Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Fantasmas que assombram o debate

A proposta do governo de rever o marco legal das comunicações, tocada pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, nem foi formalmente divulgada mas já provoca arrepios em boa parte dos empresários de mídia e telecomunicações do país. Na quinta-feira (16/12), a Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) do Senado Federal promoveu um debate sobre o projeto governamental com a participação de representantes dos diversos segmentos afetados pela reforma. E, mesmo sob um aparente consenso de que uma modernização das leis é mais do que necessária, os ‘fantasmas’ que rondam o projeto voltaram a aparecer em cada um dos discursos empresariais feitos na audiência.


A metáfora dos fantasmas, inclusive, foi citada por praticamente todos os debatedores, pró ou contra o projeto. O senador Roberto Cavalcanti (PRB-PB) resumiu as assombrações em uma tríade: a ‘jamanta’, representando o temor de que as empresas de telecomunicações acabem massacrando a radiodifusão com seu poder financeiro; a internet, que acabaria com o modelo atual de negócios usado pelas empresas de mídia; e os atentados à liberdade de imprensa, argumento preferido das empresas de comunicação, que temem que a regulação do setor seja apenas uma forma de censura da comunicação.


‘Gostei muito do resumo feito pelo senador Roberto Cavalcanti’, afirmou o ministro Franklin Martins, responsável por tocar no projeto de revisão do marco legal na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. ‘Os fantasmas andam por aí arrastando correntes e, muitas vezes, nos desviando do foco’, complementou. ‘Quero convidar a todos para deixar os fantasmas no sótão, que é onde eles vivem melhor’, brincou logo depois.


Apesar das brincadeiras metafóricas, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) foram bastante claras ao expressarem suas preocupações. O representante da ANJ, conselheiro Paulo Tonet, pediu maior atenção ao debate sobre a internet e a necessidade de preservação dos direitos autorais do material jornalístico reproduzido pelos novos meios de comunicação. O alvo principal do discurso da Abert, representada pelo diretor Luis Antonik, também foi a necessidade de uma análise mais profunda da internet, mas a mera proposta de existir uma regulação da comunicação foi criticada pela associação. ‘Nós não podemos abrir mão do princípio da menor interferência do governo na iniciativa privada’, protestou Antonik.


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Mas os grandes grupos midiáticos não estão completamente alinhados de que um novo marco legal será necessariamente nocivo para o país. A Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra) defendeu a ideia de debater a modernização das regras que regem a comunicação social e sugeriu, inclusive, que o PLC 116/2010 – que trata do mercado de TV por assinatura e do audiovisual – seja incorporado nesse debate mais amplo. ‘Acho que podemos preservar um modelo de sucesso com relação à radiodifusão, mas também conseguir alguns avanços com esse debate’, afirmou Kalled Adib, diretor da Abra. ‘E, com relação ao medo de censura, me desculpem, mas acho que nós já passamos dessa fase’, acrescentou, criticando os demais grupos que acusam o projeto de ter como intenção a censura dos meios de comunicação.


Para o professor Murilo Ramos, da Universidade de Brasília (UnB), a discussão de um novo marco legal é sadia não apenas para a comunicação social em si, mas também para reordenar todo o setor comunicação frente aos avanços tecnológicos. ‘Mesmo a LGT (Lei Geral de Telecomunicações), que tem apenas 13 anos, precisa ser revisitada, no meu ponto de vista, porque ela foi feita com uma base de universalização da telefonia fixa. E o STFC, para usar uma expressão pedante, é um serviço evanescente’, alertou. ‘Nós não podemos adiar mais essa reforma. Eu espero que isso ocorra já no primeiro ano de presidência da presidente Dilma Rousseff.’


A ideia de que o projeto terá sequência na nova gestão do governo federal ficou implícita nas declarações do ministro Franklin Martins para justificar o não detalhamento da proposta na conversa com os senadores. O ministro disse que entregará o projeto à presidente eleita em janeiro e, por isso, seria deselegante antecipá-lo em um debate no Congresso Nacional. Martins não ficará no governo na gestão de Dilma, onde a Secom será comandada pela jornalista Helena Chagas.


Mesmo não ficando mais no controle da construção da proposta no próximo ano, o ministro assegurou que o governo não pretende correr com a aprovação desse novo marco legal, privilegiando o debate amplo com a sociedade. ‘Será um processo de discussão pública, aberta e transparente, o que não é rápido’, declarou. ‘Isso aqui não é uma coisa para MP (Medida Provisória), para regime de urgência. Isso tem que ser construído de uma forma em que se estabeleça um pacto com toda a sociedade.’


 


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