Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ministro incomodado com modelo proposto pelo CPqD

O documento que apresenta o modelo de referência para o Sistema Brasileiro de
TV Digital, produzido pelo Centro de Pesquisa em Desenvolvimento e
Telecomunicações (CPqD), não agradou o ministro das Comunicações, Hélio Costa,
porque desmonta tecnicamente os argumentos dos radiodifusores pela adoção do
padrão japonês e analisa os demais aspectos envolvidos na introdução da
tecnologia digital no rádio e na TV. O ministro tentou, em vão, não trazê-lo a
público. Após o vazamento dos seus conteúdos para a imprensa especializada, na
quinta-feira -(16/2), Costa voltou atrás e afirmou que vai divulgá-lo. Resta
saber o que será feito do debate provocado pela Câmara dos Deputados uma vez que
o governo decidiu mais uma vez acelerar esse processo de decisão sem consultar a
sociedade e pode até regulamentar a TV Digital por decreto ou medida
provisória.


Uma leitura inicial do documento de 141 páginas feita pelo editor Samuel
Possebon, de TelaViva e Teletime News – sites que tornaram público
o estudo do CPqD – revela a complexidade do trabalho realizado pelo centro de
Campinas junto com os 20 consórcios de universidades que estudaram e
desenvolveram soluções nacionais para as diversas camadas do Sistema Brasileiro
de Televisão Digital (SBTVD). O texto também resume as principais sugestões da
instituição para os modelos de implantação e exploração do sistema, bem como o
impacto econômico da transição, detalhando realmente seu custo e os atores que
pagarão a conta (clique
aqui
  para ler a reportagem de Tela Viva


Assim que soube do conteúdo do relatório, o ministro das Comunicações, Hélio
Costa, chegou a afirmar que não o tornaria público, repassando diretamente ao
presidente Lula. Produzidos com recursos públicos, alguns relatórios do CPqD
foram divulgados (quatro deles estão no site do FNDC). Outros anunciados
acabaram não sendo apresentados à sociedade. Esse seria o destino do principal
deles, o modelo de referência, não fossem as publicações especializadas. Até o
fechamento desta edição, o site do Minicom na internet disponibilizava apenas
cinco dos 20 relatórios dos consórcios de pesquisa. Três deles tratavam do
subsistema de modulação (dois do Mackenzie e um da PUC-RS), um do middleware
(PUC-RJ) e um do terminal de acesso (PUC-RS) (conheça-os clicando aqui). A justificativa do
Minicom para a omissão dos demais relatórios é de existirem ‘algumas restrições
indicadas pelos consórcios, por conta de direitos de propriedade intelectual e
sigilo industrial. Assim, por direito e respeito à comunidade científica
nacional, o Ministério acatou essas considerações’.


Críticas ao CPqD


Após a divulgação do modelo de referência por Tela Viva, o ministro
voltou atrás e afirmou que ‘é um dever publicá-lo’, que vai fazê-lo, mas precisa
de um tempo para analisá-lo melhor. ‘A indecisão do ministro nos faz acreditar
que o documento integrador dos relatórios sinaliza contrariamente ao que ele
quer, que é referendar o padrão japonês. Desde sua posse, em julho do ano
passado, Hélio Costa vem incidindo na decisão do modelo brasileiro de TV
digital, inibindo o debate, simplificando as características que envolvem a
escolha, anunciando sua preferência’, analisa o coordenador-geral do Fórum
Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Celso Schröder, membro do
Comitê Consultivo do SBTVD e do Conselho de Comunicação Social.


As impressões de Schröder se justificam nas críticas que Costa tem feito ao
trabalho do CPqD nas últimas semanas. De acordo com matéria publicada na
Folha Online (quinta, 16/2), o ministro teria encontrado ‘incoerências’
nos relatórios, reclamou do atraso na entrega dos trabalhos e minimizou a
importância do documento ao reduzi-lo a apenas ‘um relatório que apresenta os 20
trabalhos. Não tem a obrigação de integrar nada, ele tem a obrigação apenas de
ser um subsídio de tudo aquilo que foi feito pelos consórcios.’ Na mesma
quinta-feira, o ministro acabou novamente voltando atrás de uma declaração dada
na quarta, quando informou ao site Teletime News que o ‘o Brasil
começaria utilizando um dos padrões de televisão digital desenvolvidos
internacionalmente sem incorporar as mudanças propostas pelos pesquisadores
brasileiros’.


