Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mídia sem Máscara

LEITURAS DO ESTADÃO
Nivaldo Cordeiro

Más notícias com vaselina

‘O leitor do Estadão só descobrirá que o Brasil está na segunda recessão técnica no reinado de Lula em notinha escondida ao pé de página.

Não teve jeito, a recessão que se instalou no Brasil teve que ser anunciada pelo Estadão, o que fez muito a contragosto. ‘Investimento desaba, mas consumo segura PIB’, foi a manchete desta quarta feira (10). Comparemos com o que a Folha de São Paulo deu: ‘Brasil em recessão’, algo simples, singelo, informativo, sintético, sem uso da conjunção adversativa.. Eu fico a imaginar a angústia diária dos fabricantes das manchetes estadônicas, tendo que dizer o que lhes está proibido. Esses profissionais deveriam receber adicional de insalubridade, porque mentir descaradamente e ocultar a verdade de forma sistemática deforma até a alma do vivente, além do caráter.

Quem sabe das coisas do mercado é meu amigo Dalsom, um neto de italianos que tem uma indústria no ABC. Veio tomar café comigo ontem e, quando lhe perguntei como está o mercado, sua resposta foi lacônica: ‘Péssimo. Estou com meus operários todos parados, nenhuma encomenda para atender’. O fabricante de manchetes do Estadão deveria consultar gente como o Dalsom, que faz o mercado, que produz e que é fonte genuína de notícias. Mas preferem perguntar para os áulicos do Planalto o que devem escrever. É um caso radical de anti-jornalismo chapa-branca.

O leitor do Estadão só descobrirá que o Brasil está na segunda recessão técnica no reinado de Lula em notinha escondida ao pé de página. Um desrespeito ao leitor, como se vê, mas um serviço aos poderosos do dia, que querem porque querem exorcizar a crise pelo singelo método de vaselinar as manchetes estadônicas.

A anestesia continua no Caderno de Economia. Vejamos o trecho, exaltando o crescimento do consumo: ‘O resultado surpreendente deu alento às perspectivas da economia em 2009 e está levando a uma correção para cima nas projeções do PIB deste ano. Agora, para que o crescimento seja zero em 2009, o PIB deve crescer 0,6% nos três últimos trimestres, ante igual período do ano anterior. Já uma expansão de 1,9% de abril a dezembro levaria o PIB a crescer 1% no ano, e a expansão de 3,2% levaria ao crescimento de 2%’.

Se o passado não é bom, as pitonisas do Estadão passam a nos assegurar que o futuro será radiante. Olho ao meu redor e vejo que nada assegura que teremos recuperação no segundo semestre, tudo está nas mãos do imponderável, até porque a crise econômica internacional está longe de ser superada. O mais razoável é supor que as coisas continuarão complicadas e um crescimento negativo do PIB é o cenário mais provável, acompanhando o que vai acontecer nos EUA, na Zona do Euro e no Japão, sem falar na notável desaceleração da economia chinesa.

Para 2010, então, as previsões estadônicas tornam-se ainda mais alvissareiras. Toda gente sabe do fetiche petista pelas estatísticas, sempre que podem tentam ‘provar’ a bondade e a santidade de seu governo com números. Se o que se observa no passado depõe contra o PT, então o negócio é prever otimisticamente o futuro. Nada melhor do que uma matéria estadônica para sacramentar os bons augúrios. ‘O resultado do PIB no primeiro trimestre, de queda de 0,8%, foi melhor que o esperado pelos economistas, que já veem nos números divulgados ontem pelo IBGE os primeiros sinais de que o País está saindo da recessão’.

Esse é um dos mais flagrantes e descarados empregos da novilíngua que já vi. Cair é subir, recessão é prosperidade. Ou, falando como um genuíno caipira que sou: ‘Está ruim, mas está bom’. Meu caro leitor, ler o Estadão é desaprender sobre a realidade das coisas.’

