Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Imprensa, meias verdades e mentiras inteiras

Em razão de troca de impressões que mantive com o editorialista do jornal Folha de S. Paulo Hélio Schwartsman e de opiniões que vêm sendo manifestadas pelo “observador da imprensa” Alberto Dines no site Observatório da Imprensa, vejo-me na obrigação moral de manifestar de público, a quem possa interessar, meu inconformismo não só com o comportamento da imprensa no que tange à cobertura do processo eleitoral deste ano como também com a “observação” que tem feito o expoente mais importante do dito “observatório”, o próprio Dines.

Dines elogia apaixonadamente a cobertura jornalística da corrida eleitoral e, como tantos outros articulistas do benevolente (com a imprensa) “observatório da imprensa”, nega-se terminantemente a aceitar a teoria de que ela (a imprensa) adotou como meta eleger Geraldo Alckmin presidente da República. Não se pode negar, no entanto, que o Observatório não impõe uma censura a quem pense coisa diferente da imprensa que o veículo diz “observar” (também criticamente?) do que esta impõe aos que lhe fazem críticas. Porém, ao não criticar com firmeza o que essa imprensa tem feito em termos de parcialidade e de irresponsabilidade, Dines compactua com ela.

Dines diz que não há o que criticar. A imprensa não estaria sendo parcial. Os “petistas” é que estariam usando a tática do nazista Joseph Goebbels, de repetirem insistentemente a “mentira” de que a imprensa é parcial na esperança de que ela se torne verdade. Discordo. E não sou só eu. O editorialista do jornal Folha de S. Paulo Hélio Schwartsman, nas opiniões que trocou comigo por e-mail recentemente, admitiu-me que “a imprensa deu mal” a “inocentação” do ex-assessor do presidente Lula Freud Godoy, que o jornal para o qual escreve editoriais literalmente trucidou em textos opinativos como o do colunista da Folha Clóvis Rossi, intitulado “O abominável Freud” (19/9), que tenta vincular o presidente Lula à compra do dossiê contra tucanos por conta da então suposta participação do então assessor presidencial no processo de negociação dos documentos incriminatórios.

Notinha escondida

Ou textos como o da colunista (também da Folha) Eliane Cantanhêde, em coluna intitulada “Só Freud não explica” (19/9 ), que foi na mesma linha. Aliás, o que não faltou na Folha, quando surgiu o nome de Freud entre os petistas envolvidos na compra do tal dossiê, foi trocadilho associando o nome do assessor ao do famoso psicanalista Sigmund Freud, configurando, além de irresponsabilidade, atroz falta de imaginação.

Bem, mas ocorre que alguns dias depois do envolvimento do nome de Freud Godoy no escândalo – e, providencialmente, depois do primeiro turno da eleição presidencial – a Polícia Federal divulgou que não encontrou nada que incriminasse o ex-assessor do presidente Lula, que se demitiu do cargo no auge da execração pública de seu nome pela imprensa. E, como se não bastasse isso, o procurador da República Mário Lúcio Avelar, que pedira a prisão de Godoy nas vésperas do primeiro turno da eleição presidencial – o que, sabidamente, influiu no pleito –, concordou que não havia elementos nem sequer para indiciar Freud, quanto mais para prendê-lo.

O editorialista da Folha Hélio Schrwatsman não disse à toa que “a imprensa cobriu mal” a “inocentação” do ex-assessor do presidente Lula. As TVs, por exemplo, ou não deram ou deram muito escondido uma informação que mostraria ao público que foi injustificada a celeuma armada em torno do nome de Freud na véspera do primeiro turno. E a imprensa escrita foi na mesma linha. A própria Folha, que tanto destaque deu ao linchamento do ex-assessor em suas manchetes de primeira página e por seus colunistas, editorialistas e articulistas variados, soltou uma notinha escondida nas páginas internas sobre o que o editorialista Schwartsman chamou de “inocentação de Freud”.

Processo hediondo

Pode-se dizer até que Freud sofreu exatamente o mesmo que os donos da Escola Base, que tiveram suas vidas destruídas por um noticiário apressado e virulento, o que deverá dar a ele possibilidade de propor dezenas de processos contra meios de comunicação no futuro, mas que gerou efeitos eleitorais que jamais serão revertidos, como a ocorrência de uma eleição presidencial em dois turnos.

Schwartsman argumentou comigo, no entanto, que Freud era “apenas um detalhe”, porque é inegável que petistas se envolveram na compra do dossiê contra tucanos. Meia verdade. Primeiro que Freud não é “apenas um detalhe”. Seres humanos não podem ser tratados como “meros detalhes” sob pena de que quem os trata assim possa ser chamado de tirano, para dizer o mínimo. Além disso, Freud foi um “detalhe” muito “útil” para a imprensa por sua proximidade com o presidente Lula, o que foi usado para incriminá-lo perante a parcela do eleitorado que desistiu de votar nele no primeiro turno, provocando o segundo.

Como brasileiro, como cidadão e, sobretudo, por não ter nem nunca ter tido vinculação político-partidária de qualquer espécie, manifesto aqui meu protesto veemente, indignado, enojado contra a conduta da imprensa brasileira. Peço a quem possa interessar e que tenha voz que espalhe à comunidade das nações o que está acontecendo no Brasil. Este país está sendo submetido à ação antidemocrática, injusta, covarde e até criminosa de pessoas que se dizem “jornalistas” mas que agem como golpistas por buscarem interferir num processo eleitoral democrático por meio de meias verdades e, sobretudo, de mentiras inteiras, omissões, distorções e, pior do que tudo, de censura a todos os que se mostram indignados com esse processo hediondo, atentatório à democracia que tão duramente se procura construir neste país.

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Comerciante, São Paulo