Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marcelo Beraba

‘Aumentou muito o número de leitores que escrevem para o ombudsman reclamando de erros de português na Folha. No ano passado, foram 65 mensagens; neste ano, 116 até sexta-feira. As reclamações apontam, principalmente, erros de concordância, de crase e de ortografia. ‘Incrível a quantidade de erros de português em textos da Folha’, escreveu a leitora Dirce Pranzetti em novembro. ‘Já deu até para se acostumar com tamanhas barbaridades, mas (…) foi difícil engolir a palavra acento designando o assento de uma cadeira.’

Os números oficiais confirmam que o jornal vai mal nesse quesito. Neste segundo semestre, que ainda não terminou, a Folha cometeu uma média diária de 0,80 erro por coluna de texto, quase cinco erros por página, um total de aproximadamente 150 erros por dia.

Esse número inclui erros de português, de digitação e de padronização. Os de padronização são relativos às regras de estilo criadas pela própria Folha. Um exemplo: o jornal usa algarismos arábicos, e não romanos, nos nomes de soberanos e papas. Se sai publicado o nome do novo papa grafado com algarismo romano, isso é considerado um erro.

A maioria dos erros é de português. Os erros de grafia, que explodiram logo depois do fim do setor de Revisão, em 1984, são hoje mais raros devido à ajuda do programa de corretor ortográfico do sistema editorial.

Histórico

Antes de passar para os números, um breve histórico.

A Folha começou a fazer um controle diário de erros de português no início da década de 1980, antes mesmo da implantação do Projeto Folha (1984), que definiu seu jornalismo como crítico, moderno, pluralista e apartidário.

O jornal foi o primeiro meio brasileiro a se informatizar, em 1983. Em 9 de fevereiro de 1984, extinguiu seu setor de Revisão, por onde passavam todos os textos jornalísticos antes de serem publicados. Com a informatização, todos os jornais foram terminando com a Revisão.

Um dado da evolução dos jornais: a Folha cometia uma média de 25 erros de português, de digitação e de padronização por dia até a extinção da Revisão. Esse número pulou nos dias seguintes para 300 por edição, até se estabilizar em torno de cem. Carlos Eduardo Lins da Silva registra, no livro ‘Mil Dias’ (Editora Trajetória Cultural, 1988), uma média diária de 32 ‘erros grosseiros de gramática’ em fevereiro de 1987.

Com o novo projeto editorial, de 1984, o levantamento diário de erros passou a circular na Redação em forma de planilha, com a identificação dos erros e de sua autoria, e foi incorporado a várias outras medidas que tinham como objetivo acompanhar com método o desempenho jornalístico da Redação e permitir uma avaliação do seu progresso. Como conseqüência do mapeamento diário dos erros, o jornal passou a definir metas a serem alcançadas e criou programas de reciclagem com cursos de português.

Esse sistema permaneceu ativo ao longo de duas décadas. Em 1996, o jornal deu um passo adiante ao criar o Programa de Qualidade, responsável não só pelo levantamento diário mas também pela elaboração de estratégias para atacar os erros mais freqüentes e auxiliar editores, redatores e repórteres nas dificuldades da língua.

Esse programa pioneiro sofreu um grande impacto em julho do ano passado, quando o jornal, por questões financeiras, cortou dezenas de profissionais na Redação e, entre outras medidas drásticas, incorporou o Programa de Qualidade à Editoria de Treinamento, que passou a se chamar Editoria de Treinamento e Qualidade.

O Programa de Qualidade foi reduzido, então, de 24 para seis profissionais, incluindo um professor de português, e houve mudanças na metodologia de contagem de erros. O jornal manteve seus cursos de português (foram quatro neste ano), mas suspendeu o levantamento detalhado dos tipos de erros cometidos, o que dificultou a programação de uma estratégia de combate.

As adaptações do controle à redução da equipe não alteraram, no entanto, a contagem final dos erros. Os números de 2004 e 2005 podem ser comparados com a série histórica do jornal e não são nada bons.

No jornal desde 1968, sobrevivente da equipe de Revisão e do Programa de Qualidade, Benedito Carlos de Almeida garante que os erros mais comuns são os de pontuação (vírgulas), concordância e regência.

Erros

O jornal teve uma média diária de 0,62 erro por coluna em 2003, quase quatro erros por página. No início de 2004, o Programa de Qualidade definiu uma meta aceitável de até 0,52 erro diário por coluna de texto. O primeiro semestre fechou com uma média igual à de 2003, 0,62. Em julho, ocorreram os cortes na Folha que reduziram as equipes. No final do ano, a média do segundo semestre foi de 0,65 erro por coluna.

Diante das dificuldades provocadas pelos cortes e devido à redução da equipe de Qualidade, o jornal suspendeu a definição de metas para 2005. Os erros continuaram a crescer.

Em janeiro, a média diária deu um salto para 0,82 (cerca de cinco erros por página) e o primeiro semestre terminou com uma média de 0,71. Em julho e agosto, esse índice foi de 0,78, em setembro, pulou para 0,84 e em outubro, ficou em 0,83. Em novembro, houve uma queda para 0,76 (-9% em relação a outubro), mas ainda assim é um índice muito alto.

Onde mais se erra é nas editorias diárias. Elas estão com equipes menores e com fechamentos mais complicados, o que aumenta a possibilidade de erros.

As editorias Brasil (que engloba política e o noticiário nacional), Mundo e Esporte estão com uma média diária, neste segundo semestre, sem contar o mês de dezembro, de aproximadamente um erro por coluna de texto, ou seis erros por página.

Mesmo a Primeira Página, principal vitrine do jornal, tem um índice relativamente alto: 0,27 erro em novembro e 0,25 no semestre.

Atenção

E o que a Folha acha do problema? Recebi do jornal o seguinte texto:

‘A Secretaria de Redação afirma estar atenta ao aumento do número de erros no jornal e lembra que o controle que a Folha faz é provavelmente único no Brasil. A Folha tem uma equipe, embora enxuta, dedicada apenas a quantificar os erros do jornal, um professor de português que dá assistência diária aos jornalistas e produz memorandos comentando os erros do dia, além de, todo ano, promover cursos de gramática e estilo para jornalistas’, afirma Suzana Singer, secretária de Redação da área de edição.

Tenho certeza de que o jornal está preocupado. O controle de erros de português sempre foi uma prioridade da Folha. Mas o controle é apenas uma ferramenta. A dificuldade é enfrentar um problema desse tamanho com equipes pequenas e sobrecarregadas de trabalho e com restrições orçamentárias. O jornal precisa reverter com urgência esse quadro. O único caminho que vejo é o de voltar a investir na Redação.

A Folha erra mais do que seus concorrentes? Não tenho os dados do ‘Globo’ nem os do ‘Estado de S. Paulo’ para comparar. Estudos feitos em outros períodos mostraram que a Folha tinha índice de erro menor, mas são estudos antigos. O que importa, no entanto, é que o jornal erra muito e que a quantidade de erros afeta a qualidade de um jornalismo que se pretende moderno. E não há nada mais moderno do que um texto em bom português.’