Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Justiça censura jornal e jornalista

Sou jornalista há 14 anos. Boa parte desse tempo me dediquei à cobertura de assuntos ligados à polícia, Ministério Público e Justiça. Obviamente, fiz fontes nessas áreas, e as preservo sempre que necessário, com o cuidado de quem sabe a importância delas para a sobrevivência de um profissional que depende de informação.

Com a experiência, passei a buscar com essas fontes relatórios de inquéritos policiais já concluídos, mas por alguma razão preservados por segredo de Justiça. Há informações de alto interesse público nesses documentos, incluindo escutas telefônicas, que jornalisticamente são muito importantes, pois revelam o crime em sua face mais verdadeira e crua. É bobagem, na minha opinião, pensar que firam a intimidade do investigado, uma vez que só são transcritas nesses inquéritos os diálogos que realmente interessam à investigação.

Assim foi com a Operação Tamburutaca, parceria da Polícia Federal com o Ministério Público Federal (MPF) para investigar um esquema de corrupção em fiscalizações trabalhistas na delegacia do Ministério do Trabalho em São José do Rio Preto, sede do Diário da Região, jornal em que atuo há oito anos. Dois meses após a operação ser deflagrada, com o inquérito já relatado e denúncias do MPF encaminhadas à Justiça, tive acesso a parte dos documentos da operação. Não hesitei um minuto em publicá-los, consciente de que a sociedade deveria saber os graves ilícitos praticados por servidores públicos.

Mas o procurador responsável pela operação, Álvaro Luiz de Mattos Stipp, não gostou. Um dia após a publicação da reportagem, em maio de 2011, dr. Stipp me chamou na sua ampla sala de trabalho. Estava irritado. Disse que eu não poderia ter divulgado os documentos, o que atrapalhou o andamento das investigações do caso. E, altivo, ordenou que eu lhe revelasse a fonte que havia me passado as informações, para que fosse devidamente punida pela lei. Obviamente, impossível aceitar o pedido – sigilo de fonte deve ser levado até o túmulo pelo jornalista. Três dias mais tarde, publiquei outra reportagem com mais escutas. Então dr. Stipp ficou furioso e ordenou à PF meu imediato indiciamento por quebra de sigilo de comunicação telefônica, crime previsto na lei 9.296, de 1996. Assim foi feito – o delegado da PF, José Eduardo Pereira de Paula, mesmo contrário à medida, não poderia desobedecer à determinação. Sigo indiciado até hoje por um crime que, tenho absoluta certeza, nunca cometi.

O inquérito prosseguiu. Em fevereiro do ano passado, o delegado da PF solicitou ao MPF o arquivamento da investigação. Mas o procurador Svamer Adriano Cordeiro – a essa altura o dr. Stipp fora promovido a procurador do Tribunal Regional Federal em São Paulo – negou o pedido e foi além. Determinou ao delegado que solicitasse à Justiça a quebra do meu sigilo telefônico e também dos telefones do jornal. Foram seis meses de espera até que o juiz da 4ª Vara Federal de S. José do Rio Preto, Dasser Lettière Júnior, acatasse o pedido.

Dois procuradores regionais da República e um juiz federal ignoraram duas garantias basilares de uma democracia, que, certamente, eles estudaram na graduação em Direito: a liberdade de imprensa e o sigilo de fonte. Pela primeira vez em três décadas, desde a redemocratização do Brasil, um juiz determinava verdadeira devassa nos telefones de toda uma redação de jornal a fim de chegar à fonte do jornalista.

A ANJ recorreu ao STF e, em janeiro deste ano, o presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski, concedeu liminar suspendendo a decisão do juiz Lettière. No entanto, na última semana, eu e todo o jornal fomos surpreendidos pela decisão do ministro Dias Toffoli, relator da reclamação da ANJ, rejeitando o recurso e cassando a liminar de Lewandowski. De um dia para outro, o jornal se viu descoberto de qualquer proteção constitucional ao sagrado sigilo da fonte. Um revés e tanto aos princípios democráticos, um risco e tanto à atividade jornalística.

Mas sigo fiel a minhas fontes e elas a mim. No meio de todo esse imbróglio, cresci como profissional. Por isso, não me arrependo um milímetro de minhas decisões nesse caso. Certamente faria tudo de novo. A liberdade de imprensa é muito maior do que qualquer arroubo autoritário de um procurador ou eventuais decisões tresloucadas de um juiz.