Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Inclusão pela TV digital estaria ameaçada?

O tratamento ‘pós-decreto’ que o governo federal vem dispensando para as negociações em torno das características que serão incorporadas pelo Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T) causa inquietação na sociedade civil. Se por um lado o governo confirma que irá cumprir à risca o texto do decreto 5.820/06, por outro, conduz a formatação das especificações de maneira fechada, priorizando apenas alguns setores da indústria e os radiodifusores.

Informações que circularam na imprensa especializada, nesta semana, afirmam que o primeiro terminal de acesso (set top boxes) a ser especificado vai trazer o sistema de compressão MPEG-4, suportar alta definição de som e imagem, mas não terá canal de retorno, seja pela telefonia fixa, pela móvel ou por WiMAX, o que praticamente impede a inclusão digital por meio da televisão. As notícias também informavam que o middleware desenvolvido no país – o Ginga – não entrará em produção antes de 2008. Se tudo isso se confirmar, esta será a prova inconteste de que o padrão japonês foi comprado pelo Brasil de ‘porteira fechada’, isto é, sem a incorporação da soluções brasileiras.

Pior do que isso, essa será uma decisão que comprometerá o futuro da interatividade na TV digital. Industrialmente, uma determinada base instalada cria um legado de equipamentos e estabelece uma relação do usuário com esta tecnologia. Quanto mais limitados forem os recursos oferecidos neste primeiro momento, menos chance a população terá de se interessar por uma televisão digital realmente interativa. O que pode comprometer, inclusive, a própria adesão dos brasileiros ao novo sistema uma vez que a elite do país já está incluída digitalmente por outros meios e serviços.

Vale o escrito?

Não era essa a promessa do governo. O decreto 5.820/06, que instituiu o SBTVD-T, traz, em seu artigo 6º, o seguinte texto: ‘O SBTVD-T possibilitará: I-transmissão digital em alta definição (HDTV) e em definição padrão (SDTV); II-transmissão digital simultânea para recepção fixa, móvel e portátil, e; III-interatividade’.

O superintendente executivo da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil), Cesar Rômulo, revela que o setor que poderia garantir o canal de retorno na televisão digital ainda não foi chamado para as reuniões com o governo. Entretanto, ele acredita que é impossível que radiodifusores, industriais e ministros estejam decidindo qualquer especificação técnica sem considerar o canal de retorno. ‘Está lá no decreto presidencial. A Telebrasil reafirma a posição de que, para que haja inclusão social, através da TV digital, tem que haver interatividade’, diz.

Governo dividido

O secretário de Serviços de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Roberto Pinto Martins, em entrevista ao informativo Tela Viva News (19/7), afirmou que a implantação do middleware Ginga pode esperar mais um pouco, pois não é obrigatória a sua incorporação imediata nos primeiros decodificadores. ‘Acredito que não será estabelecida nenhuma exigência em relação ao potencial de interatividade, que na prática é determinado pelo middleware dos set-top-boxes produzidos no Brasil’, disse.

Já o assessor especial da Casa Civil, André Barbosa, garantiu ao e-Fórum que a notícia da fabricação dos set top boxes sem canal de retorno não tem fundamento. Segundo Barbosa, o governo não fará nenhum projeto que deixe como legado o desenvolvimento de tecnologias que não contemplem a inclusão digital. ‘A pressa dos setores da indústria e dos radiodifusores é legítima, afinal é o negócio deles. Mas não é a única regra. Não aceitaremos decisões apressadas, para não fazer algo que venhamos a nos arrepender’, afirma o assessor.

Canal sem retorno

Informações que partem de dentro do próprio governo e divergem entre si têm sido a prática quando o assunto é TV Digital. Desde que o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), representante de 124 entidades da sociedade civil brasileira, busca participar do processo de construção do SBTVD, esse tipo de postura vem dificultando a transparência no processo e impossibilitando formas verdadeiramente democráticas de participação.

‘Mais uma vez, essas informações desencontradas confirmam que o governo negocia a portas fechadas, desconsiderando a participação da sociedade civil organizada’, conclui Celso Schröder, coordenador-geral do FNDC. O Fórum participou do Comitê Consultivo do SBTVD até o mesmo ser fechado pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa. De lá para cá, entidades da sociedade civil não foram mais ouvidas pelo governo Lula.

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Jornalista, da Redação FNDC