Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Maitê Proença

‘O ditado manda não meter a colher, mas, como foi você mesma que abriu a torneira do tanque pro mundo, sinto-me no direito de opinar.

É muito feio isso que você está fazendo com Eike, coração. Você é casada há 13 anos com o moço, tem dois filhos cheios de saúde e uma união cheia de confortos. Agora vem dizer que não agüenta mais, que abriu mão de tudo por ele, que o rapaz é ciumento, intransigente e o escambau, e ainda o responsabiliza pela mentira que vocês cometeram juntos! Que marido não tem ciúmes da mulher que sai semidespida cada vez que haverá fotógrafos? Que marido agüenta discreto enquanto a parceira desfila a calcinha transparente para o Brasil inteiro ver? Quem é que gosta de explicar que aqueles bombeiros sarados só estão agarrando a mamãe porque assim é que se faz em foto pra revista?

Nem sempre nosso Eike foi companheiro, é verdade. Talvez por conceder, mas não agüentar o tranco, tenha preferido poupar-se em muitas ocasiões. Em outras, no entanto, ele estava lá firmão, dando até uma força – todo o mundo viu. E todo o mundo viu também pela cara de tacho do seu marido que os sapos na sua garganta eram amazônicos. São as regras do jogo, e ele as conhece… E você, não escolheu ter um futuro de princesa com o homem que te ama? E não é assim, até para as não-princesas – conceder em alguns lugares para conquistar em outro?

E cá entre nós, Luma, você abriu mão do quê? De posar pelada pra mais cinco revistas, de fazer mais um personagem secundário na novela, de ter uma vida financeira instável? Qual é? O homem é careta e queria você em casa quando ele chegasse à noite? Todos querem. Você topou, e ele não te impediu de trabalhar, a empresa de cosméticos que te pertence aconteceu com o apoio dele, com sua orientação e dinheiro, ou não?

Francamente, acho tudo isso uma idiotice. É patético que os jornais estejam inundados dessa e outras futricas e que eu inclusive tenha me deixado arrastar nessa inconsciência de lama e esteja aqui discutindo a vida alheia. Mas é que no caso da sua união de amor, Luma, sempre tive a certeza de que havia um equívoco quando as pessoas vinham lhe atribuir os preconceitos de praxe. Sempre achei você corajosa ao se expor – era o avesso do recato e sua explosão, sua força e graça vinham de um lugar genuíno que não poderia se mostrar, senão daquela forma mesmo. Eu via um moço bonito, rico, de ‘boa família’ que se encantou pela moça ‘simples’ e exuberante. O moço, que não era bobo, largou um noivado convencional pra casar com a moça cheia de vida e humor. Ele sabia que sua amada não era aprisionável e aprendeu a deixá-la encantar o país com sua arte sem igual na avenida dos excessos. Você é sempre a mais linda do universo naqueles momentos, Luma. Ali todas as mulheres te reverenciam e todos os homens do mundo te desejam. Ele sempre soube disso, e deixava rolar porque sabia, também, que você era dele. E você agradeceu usando a coleira. É tudo muito brega e louco, mas, digam o que disserem, também é lindo pra caramba.

Então, eu tô pouco me lixando pros problemas íntimos de vocês, que não são da minha conta nem de ninguém e fazem parte do pacto entre duas pessoas, e só. Fiquei decepcionada foi com um ideal que meu romantismo imaginou e que ruiu na exposição desarvorada de sua falta de sutilezas. Fiquei triste com o desmoronamento da imagem que fiz, de um amor acima da vulgaridade dos jornais, mais elevado que a boca do povo, um amor que sempre me pareceu saudável e bom e que agora, nessa farsa besta, virou uma bobagem como outra qualquer.

Se há uma atitude digna nessa história, é o silêncio do Eike. Se eu fosse você, Luma, trataria de imitar-lhe um pouco os modos. Se fosse você, cuidaria dessa crise dos 40 num divã de psicanálise, na umbanda, num confessionário ou em qualquer lugar mais recolhido do que as páginas dos jornais. Se eu fosse você, teria na dor a mesma grandeza que você espalha pro mundo naquela avenida. Boa sorte.’



