Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ministro confirma na Câmara sua preferência pelos japoneses

A reunião da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados sobre TV Digital com o ministro das Comunicações, Hélio Costa, na terça-feira (31/1), confirmou dois pontos básicos sobre o assunto: há muito o que discutir antes de escolher o padrão que o Brasil vai adotar; o ministro defende a tecnologia escolhida pelos radiodifusores.

Parlamentares que participaram da reunião com o ministro acenaram para a necessidade de debater o modelo brasileiro de TV Digital dentro do Congresso Nacional. A deputada Luíza Erundina (PSB-SP) avaliou a audiência como positiva, mas espera que Hélio Costa apresente os relatórios dos consórcios, conforme prometeu fazer, ‘assim que forem finalizados’. Ela criticou o fato do ministro separar as questões de tecnologia dos outros aspectos envolvidos na definição. ‘Essa é uma decisão essencialmente política, que se refere à independência, à autonomia, a estratégias para o desenvolvimento do País. Tem que se considerar toda essa dimensão’, avalia.

Erundina salientou que é preciso estudar um modelo para o Brasil que vá muito além do viés técnico e da contrapartida comercial. ‘É um assunto muito sério. Estamos discutindo o futuro do país, tratando da inclusão digital, da inclusão social. Não podemos nos ausentar do debate’, defende a deputada, que não quer a discussão estendida indefinidamente, mas apenas num prazo mais razoável para que seja aprofundada. Esse é um entendimento compartilhado com outros parlamentares, como o deputado Walter Pinheiro, por exemplo, ouvido pelo E-Fórum [leia aqui], que também participou da reunião com Costa, onde pediu mais prazo para que seja tomada ‘uma decisão de Nação, e não de governo’. As últimas notícias sobre as negociações dão conta de um possível atraso na definição, por conta da viagem do presidente da República à África. Hélio Costa disse que a decisão sobre o padrão será de Lula, e ele deverá retornar ao país apenas no dia 12/2.

O coordenador-geral do FNDC, Celso Schröder, assistiu à reunião em Brasília e ficou preocupado com a afirmativa do ministro em colocar a técnica precedendo a política. ‘É uma óbvia contradição. Prova que o princípio do questionamento do Fórum continua valendo’, diz. Como aspectos positivos, nas declarações de Hélio Costa, Schröder apontou a preocupação em regular a atuação das teles, a defesa da necessidade de uma legislação apropriada para as comunicações, no Brasil, e o reconhecimento da convergência como um caminho inexorável. Segundo Schröder, entretanto, Costa deixou transparecer, em comentários irônicos, um tensionamento com a Casa Civil da Presidência da República.

O deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP) disse que, na audiência, Hélio Costa colocou seus próprios pontos de vista. Ele acredita, entretanto, que as negociações tenham avançado e aponta como uma das conquistas o anúncio de que o consórcio japonês garantirá assento a um representante brasileiro em seu fórum de desenvolvimento do padrão ISDB. ‘Isso significa que, caso seja este o padrão escolhido, haverá um representante nosso no grupo que terá a decisão sobre o modelo de digitalização para o Brasil’, reflete. Outro anúncio positivo, na opinião do deputado tucano, foi o reconhecimento pelos japoneses do middleware desenvolvido no Brasil. ‘Eles admitiram que poderão utilizá-lo em seu padrão’, lembra Semeghini. O deputado aponta como uma falha, do ponto de vista de negociação, o fato de Hélio Costa antecipar sua preferência. ‘Dificulta nossas condições de avançar’, avalia. O deputado relata que a Câmara está recebendo os representantes dos consórcios americano e europeu, e que as exposições têm sido bastante esclarecedoras. ‘Temos boas condições de negociar. Precisamos tempo’, conclui.

Novas ofertas

Depois da audiência pública de terça-feira, a mídia noticiou uma série de novas ofertas dos consórcios internacionais responsáveis pelo padrões. De acordo com o site Tele Síntese, o Japan Bank of International Cooperation estaria disposto a abrir uma linha de crédito superior a 400 milhões de euros em caso de adoção do padrão daquele país. Os japoneses também ofereceram, de acordo com o site Tela Viva, incorporação no ISDB dos avanços conseguidos por pesquisadores brasileiros, não cobrança de royalties e garantia de presença de técnicos nacionais no comitê de desenvolvimento do sistema.

Os europeus também fizeram proposta semelhante. De acordo com matéria da Folha de S.Paulo publicada na quinta-feira (2/2), Viviane Reding, comissária para Mídia e Sociedade da Informação da Comunidade Européia, ofereceu ‘colaboração para pesquisa e desenvolvimento nas universidades e indústrias brasileiras para construir aplicativos específicos para as necessidades do país’, além de participação no Fórum DVB, retorno de 100% dos royalties em investimento em ciência e tecnologia, e um empréstimo de até 400 milhões de euros para pesquisa. Isso geraria, segundo Reding, aproximadamente 9 mil empregos diretos e 23 mil empregos indiretos para o Brasil nos próximos dez anos.

Diante de tantas ofertas, a proposta dos americanos parece demasiado modesta: segundo o jornal O Globo, o Brasil ganharia apenas 50% de desconto nos royalties caso adote o padrão ATSC. Para o deputado Semeghini, ainda há espaço para mais ganhos. ‘Os representantes de todos os consórcios estão no Brasil, temos que aproveitar a oportunidade para negociar ao máximo’, diz.

Mais pressão

Na audiência de terça (31/1), o ministro colocou uma saia justa no presidente Lula. Ao defender o padrão japonês para a TV Digital, ele comparou a decisão que o presidente irá tomar ao ato de marcar um gol. Este poderá ser ‘um gol de placa, um gol qualquer, ou um chute para fora’, referiu. Em sua comparação, Costa afirma que deixou a ‘bola na linha do gol’, e que caberá ao presidente chutá-la num desses três estilos. Segundo o ministro, o gol de placa é japonês. Essa, inclusive, foi uma das afirmações de Costa que a edição do Jornal Nacional escolheu, naquela mesma noite, ao veicular notícia sobre o encontro do ministro com os parlamentares [leia aqui].

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Jornalista, da Redação FNDC