Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Fator de divulgação cultural e integração

O programa da Rádio Rural começou, na Itália, em janeiro de 1934, quando o país tinha 43 milhões de habitantes, o regime fascista de Benito Mussolini governava desde 1922 e a nação, com as conquistas do norte da África, tinha o pomposo nome de Império Colonial Italiano. Todavia, mesmo com todo o ufanismo do regime, continuava um país atrasado, com alto índice de analfabetismo, pobre e, principalmente, expulsivo. Grande número de italianos deixava o país todos os anos, especialmente para as Américas, em busca de melhores perspectivas de vida.

Poucos anos antes, Enrico Marchesi, presidente do Ente italiano di audizioni radiofoniche –Eiar (Ente italiano de audições radiofônicas), apresentou um projeto para rádio popular no periódico Radiocorriere n° 1 (janeiro de 1931). Tinha por princípio defender a indispensabilidade do rádio no campo. E escrevia: ‘Indispensável porque poderá levar aos aglomerados rurais, sem escolas secundárias e sem bibliotecas, a uma população que não teve a possibilidade de instruir-se e que não lê livros; um meio de cultura simples, variado e deleitoso e indispensável porque poderá será um divertimento sadio e apresenta outras distrações.’

Na época, o país tinha somente 60 mil aparelhos de rádio e cada um custava entre 3 mil e 4 mil liras, uma fortuna para aquele tempo. A idéia era produzir imediatamente mil aparelhos a baixo custo, que seriam levadas a mil cidades, colocados por empréstimo nas escolas, uma vez que todos os centros agrícolas tinham ensino primário. Assim, nos dias úteis, os alunos ouviriam transmissões didáticas e, aos domingos e feriados, os agricultores iriam às escolas para tomar conhecimento de novas técnicas agrárias, informações sobre preços dos produtos, situação meteorológica e ainda poderiam distrair-se com música, notícias e esportes.

Produção a baixo custo

Uma vez descobertas as vantagens desse meio de transmissão, as paróquias, as sedes do partido e os sindicatos fariam coletas para comprar o aparelho e devolver aquele emprestado pelo Estado. Dessa forma, estariam sempre à disposição mil aparelhos para atender os locais que ainda não os tivessem.

Ainda em 1931, um radioamador de Trento – o único a ter um rádio na cidade – dá seu depoimento: ‘Ontem pela manhã tive a casa cheia de católicos para ouvir a homilia do cardeal Minoretti. De tarde, vieram os notáveis da cidade, inclusive o pastor protestante, e tivemos o prazer de ouvir Loreley (ópera de Alfredo Catalani) transmitida ao vivo do alla Scala. E tivemos a alegria de saber que Ítalo Balbo, com seus heróicos companheiros, tinha atravessado o oceano (o vôo saiu de Orbetello, na Itália, e chegou ao Rio de Janeiro a 15 de janeiro de 1931). Viva a rádio…’ Todavia, existia um problema: como convencer as grandes indústrias a produzir os aparelhos a baixo custo. Chegou-se a um acordo com 10 fabricantes que se empenhariam em produzir rádios de 5 válvulas por 550 liras à vista, ou 700 em prestações. Como muitos centros não tinham rede elétrica, havia uma versão a bateria.

Ironia do destino

Assim, no dia 25 de janeiro de 1934, foi inaugurada a Rádio Rural, inicialmente com os programas A Hora do Agricultor, e, para as escolas, aulas de ginástica e desenho – estas últimas consistiam em ligar pontos existentes em papel quadriculado e, em seguida, colorir o desenho resultante. Foi aumentando o número de informativos, documentários, novelas em capítulos, humorismo e – como não podia deixar de ser – transmissões de partidas de futebol. Em dezembro desse ano, as escolas servidas pelo novo serviço eram 3.786, atingindo 898 mil alunos. Tal sucesso de um meio da mídia passou logo a serviço do partido fascista, com a direção sob comando do hierarca Achille Satrace.

Com o advento da II Guerra, o Estado começou a controlar as transmissões em ondas curtas. Por decreto de 1938, quem fosse surpreendido ouvindo ‘rádios inimigas’ era punido com prisão de 6 meses e multa de 10 mil liras. Existia um verdadeiro exército de fiscais. Em 1943, as leis endureceram. O jornal Popolo d’Italia noticiava: ‘Os tribunais especiais pronunciaram algumas condenações, sendo que três à morte, contra pessoas que haviam ouvido os noticiários de rádio de Londres. Quem escuta uma rádio inimiga é um traidor e como tal, será punido.’

Por ironia do destino, foi essa rádio que serviu ao regime, ao anunciar o fim da guerra (para os italianos, com o armistício em 1943) e do fascismo.

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Jornalista