Cora Rónai

‘Entre Luma e o FMI, você fica com quem?’, copyright O Globo, 4/03/04

‘Eu estava tomando café da manhã com os gatos quando vi a notícia da não-gravidez da Luma no alto da primeira página. Levei um susto.

– Gente, o jornal surtou… Teve um caso agudo de Síndrome de Contigo!

Os gatos, que estavam ocupados com outras coisas, mal levantaram os olhos. Obviamente não estavam interessados em discutir nem os problemas da Luma, nem a primeira página do Globo; e eu tive que me reconciliar com o fato sozinha.

Como, uma não-notícia no alto da primeira página?! O pedaço mais importante do jornal dedicado a uma fofoca?! Onde é que nós estamos?! E onde é que isso vai parar?!

Mais tarde, na hora do jantar, encontrei amigos que estavam muito ouriçados com o caso. Luma, o casamento de Luma, a gravidez de Luma, a mentira de Luma: todo mundo estava adorando a história, que se transformou num dos grandes temas da noite e – hoje a gente já sabe – um dos principais assuntos dos jornais do dia seguinte.

Quando voltei para casa, peguei o jornal novamente e estudei as outras notícias: ‘Presidente do Haiti renuncia e foge’, ‘Governo culpa Bangu III por ataque à PM’, ‘FMI acena com a flexibilização de regras de acordo com o Brasil’, ‘Bom jogo, mesmo sem gols’, ‘Tubarão mata um banhista no Recife’, ‘Caso Gtech: CEF acusa funcionários’. OK. Era um dia de não-notícias. E era claro porque não sou eu quem faz a primeira página.

* * *

Fiquei pensando no que me levou a estranhar tanto a Luma como manchete, e cheguei à conclusão de que a questão, verdadeiro iceberg filosófico, está menos na Luma do que no papel da imprensa – e, por tabela, no inconsciente coletivo do país. O que se quer de um jornal, informação ou diversão? É possível ter informação e diversão ao mesmo tempo, ou a diversão atrapalha a informação? A informação deve receber, sempre, um tratamento melhor do que a diversão? Em suma: o jornal tem que estar sempre de terno e gravata, ou pode usar bermuda de vez em quando?

* * *

Eu estava brincando com essas perguntas, que dão panos pras mangas, quando descobri o que havia me incomodado na manchete: confundir informação com diversão. Luma de Oliveira, ainda que tenha nome, endereço e telefone, não existe. Ela é uma figura de ficção tão inconsistente quanto, digamos, a Maria Clara Diniz, e o que diz ou deixa de dizer é tão irrelevante como informação – ou tão interessante como diversão – quanto o que diz ou deixa de dizer a Maria Clara.

Se está grávida ou não está, se o casamento está ou não ameaçado, tanto faz; para todos os efeitos, a vida de Luma é uma espécie de Big Brother que a gente acompanha em capítulos esparsos, uma capa da Playboy aqui, uma reportagem de Caras ali. Há capítulos sem graça e há capítulos especiais, geralmente divulgados durante o carnaval, para manter aceso o interesse popular pela trama. O texto, naturalmente muito menos criativo do que o do Gilberto Braga, é ditado pelo advogado ou pelo assessor de imprensa da ocasião, e não tem, necessariamente, qualquer relação com a realidade.

O grande segredo do ‘produto’, digamos assim, é que, como a Luma é representada por si mesma, a gente às vezes se distrai e leva a sério, confundindo episódios com fatos.

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É impressionante como o Rio está mal cuidado – e, pior, como a gente vai se acostumando com isso! Para qualquer lado que se olhe, a grama está cheia de mato, o concreto está todo quebrado, o asfalto é uma colcha de retalhos; onde há pedras portuguesas as falhas são um risco permanente. Em Ipanema, as cores no chão dos cruzamentos, que seriam alegres se estivessem bem conservadas, viraram um ruído no ambiente, um elemento a mais na poluição geral; no Jardim de Allah, há tanta sujeira no canal que as garças ficam em pé na água. E tome grade quebrada, jardins sujos e fradinhos horrendos, espalhados a torto e a direito, sem nenhum critério.

