Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Há o que comemorar?

Luiz Weis abordou semana passada, no seu blog do OI, a notícia sobre o trabalho de um grupo inglês sobre alguns antidepressivos chamados de inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) [ver ‘Prozacs sob suspeita, só num jornal‘].

É um assunto com o qual a imprensa realmente deveria ter algum cuidado. Não é para ser bombasticamente jogado ao público sem antes uma boa abordagem e a avaliação da opinião das entidades de especialistas da área. Como é uma droga amplamente usada, ela possui milhares de pessoas se sentindo protegidas por ela, que podem entrar em pânico ao saber deste tipo de notícia. Ao contrário do que pensam algumas pessoas, depressão é uma doença real que afeta 2 a 3% das pessoas de forma crônica e pode atingir até 20% da população, quando se considerando um episódio na vida. Não são invenções ou falta de força de caráter, mas uma doença bioquímica real. Portanto, uma notícia dessas pode levar as pessoas que hoje dependem destas drogas a se sentirem perdidas e confusas. E o tema deve ser, pela sua amplitude, muito bem trabalhado. Ao contrário do Vioxx, ninguém está morrendo.

Não existem milagres

Portanto, chamar uma doença destas que pode atingir qualquer um de ‘pílula da felicidade’ é um desrespeito aos que sentem os efeitos e aos doentes que a procuram por necessidade. O que já de saída nos causa dúvidas: como que algo, alegadamente inerte, agora estava dando felicidade para alguém que levou a este tipo de preconceito aos pacientes, comemorado agora com este achado? Este preconceito se evidencia ao atribuir a estes pacientes uma alienação pelo uso das drogas terapêuticas para fugir da realidade. A ‘felicidade artificial’. Mas de uma droga inerte? Ou seja, elas eram discriminadas por usar drogas e não resolver os seus problemas emocionais, e agora se comemora que a droga não funciona. Resumindo: quem melhorou, realmente só poderia ter resolvido bem o seu problema não pelo efeito farmacológico. Realmente, as pessoas têm muito preconceito com as pessoas doentes, ainda mais as depressivas.

O comentário do articulista mais se preocupa com os lucros do que com os pacientes que sofrem. Não vejo o que comemorar com a notícia, pois se a droga não funciona – e placebo não funciona se o paciente acredita (ou sabe) que seja placebo por isto a necessidade do teste duplo-cego –, o que resta aos pacientes que não irão desaparecer por milagre? Apenas usar drogas mais eficazes e com maior número de para-efeitos, o que acrescenta um desconforto aos que necessitarem medicação e a limitação de pacientes que toleram os tratamentos anteriores e, portanto, condenando muitos a não ter um recurso terapêutico adequado. Mas, em medicina baseada em evidência, o caminho será este. Para picaretagem, as coisas são fáceis porque não interessa saber da realidade, da comprovação científica, do real efeito que se pode obter de determinado fármaco, tratamento, cirurgia. Mas para o médico científico, suas opções são mais limitadas, pois são restritas apenas ao que a ciência médica pode comprovar em termos de efeito real e mensurável. Não existem milagres.

Aproveitar o sofrimento para tapear

Mas existem coisas para nos ensinar nestas circunstâncias, quando o nosso objetivo é a honestidade intelectual e o reconhecimento que a realidade pode ser entendida, testada, e evidenciada. O primeiro ensinamento é que pacientes são incapazes de diferenciar o que estão tomando. Como a sangria, usada por milhares de anos com sucesso comercial e fracasso curativo, a queimação com óleo fervente dos ferimentos com arma de fogo, como a medicina tradicional chinesa, ‘usada por cinco mil anos’, o testemunho dos pacientes são insuficientes para validar qualquer tipo de tratamento médico. A quimioterapia, que é dos mais desagradáveis tratamentos a que uma pessoa pode ser submetido, que o deixa literalmente na lona, tem prorrogado a vida, a qualidade de vida e até curado alguns tipos de câncer. Então a agradabilidade ou as poucas reações não são suficientes para mostrar a adequação de um tratamento.

