Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Imprensa iraquiana encara repressão e ameaças

Médicos, professores e engenheiros de minorias étnicas ameaçados de morte por insurgentes no Iraque têm abandonado suas casas. Muitos chegam até a se mudar do país na tentativa de proteger suas famílias. A solução de fuga encontrada pelos mais diferentes tipos profissionais não pode, entretanto, ser aplicada a quem trabalha com jornalismo. Para realizar seu trabalho, os profissionais de imprensa devem justamente encarar a violência e as ameaças.

Em artigo publicado no New York Times [6/9/06], o jornalista Ali Fadhil conta como é viver no “novo Iraque”. Sob o regime de Saddam Hussein, ele era médico, mas decidiu seguir a carreira de jornalista no final de 2003. Fadhil acredita que a construção de uma imprensa livre no Iraque foi uma das grandes conquistas americanas. “Quando a coalizão liderada pelos EUA se instalou na Zona Verde, foi criado o Centro Internacional de Imprensa, em Bagdá, onde soldados americanos emitiam credenciais para iraquianos e também para ocidentais”, conta ele. Assim, jornalistas iraquianos podiam, como os americanos, andar com o Exército americano e freqüentar coletivas de imprensa da coalizão – onde levantavam questões críticas às autoridades americanas e iraquianas.

Com o incentivo dos EUA, o Iraque produziu, nestes últimos anos, uma geração de jovens jornalistas que estão décadas à frente de outros repórteres do país. “Os que tiveram a oportunidade de trabalhar para publicações ou emissoras ocidentais cresceram mais, mas muitos jornalistas que trabalharam para a mídia local também tiveram um grande avanço na carreira”, opina. “Os dois grupos se complementaram, revelando as atrocidades secretas que ocorriam no país aos iraquianos e ao mundo”.

Más notícias para jornalistas

No ano passado, entretanto, Bagdá foi governada por diversas administrações, e o apoio americano à mídia iraquiana ficou enfraquecido. Em maio, o embaixador dos EUA anunciou a transferência da administração do Centro Internacional de Imprensa, que servia como escritório para a mídia local e internacional, para o novo governo iraquiano, dominado por milícias e que vê a imprensa como aliada de insurgentes. Em julho, o primeiro-ministro iraquiano ameaçou fechar qualquer empresa de mídia que falhasse em divulgar a luta do governo contra a violência sectária. “Eu temo que, se este governo sobreviver, a imprensa no Iraque se torne igual à do Irã, Arábia Saudita ou Síria. São más notícias, em um momento em que a imprensa iraquiana precisa mais do que nunca de proteção”, observa Fadhil.

Violência

Recentemente, o escritório do jornal estatal al-Sabah foi atingido por uma bomba que matou duas pessoas e deixou 20 feridos. Há quatro meses, o mesmo jornal já havia sido atacado por um carro-bomba. Em fevereiro, a repórter Atwar Bahjat, da emissora al-Arabyia, foi assassinada, juntamente com seu cinegrafista e técnico de som, em Samarra, quando fazia uma matéria sobre o bombardeio de um templo xiita. Em agosto, dois jornalistas iraquianos foram mortos por militantes.

De acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, 56 repórteres iraquianos foram mortos desde que a guerra começou, em 2003. “Hoje, os jornalistas iraquianos sofrem ameaças de todos os lados. A mais substancial delas vem da insurgência e de extremistas islâmicos. Muitos sunitas e membros de milícias xiitas acreditam que estamos colaborando com os americanos ou trabalhando como espiões deles”, afirma Fadhil. Antigos funcionários do governo – muitos deles que trabalhavam para o regime de Saddam –, negam acesso a jornalistas, temendo serem punidos por seus chefes. Até os soldados americanos mudaram de atitude. No ano passado, as regras americanas permitiam que soldados dos EUA atirassem caso avaliassem estar sob ameaça. Por esta razão, muitos cinegrafistas iraquianos foram atingidos ao terem suas câmeras confundidas com armas. Soldados americanos são responsáveis pela morte de 14 jornalistas no Iraque, a maior parte deles iraquianos.

Para Fadhil, que já sofreu diversas ameaças, ser jornalista iraquiano no Iraque é ainda pior do que ser correspondente internacional. “Pelo menos eles [os correspondentes] têm a vantagem de ser considerados intocáveis pela polícia iraquiana e por forças de segurança”, observa. Em setembro de 2005, enquanto dirigia, Fadhil testemunhou o ataque de uma gangue a um ônibus com funcionários de um banco, que carregavam US$ 1 milhão em dinheiro. Quando o jornalista iraquiano se aproximou com sua câmera para registrar o fato, viu que um menino que vendia refrigerante na estrada estava no meio do fogo cruzado. Fadhil tentou filmar a cena, mas foi impedido pela polícia – que ameaçou quebrar sua câmera e o forçou a sair do local junto com outros jornalistas iraquianos. Um cinegrafista da al-Hurra argumentou com os policiais que eles deveriam deixa-los filmar pelo menos a uma certa distância. Em segundos, o homem foi algemado, sua câmera quebrada e suas fitas, confiscadas.

Medo

De maneira geral, jornalistas iraquianos encontram soluções para manter seu trabalho em segredo. “Desde que comecei a trabalhar como jornalista, tento não revelar minha profissão às pessoas que conheço, inclusive parentes”, revela Fadhil. “Falei a todos que trabalhava em um hospital particular e saía sempre com meu casaco branco. A mídia ocidental não teria funcionado no Iraque sem a dedicação dos jornalistas iraquianos. Fomos incentivados a nos tornarmos jornalistas por causa dos EUA. No entanto, nosso destino foi entregue aos políticos iraquianos. Se nada mudar, não haverá mais empresas de mídia no Iraque para informar ao mundo”, desabafa o jornalista, que, como correspondente no Iraque, já trabalhou para a National Public Radio (NPR), rádio pública americana, e para a revista New Yorker.