Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Escândalos políticos e liberdade de expressão

A imprensa erra? Sim. Acerta? Também. É parcial? Sim. Estimula o eleitor na hora de votar? Sim. Mas inventar os escândalos que tomaram conta do país nos últimos tempos, isso não. Já os políticos… Bem! Deputados e senadores não escondem a desfaçatez dos discursos nas tribunas da Câmara e do Senado para defender seus interesses, deixando de lado uma nação empobrecida e envergonhada. Corrupção, escândalos, desvios de conduta, gastos supérfluos do dinheiro público, partidos de aluguel e tantas outras práticas imorais, não os abalam. Eles não coram sequer quando aparecem na mídia como parte integrante desse teatro do absurdo. Afinal, para que envergonhar-se? O compadrio está aí mesmo para limpar a ‘honra’ de cada um na hora de dar satisfação à opinião pública.

O exemplo mais recente aconteceu no Senado, quarta-feira, 12 de setembro de 2007. Naquele dia, aconteceu ‘a triste história dos senadores invisíveis’, classificação dada pelo cientista político Fernando Abrucio (Época, ed. 487, 17/09/07, p. 62) aos senadores que, escondidos da vigilância popular, absolveram o presidente do Senado, senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Entre eles, alguns da oposição, PSDB e DEM, e mais a ‘bancada da abstenção’, capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores. Todos venderam suas consciências, sabe-se lá a que preço, fizeram ouvidos de mercador e enterraram de vez o que se imaginava de salutar na política brasileira: a ética do Senado.

Inutilidade do Congresso

Nem a resposta do Supremo Tribunal Federal (STF), 15 dias antes, àqueles que chafurdaram no lamaçal do mensalão, levou os senadores a pensar no povo brasileiro. Salvaram o mandato Renan, apesar das inúmeras denúncias feitas pela imprensa dos vários atos vergonhosos praticados pelo senador, bem como os protestos de milhares de pessoas país afora exigindo a sua cassação. Os amigos de Renan valeram-se de um trunfo que lhes foi dado de ‘mão beijada’ pelos deputados: a não votação em segundo turno do projeto que acaba o voto secreto – parado na Câmara desde 2006. Sobre o voto secreto, aliás, alguns senadores justificaram esse artifício porque assim se sentiriam protegidos do juízo de Renan (se votasse abertamente pela sua cassação) caso ele fosse absolvido. Quanta desfaçatez!

‘A absolvição do presidente do Senado é um espetáculo em que se mesclam, sem pretensão de hierarquisar (sic) os componentes, irresponsabilidade, arrogância, vulgaridade, amoralidade. Compacto, irremediável descaso com o país e a nação’ (CartaCapital, ed. 462, 8 a 14/ 09/07, p. 18). De fato, parece um esforço conjunto dos deputados e senadores para mostrar ao Brasil a total inutilidade do Congresso Nacional.

Nostalgia da ditadura?

Há quem veja nos escândalos uma maquinação da imprensa com o intuito de manchar o presidente Lula. Pode ser, mas duvido. A imprensa apenas faz o seu papel: transformar os fatos em notícia. Ela comete excessos? Comete, sim. Mas, daí a acreditar que a mídia inventou todos os escândalos que tomaram conta do país com o propósito de enfraquecer o governo, não acredito. ‘Mídia golpista’ e outras adjetivações, em minha opinião, são argumentos inconsistentes daqueles que se sentem prejudicados pelas publicações e, por isso, querem desmoralizá-la, silenciando-a. Espero que não consigam, pelo menos enquanto o Estado Democrático de Direito existir como estrutura jurídica e política no Brasil.

Se com a imprensa é ruim, sem ela é pior. Só quem viveu as cruezas do regime militar (1964-1985) sabe o que significa a falta de liberdade de expressão. Para quem não se lembra, o primeiro passo dos generais, quando depuseram João Goulart da Presidência da República, foi calar a imprensa (rádios, jornais, revistas e televisões). Com a mídia subjugada, noticiando somente o que fosse favorável ao regime, eles degradaram o orgulho nacional, torturaram, assassinaram, fecharam o Congresso, censuraram as produções artísticas e culturais, amordaçaram o Judiciário, cassaram direitos políticos, eliminaram uma geração de estadistas e facilitaram o surgimento dos negocistas – ainda hoje encastelados no poder. Há alguém com nostalgia desse período? Para trazê-lo de volta basta limitar o poder da imprensa. Sob censura, ela só publica o que interessa aos poderosos de plantão, e não revela para a sociedade o que se passa em seus confortáveis gabinetes.

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Jornalista, Salvador, BA