Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Folha desmascara trambique e ninguém se mexe

É irrelevante, deletéria e falaciosa a disputa para saber qual o governo que mais concessões para rádios e TV distribuiu aos parlamentares. Não importa se o campeão desta modalidade inconstitucional foi FHC ou é Lula. O que importa é a identificação do ilícito e a interrupção imediata deste tipo de cambalacho político.


Da mesma forma, não interessa saber qual foi o governo mais condescendente com o crime organizado. Interessa montar imediatamente uma frente política para enfrentar a insurreição instalada no sistema prisional do país.


Câmara ou Senado não mexerão uma palha para acabar com a calamitosa promiscuidade que converte legisladores (teoricamente, fiscais das concessões) em concessionários de serviços públicos. Como escreveu Fernando Rodrigues (Folha de S.Paulo, 19/6, pág. 2) esta é ‘uma das formas mais explícitas do atraso institucional brasileiro’.


No dia anterior (domingo, 18/6), por intermédio da repórter Elvira Lobato, mesma Folha novamente denunciou o calamitoso conflito de interesses em manchete da primeira página e mais três do noticiário político.


Promiscuidade explícita


Não adianta convocar CPIs, não há deputados íntegros em número suficiente para investigar o abuso dos colegas e mostrar como este tipo de concessão contamina e compromete a mídia brasileira.


O Conselho de Comunicação Social, como órgão auxiliar do Congresso, poderia iniciar o desmonte desta máquina corruptora. Mas o Conselho de Comunicação Social ficou engavetado 12 anos consecutivos porque sua instalação não interessava ao vice-rei José Sarney; e quando o CCS finalmente começou a funcionar, o imortal deu um jeito para colocar na presidência do órgão seu assecla Arnaldo Niskier. Resultado: o Conselho desapareceu do mapa institucional brasileiro apesar de previsto na Constituição.


Este Observatório da Imprensa ofereceu à Procuradoria Geral da República, em outubro de 2005, valiosos subsídios produzidos ao longo de meses de investigações e cruzamento de dados [ver aqui a íntegra da representação, em arquivo PDF, 128 KB]. A PGR acolheu-os, estuda a forma legal para implodir o sistema.


E por que razão o tonitruante Estadão-ão-ão, que se preocupa tanto como a Folha com a questão da mídia eletrônica, não segue a trilha do concorrente? E por que se cala a Associação Nacional de Jornais, que deveria estar na linha de frente desta cruzada para moralizar a concessão de canais de rádios e TV?


Deveria, mas não está. E não está porque grande número de jornais regionais foi beneficiado pelo ‘mensalão eletrônico’ instituído quando José Sarney era o presidente da República e Antonio Carlos Magalhães, seu ministro das Comunicações. Quanto mais parlamentares participarem do trambique das concessões, mais garantida estará a continuidade do sistema. Um jornal provincial só sobrevive se consegue controlar algumas rádios e associar-se a uma repetidora das redes nacionais de TV. Este é segredo da perenidade do sistema.


Não há a menor dúvida: a promiscuidade entre políticos e a comunicação social é uma das expressões mais visíveis da nossa tragédia institucional.