não consegui responder.

De um lado estão defensores de um padrão de TV digital que atenda aos interesses de uma minoria. Do outro, um público que precisa de informação para viver melhor, principalmente nas áreas de saúde e educação. Pense que a TV digital vai poder atingir 50 milhões de pessoas analfabetas ou que só conseguem escrever o próprio nome ou ler a placa do ônibus. E, ainda, aqueles 74 milhões de brasileiros que têm menos de 8 anos de estudo. Quer dizer, são 124 milhões de pessoas, das 180 milhões que existem no país, que estão à margem da sociedade. E é esse Brasil invisível que a TV digital pode alcançar.

Idéia simplista

No ano passado, eu e uma equipe de profissionais e estudantes entusiasmados desenvolvemos um programa de auditório no Núcleo de TV digital Interativa da Universidade Federal de Santa Catarina, só falando de saúde, com brincadeiras e testes interativos. Queríamos contribuir para a nova era da televisão, entretendo e ensinando ao mesmo tempo. Contrariando até mitos da televisão como Silvio Santos, que revelou à revista Veja, há cinco anos, que educação é tarefa do governo por meio da escola, não da televisão. Isso já foi verdade, mas o futuro aponta para um caminho diferente.

Visitei as principais instituições de pesquisa e ensino do país para produzir um vídeo institucional sobre o SBTVD. Vi de perto a extrema competência dos nossos centros de estudos em matéria de TV digital. E o que me entristece é ver que toda essa dedicação pode estar sendo jogada no lixo! Muitos políticos assistiram ao vídeo e fim de papo. Claro, talvez um ou outro amigo esteja em Brasília tentando empurrar alguns conceitos de tecnologia produzidos aqui. Mas duvido que a produção de conteúdo leve em conta o aprendizado do cidadão, no caso de um padrão internacional ser adotado.

Será que não é a hora de aproveitar esse conhecimento dos nossos pesquisadores e definir um plano de negócios que inclua o ensino para o povo e o lucro para os donos de emissoras? Parar com a idéia simplista de que o povo só quer ver isso que está aí e fazê-lo descobrir um mundo novo?! Será que não é a hora de dar o (primeiro) lugar que o telespectador merece?

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Jornalista, diretor de Produção de TV e Vídeo do Instituto Edumed para educação a distância, em Campinas (SP), ex-coordenador da Equipe de Linguagem e Apresentação do NTDI/UFSC