A violência não se faz só de arrastões, de bandidos desinibidos e de polícia ineficaz, mas também de agressões visuais e ambientais. O descaso das autoridades pela cidade, cada vez mais evidente, não é apenas uma agressão contínua a todos nós, mas também a garantia de que as coisas vão ficar cada vez piores: as gerações que estão crescendo em meio a este caos não têm como adivinhar a paz da beleza, aquele Rio de amor que se perdeu.

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A delegação brasileira junto à ONU vai propor uma resolução que estabelece a discriminação por orientação sexual como violação dos direitos humanos. Não é nada, não é nada, já é alguma coisa. E é, sobretudo, uma postura muito mais civilizada e esclarecida do que a patética cartada de Bush, disposto a provar que é a vanguarda do atraso.’



Artur Xexéo

‘Programa de índio no camarote da cervejaria’, copyright O Globo, 4/03/04

‘Tem algum bobo nessa história. E, pelo visto, não é a Luma. A ex-modelo e manequim, ex-atriz, ex-mulher de empresário – só não teve tempo de ser ex-’BBB’ – Luma de Oliveira acha muito natural reunir a imprensa para dizer que está grávida, ganhar a primeira página dos jornais, 15 dias depois anunciar que está se divorciando, voltar à primeira página, e, um mês depois, procurar a imprensa, mais uma vez, para dizer que era tudo uma farsa. E ganhar a primeira página de novo. Acho natural o interesse da imprensa. Luma desperta curiosidade, gera fofocas e, num mundo em que celebridades não duram mais do que dois meses, o divórcio apimentado de uma ex-modelo e manequim, ex-atriz, ex-mulher de empresário, que consegue manter-se celebridade há quase 20 anos, é notícia em qualquer lugar do planeta. Mas quando esta celebridade, por mais simpática que seja, começa a usar a imprensa para resolver seus problemas pessoais, aí a história é outra. Luma não tem vergonha de dizer que inventou a história de que estava grávida e que, por isso, não poderia desfilar no carnaval para salvar seu casamento. Em outras palavras: vendeu uma notícia falsa para resolver um assunto doméstico. Vou continuar lendo tudo que sai de Luma de Oliveira no jornal. Afinal, não é todo dia que a gente tem a oportunidade de acompanhar as peripécias de uma Jaqueline Joy de verdade, de uma Darlene da vida real. Mas com um pé atrás. Como Jaqueline Joy ou Darlene, Luma é capaz de pagar qualquer mico para aparecer.

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Olha a fita-banana aí, gente! Quem mandou eu dizer que as explicações sobre Pontiac e Moicanos nos levariam para o pantanoso mundo das tribos indígenas dos Estados Unidos? Pois leitor escreve para nos lembrar que Ottawas, Canadas e Moicanos eram as três grandes tribos que ocupavam a área correspondente ao leste do… Canadá ou os atuais estados do Quebec e de Ontário!

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Esta nota não é para os 98% de leitores com formação universitária. Esta é só para aqueles que acompanham a quarta edição de ‘Big Brother’. Algo inusitado está acontecendo na casa. Um dos concorrentes – Zulu – está lendo um livro. É algo tão inusitado que vem mobilizando todos os outros participantes do concurso para ganhar R$ 500 mil. Não é um livro qualquer. É um livro sobre os vikings com ilustrações que ocupam páginas inteiras. O fato de ser ilustrado tem feito com que todos os outros moradores da casa dêem, pelo menos, uma folheada no tal livro. Mas, de um modo ou de outro, todos têm participado desta tarefa hercúlea de Zulu.

– E aí, já está na página cem? – pergunta Rogério, o jardineiro de cemitério.

– Não. Ainda estou na página 75 – admite Zulu, depois de três dias de intensa leitura.

Mesmo assim, o fato de Zulu ter chegado à página 75 provoca admiração em todos.

– Já leu dois capítulos? – indaga Marcelo Dourado, o lutador de vale-tudo.

– Não – ofende-se Zulu. – Já li quatro capítulos – corrige, enquanto descansa numa chaise longue do trabalho de passar da página 75 para a página 76.

Não há mais dúvidas: tem um intelectual no ‘BBB’.’