Crescem especulações


As conclusões das pesquisas, que não referendam o padrão de modulação
preferido dos radiodifusores como o mais adequado para as necessidades do
Brasil, podem significar um balde de água fria na hipótese de o governo estar
privilegiando a interlocução com as emissoras de TV, como é ventilado em
Brasília e nos setores que acompanham de perto o debate em torno do SBTVD. Essa
especulação teria ganhado força depois do encontro dos empresários de mídia com
a cúpula do governo, na quarta-feira, e novas declarações de Costa afirmando que
seria mantido o cronograma original, ou seja, que o Brasil teria a estréia da TV
Digital no dia 7 de setembro. Outras fontes do e-Fórum informam que Costa
deverá deixar a pasta para concorrer a um cargo eletivo mas que não queria sair
do governo sem ser reconhecido como o ‘pai’ da TV Digital brasileira.


Projeto nacional abandonado


Para Schröder, o governo vem demonstrando ambigüidades nas negociações de
bastidores com os lobbies dos três padrões em disputa (ATSC, DVB e ISDB).
‘Lamentavelmente, tenho certeza de que a escolha do SBTVD não foi protelada em
função de um projeto nacional que considere toda uma cadeia de valor, inclusão
digital e social, como previa o decreto que o criou, mas devido à dificuldade do
governo em decidir entre os modelos de negócios oferecidos pelos concorrentes’,
diz. Representantes das tecnologias americana e européia, que não são as
preferidas de Hélio Costa, continuam no páreo e confirmam disposição para o
negócio.


A atuação dos lobistas parece dividir internamente o governo, que através de
diferentes ministérios sinaliza movimentos ambíguos ao fornecer informações e
contra-informações, ao declarar ora acordos já feitos, ora que ainda não se
apropriou suficientemente do assunto. Apesar de ter para sua pasta a
responsabilidade sobre os estudos e discussões acerca do SBTVD, e de passar as
informações oficiais sobre o assunto, o ministro Hélio Costa tenta nunca falar
em definitivo pelo governo brasileiro.


Europeus defendem democratização


Representantes da Coalizão DVB Brasil, que reúne as indústria européias
Nokia, Phillips, Siemens, Rohde&Schwarz, STMicroeletronics e Thales,
continuam interessados em casar os interesses de suas empresas com os do Brasil.
Segundo Braz Izaías da Silva Júnior, diretor de desenvolvimento da
STMicroeletronics, na TV Digital, só um caminho não leva ao DVB, ‘é o caminho do
monopólio’, diz. Interatividade, modelo de negócios, inclusão social, apoio às
importações, tudo isso está contemplado no padrão aberto europeu, segundo Braz.
Mário Baumgarten, diretor de Tecnologia da Siemens no Brasil, defende que os
melhores ‘cérebros’ brasileiros deveriam se debruçar sobre a quebra dos
paradigmas. ‘Temos que perceber a janela de oportunidades que se abre e
desenvolver trabalhos a partir do que já foi feito, ampliar, melhorar o que já
existe. O DVB é um padrão aberto, próprio para isso. O Brasil tem que se
esforçar, tem que ter mais do que técnica, tem que ter disposição política’, diz
Baumgarten.


Revolução pela TV


Baumgarten descarta a alta definição em detrimento da abertura de novos
canais. ‘High definition só faz sentido a partir de uma tela de plasma de 42
polegadas. Nas televisões brasileiras, onde a maioria são 14 ou 20 polegadas, é
irrelevante’. Ele aponta como grande diferencial a ser explorado pelos
pesquisadores brasileiros, no mercado digital, o desenvolvimento da
interatividade, que culmina na transformação da TV em computador. ‘Isso nos
trará uma condição interessante de inclusão social e ainda pode agregar
royalties. A grande oportunidade tecnológica, neste momento, é transformarmos a
televisão em computador. Afinal, o mundo interativo ocorre no computador, e se
for levado à televisão, estará disponível para a população mais pobre, que não
pode comprar um PC’, avalia. ‘Nunca vi, em 30 anos, uma oportunidade
dessas’.


Portabilidade do ATSC


Representante no Brasil do padrão americano ATSC, Sávio Pinheiro garante que
a tecnologia financiada por uma empresa coreana está no páreo cada vez mais, à
medida em que o governo se mostra interessado por detalhes técnicos,
operacionais, de desenvolvimento de sistemas. ‘Temos o melhor preço, a melhor
tecnologia e estrategicamente, as melhores condições para a exportação, depois.
O que o ATSC ainda não tem mas terá em breve, é a portabilidade’. Pinheiro
garante que a portabilidade já está sendo desenvolvida, nos EUA, e, se houver
interesse por parte do Brasil, poderá ser apresentada em meados deste ano.
‘Temos a sensação de que o governo entende o que está em jogo, dos elementos que
concorrem e aguardamos solicitações para dar continuidade às negociações’,
disse.

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Da Redação FNDC