O segundo ponto importante para aprendermos, e que os médicos sérios sabem disto e seguem esta regra, é que a sua opinião é insuficiente para validar um tratamento. Sua observação é tão influenciável como a do paciente. Por isto que os trabalhos devem ser duplo-cegos. Nem o paciente sabe o que está tomando, para não ser influenciado, e nem o médico, pelo mesmo motivo. Além de ele relatar melhores resultados influenciado pela sua crença na medicação, tanto podendo ser positiva como negativa, ao relatar os efeitos, como ele pode influenciar o paciente deixando transparecer pelo seu entusiasmo diferente se o paciente está recebendo o placebo ou a medicação real. Assim, médicos e pacientes que asseveram os benefícios, por exemplo, dA homeopatia, da acupuntura ou da auto-hemoterapia são insuficientes provas médicas para uma prática responsável que todos devem ter. Não é a satisfação do paciente que valida a medicina, mas os reais efeitos obtidos neste contato. Para agradar pacientes sem vantagem além da ilusória se dedicam curandeiros, charlatões, terapeutas sem formação que se aproveitam do sofrimento para tapear o paciente no que eles não podem proporcionar a não ser o engodo.

Grupos humanos erram

Será que foi um erro da ciência e devemos vê-la com a mesma inconsistência do que a religião, ser tratado tudo igual, sem chance de obter a verdade de qualquer coisa mínima? Creio que na verdade é a reafirmação da mesma, a sua utilidade insubstituível, a sua capacidade como método de nos fornecer respostas quando precisamos. Quem se recusa a submeter suas alegações a ela, por alegá-la atrasada, mostra, na verdade, que o que alega é falso e será desmentindo pelo método científico, que visa apenas e singelamente a descobrir o que ocorre: efeito real no paciente, fora do ilusório efeito placebo. No caso, não foi o método da adivinhação, revelação espiritual, ou afirmações religiosas que levaram a este resultado. Apenas o uso da ciência pode proporcionar sabermos o que ocorria com o Vioxx®, a terapia de reposição hormonal ou, agora, com estes antidepressivos investigados (além de centenas jogados fora sem a mídia saber ou noticiar).

Poderíamos questionar se devemos continuar com o uso de medicações produzidas por grupos farmacêuticos privados com interesses comerciais. O que ocorre é que dependemos de investimentos para isto. E as verbas públicas são sempre limitadas e dirigidas para o já desenvolvido e mais certo de obter. Ao contrário dos objetivos das firmas privadas, que buscam o inusitado para obter um lucro maior e sair daquilo que todos já produzem após o fim da patente do medicamento. Como temos uma infinidade de doenças e centenas de situações em cada uma delas, quanto mais investimentos privados ou públicos, maiores as chances de se descobrir soluções para elas. Não é possível depender de investimentos públicos, que são pífios frente as enormes necessidades e que, a mais das vezes, são orientados para a assistência gratuita, que não obtém retorno financeiro (portanto, não sustentáveis), do que o desenvolvimento de novos e melhores medicamentos. Não obtendo retorno, não se criam recursos para novas pesquisas. E o número de medicamentos que precisamos não é suprido sem a participação privada, que oferece a maioria dos livros, equipamentos, insumos laboratoriais, medicamentos e pesquisa de que precisamos.

Outro ensinamento importante nesta relação de que os investimentos públicos, desenvolvidos em órgãos públicos garantiriam uma maior segurança é que este estudo foi feito com os trabalhos entregues ao FDA (Food and Drug Administration), órgão governamental destinado a defender os interesses da população dos Estados Unidos, para a liberação das drogas para comercialização. E o que foi constatado neste presente trabalho foi que o órgão aprovou sem a devida comprovação de resultados. Portanto, mesmo órgãos públicos necessitam da mesma e vigilante fiscalização da população, que normalmente é exercido pela imprensa livre ao manter o povo informado. Grupos humanos erram. Não são infalíveis e necessitam de vigilância do que fazem. Podem errar por incompetência, corrupção, pressões políticas ou desdém pelo que fazem. O que pode ocorrer em Estados em que a imprensa é controlada por interesses de Estado, quando estas coisas que ocorrem são tratadas como questões de segurança?

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Médico, Porto Alegre, RS