Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Liberdade ainda não chega a todos que falam português

A plena liberdade de imprensa é uma realidade apenas para uma ínfima parte dos 235 milhões de habitantes dos oitos países de língua portuguesa em quatro continentes. De fato, apenas Cabo Verde, Portugal e São Tomé e Príncipe, que no conjunto somam modestos 11,5 milhões de habitantes, estão bem colocados no informe deste ano da Casa da Liberdade (FH, sigla em inglês de Freedom House), divulgado por ocasião da celebração na quinta-feira (3/5) do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. A FH também é membro-fundador do Intercâmbio Internacional da Liberdade de Expressão, rede formada por 71 organizações não-governamentais presentes em todo o mundo.


O reverso da medalha é encabeçado por Angola, onde, segundo a FH, não existe liberdade de imprensa, ‘apesar das garantias constitucionais’. Em Angola, com 14 milhões de habitantes e em 135º lugar na lista de 194 países divulgada pela FH ‘a liberdade de imprensa é restrita’, embora admita-se que tenha havido ‘uma melhora’ com a nova lei de imprensa aprovada em 2006, apesar de conter ‘várias normas restritivas’. Entre os 209,5 milhões de pessoas de língua portuguesa restantes a liberdade de imprensa é parcial, de acordo com está organização internacional com sede em Washington, que se diz independente apesar de receber apoio do governo norte-americano.


Moçambique, com 20 milhões de habitantes, está em 87º lugar na lista ascendente de maior para menor liberdade de imprensa; Timor Leste, com um milhão de habitantes, e o Brasil, com 187 milhões, estão na 90º colocação, e Guiné-Bissau, com 1,6 milhões, ocupa a posição de número 102. Todos eles são considerados pela organização países com liberdade de imprensa ‘parcial’.


‘Tendências democráticas’


Portugal, com 10,5 milhões de habitantes, ocupa a 12ª posição, junto com Liechtenstein e Palau, superando Alemanha, Irlanda e Estados Unidos, que dividem o 16º lugar da relação liderada pelos ‘campeões’ da liberdade de imprensa, Finlândia e Islândia. A avaliação foi feita com base no ‘ambiente jurídico em que os meios de comunicação operam, as influências políticas na atividade jornalística, o acesso a informações e às pressões econômicas sobre o conteúdo e a divulgação de notícias’.


A colocação de Portugal, disse à IPS o analista Augusto Vilela, se deve à ausência de censuras formais, embora, como no resto do chamado mundo livre, os jornalistas se autocensuram, condicionados pelos diretores e editores. ‘Em Portugal, jornais, emissoras de rádio e de televisão são dirigidos por pessoas que desempenham um papel de `capataz´ dos empresários proprietários dos veículos, para impor suas idéias’, afirmou. Quando não se trata de uma ideologia, ‘é para vender o produto, em um mundo onde a imensa maioria dos jornalistas já não escreve para a opinião pública, mas para consumidores de notícias, normalmente curtas, escandalosas ou inócuas’, concluiu Vilela.


A opinião deste analista coincide com a de Carlos Narciso, popular apresentador e repórter de televisão, que na semana passada afirmou que no jornalismo português ‘quando o patrão manda, o diretor obedece e aciona uma cadeia de transmissão onde, no final, sempre há um redator que faz o trabalho’.


Em 61º lugar aparecem Cabo Verde, com 600 mil habitantes, e São Tomé e Príncipe, com apenas 170 mil habitantes, fazendo parte do seleto grupo de países africanos onde, segundo a FH, existe liberdade de imprensa. Os demais são Gana, Mauricio, África do Sul, Benin, Botswana, Malí, Namíbia, Lesoto e Senegal.


Em novembro passado, Cabo Verde foi classificado como ‘o país mais livre da África’, num informe sobre as liberdades gerais divulgado pela FH, mas, no começo desse mesmo ano, a organização o havia colocado entre as nações de liberdade de imprensa ‘parcial’. A melhora se deveu, segundo a FH, ‘à contínua consolidação das tendências democráticas que levaram a uma maior abertura do ambiente no qual operam os meios de comunicação e a uma redução dos casos de intimidação legal e de ataques contra jornalistas’.


Um paralítico em campo


Por sua vez, Angola, ‘apesar de o governo, em geral, tolerar críticas dos meios privados, entidades estatais muitas vezes pressionam a imprensa independente para cobrir o governo com uma ótica mais favorável’, diz o informe, que no parágrafo seguinte deplora o fato de continuarem ocorrendo ‘detenções arbitrárias, intimidação e ataques contra jornalistas’. Os jornalistas Paulo Mateta, subsecretário-geral da União de Jornalistas Angolanos; Luisa Rogério, secretária-geral do Sindicato dos Jornalistas, e Maurício Camuto, diretor da rádio católica Ecclesia, não compartilham desse ponto de vista.


Citados pelo periódico eletrônico Notícias Lusófonas, na terça-feira (1/5), os três profissionais coincidiram que ‘o pluralismo dos órgãos de comunicação social e o acesso a uma informação diversificada são sinais de que o direito à liberdade de imprensa é exercido de fato em Angola’. Camuto garantiu que ‘foram dados passos importantes na consolidação da liberdade de expressão, fruto da maior exigência da cidadania na atual situação de paz no país’, que completou cinco anos no dia 22 de fevereiro.


Na ocasião, Mateta identificou como ‘indicadores satisfatórios’ a existência de meios públicos e privados, a ausência de censura, bem como ‘a contribuição dos jornalistas na afirmação da democracia e na melhoria do desempenho do governo’. Na mesma oportunidade, Rogério disse que, não ter havido em 2006 denúncias de atropelo flagrante da liberdade de imprensa, tais como prisões ou atos de violência, ‘é uma da mudança de mentalidade em relação ao trabalho jornalístico’.


‘Falso, ou, pelo menos, parcialmente falso. O fato de não haver queixas pouco significa’, rebateu o jornalista Orlando Castro em uma coluna de opinião no mesmo periódico. Castro questiona o que leva estes três destacados jornalistas angolanos, ‘os primeiros defensores do que pensam ser toda a verdade, a apenas dizer meia-verdade’, em lugar de recordar que em Angola há uma diferença substancial entre o que está consagrado de jure e o que ocorre de facto.


Incluir a imprensa estatal angolana entre os meios que gozam de liberdade de informação ‘é o mesmo que convocar um paralítico para a seleção de futebol, que pode saber tudo sobre futebol, mas ,não pode jogar’, conclui Castro, ironicamente.

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Da agência Inter Press Service (IPS)