 

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A cruzada estadônica

‘O editor estadônico não quer saber da parte ruim da análise do consultor. Fez a manchete como se se tratasse de um fato consumado e não de uma previsão sujeita a imponderáveis de toda sorte.

Eu adoro ler o Estadão, pois é inevitável terminar a leitura de bom humor. Rio-me de suas manchetes. Tenho sempre nelas um mote a explorar para o nosso Media Watch, brinde de seus dedicados editores. Ao leitor desavisado o resultado da leitura pode ser ainda mais alentador, se aceitar com credibilidade as manchetes e as matérias otimistas do vetusto jornal, coisa que o leitor do Mídia Sem Mascara não pode fazê-lo. O leitor desavisado vai achar, lendo-o, que o Brasil e o mundo e ele mesmo terão um futuro brilhante, ainda que os dados objetivos da realidade informem precisamente o contrário. Mas quem se importará com os fatos, senão os leitores do MSM ou os da minha própria página pessoal? Tudo que o Estadão produz tem o duplo objetivo de exaltar a administração de Lula e exorcizar a crise econômica, mesmo que ao preço de faltar com a verdade.

Todo dia pela manhã, em minha religiosa rotina, deparo-me com a edição diária a me olhar com olhos de esfinge, fazendo-me a pergunta imortal do Groucho Marx: ‘Em quem você vai acreditar? Em mim ou nos seus próprios olhos?’ Claro que, de há muito, esse papel sujo não me engana mais, a mim que prefiro acreditar nos fatos e não em mentiras impressas.

Eu quero falar da edição domingo (7), que mantém a cruzada permanente de ser o portador das boas notícias, em ajuda permanente à causa petista. Manchete principal de capa: ‘Consumo terá reforço de 100 bi’. Não é uma maravilha? Manchete principal do Caderno de Economia repete a chamada de capa: ‘Consumo terá reforço de 100 bi’. Não satisfeito, o editor fez uma manchete secundária: ‘Consumo vai bancar a recuperação’. Nas palavras do Estadão:

‘O consumo das famílias e do governo deverá ser responsável por 100% do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo semestre deste ano. Da expansão de 2,2% no PIB prevista para o período, em relação ao segundo semestre do ano passado, o consumo das famílias deverá representar 1,4 ponto porcentual, aponta a consultoria MB Associados. O restante (0,8 ponto porcentual) virá do consumo do governo’.

Convenientemente o jornal se reporta a uma consultoria externa, de duvidoso valor heurístico e não devidamente qualificada. A MB Associados tem como um dos executivos o José Roberto Mendonça de Barros, que na mesma edição é o entrevistado de destaque, recebendo uma página inteira para suas longas respostas. Diga-se que na entrevista o tom ufanista da previsão estadônica é moderado pela previsão de que a dinâmica de comportamento da economia mundial venha ter a forma de W, isto é, queda seguida de recuperação e nova queda abrupta. Algo sensato e razoável como análise, que o economista é dos mais brilhantes.

O editor estadônico não quer saber da parte ruim da análise do consultor. Fez a manchete como se se tratasse de um fato consumado e não de uma previsão sujeita a imponderáveis de toda sorte. A MB Associados não endossaria o tom ufanista dado às suas conclusões analíticas, a dar crédito à entrevista de seu principal executivo.

Eu arriscaria dizer que as famílias brasileiras serão cada vez mais conservadoras nos seus gastos e terão cada vez maior propensão a poupar e maior aversão ao endividamento. Eu mesmo tenho dito a isso a quem me perguntar, que deve ser prudente ao gastar e fugir como puder de qualquer forma de endividamento. O futuro de curto e médio prazos é muito incerto. A análise da MB Associados parte do discutível suposto de que uma maior oferta de crédito encontrará demanda automática. Penso que isso é ainda uma hipótese sujeita à confirmação e não creio que venha a ser confirmada.

Se você, caro leitor, quiser ser bem informado, não leia o Estadão. Leia o Mídia Sem Máscara.’

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