Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Idioma português valorizado no rádio

Recentemente, a Rádio Romênia Internacional deixou de transmitir sua programação, em ondas curtas, para Brasil e Portugal. Foi mais um revés que o idioma sofreu na relação conflitada com o rádio internacional, que começou logo após a queda do Muro de Berlim. De início, a nova política internacional tirou de cena a Rádio Berlim Internacional, que usava alemães com o tradicional sotaque e brasileiros que acreditavam no paraíso socialista do lado de lá do muro. Foi assim com a Rádio Tirana, que também emitia, em português, a visão de um céu de igualdade na Terra.

Depois, a poderosa Voz da América mandou para casa grandes locutores e jornalistas brasileiros que fizeram história em Washington. Seguindo o mandamento capitalista segundo o qual é preciso lucrar cortando gastos, o mesmo ocorreu com a Deustche Welle, a Nederland e a Rádio França Internacional. Com a diferença de que, nestas duas últimas, os brasileiros permaneceram trabalhando normalmente, utilizando as novas ferramentas de contatos com os ouvintes: as redes brasileiras que retransmitem seus programas e a internet que, na minha opinião, colocou-as num patamar de mesmice, à mercê das grades de programação de emissoras nas madrugadas sem ouvintes e cortou a relação de amizade e fraternidade que as emissões internacionais cultivam.

Os anos 90 passaram. A idéia de transmitir mensagens políticas, em português, via ondas curtas, já faz parte do passado. A realidade mostrou que as emissoras que permaneceram emitindo no nosso idioma acertaram em privilegiar a difusão de cultura, música, modos de vida, entretenimento e atualidades mundiais. É o atual objetivo das emissões internacionais.

Os ouvintes de ondas curtas, atualmente, não são nem de longe o que eram há duas décadas. Mas as emissões que permanecem no ar mostram resultados: um radioescuta ou dexista, que é aquele que escuta emissoras de longas distâncias, é diferenciado, pois é formador de opinião em sua comunidade.

Motivada pela cegueira

O DX Clube do Brasil (www.ondascurtas.com), entidade que congrega dexistas e radioescutas brazucas, utiliza ferramentas poderosas como internet, MP3, lista de discussão e e-mail para divulgar as ondas curtas. Exemplo: quando uma emissora de Tefé (AM), a Rádio Educação Rural, anuncia que vai irradiar um programa na língua indígena madija, um colaborador do DX Clube do Brasil daquela região, no caso, o biólogo Paulo Roberto e Souza, que milita no Projeto Mamirauá (www.mamiraua.org.br), comunica a notícia ao clube. Imediatamente, vai para a lista de discussão, para o boletim eletrônico e é gravada em MP3 para os programas em que o DXCB colabora, em emissoras como a Rádio Guarujá Paulista, de Guarujá (SP), a Rádio Voz Cristã, de Miami, nos Estados Unidos, a HCJB – A Voz dos Andes, de Quito, no Equador, a RDP Internacional, de Lisboa, em Portugal, entre outras.

Ironicamente, erraram os imprudentes que afirmaram que o rádio e as ondas curtas seriam peças de museu numa época em que é fácil ouvir de tudo via internet. A rede é ferramenta poderosa, que o ouvinte usa para contatar a emissora. Mas ninguém carrega o computador numa pescaria, caso queira acompanhar uma corrida de Fórmula 1, por exemplo.

Quando do término das emissões em português da Rádio Romênia, o DX Clube do Brasil encabeçou manifesto pedindo a manutenção da programação no ar. Mensagens foram enviadas, por e-mail, à emissora. Resultado: até os diplomatas brasileiros na Romênia participaram do ato, assim como os cônsules honorários daquele país no Recife e em Curitiba. A campanha foi um sucesso e os locutores da emissora tiveram trabalho para ler, no ar, os nomes dos ouvintes e simpatizantes das ondas curtas.

A Rádio Romênia deixou de emitir em português motivada pela cegueira do governo daquele país, o mesmo que envia seus filhos ao Iraque, numa viagem que poderá não ter volta. Foi a forma de divulgação que o primeiro-ministro Adrian Nastase escolheu para colocar a Romênia em evidência no noticiário internacional, em vez de usar o método simples, ágil e econômico que são as emissões em ondas curtas.

Futuro digital

Ouvir ondas curtas é um passatempo. No entanto, pelos exemplos citados, há a impressão de que existe muita organização. E há mesmo! O que era para ficar na saudade (ou no museu!) ganha força com a ajuda da tecnologia e da internet.

De olho na audiência brasileira, após uma ausência de 13 anos, a Rádio Canadá voltou a transmitir, nas velhas ondas curtas, um programa semanal em português para o Brasil. Chegou a publicar anúncio em jornal de Montreal para contratar os locutores. Os primeiros programas foram produzidos e apresentados por Hector Villar, que atuou, no passado, no Jornal da Tarde, de São Paulo.

Da mesma forma, a Rádio Exterior da Espanha leva ao ar, de terça a sexta-feira, às 15h, em 21700 kHz, uma espécie de revista, em português e espanhol, especialmente destinada ao público brasileiro. De quebra, usa o espaço para irradiar aulas de espanhol produzidas pelo Instituto Cervantes, do Rio de Janeiro. Segue, assim, a nova função das ondas curtas: entretenimento e cultura. Tal qual as rádios Internacional da China e Internacional do Japão, que ensinam chinês e japonês, respectivamente, nas emissões em português.

Quem permaneceu investindo em ondas curtas já pensa no futuro digital. A BBC de Londres e a RDP – Rádio Portugal pretendem adentrar o mundo das emissões digitais de ondas curtas. A primeira, emitindo atualidades mundiais. A segunda, aliando informações mundiais e a divulgação da cultura portuguesa. O som será semelhante ao do CD. Sempre, via rádio. E valorizando o nosso idioma!

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Jornalista, coordenador do DX Clube do Brasil