Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Nelson Ascher

‘O ‘Folhetim’ foi, durante cerca de uma década, o suplemento semanal de cultura da Folha. Editá-lo era a tal ponto uma mistura instável de prazer e exasperação que raros (entre os quais não estava este colunista) agüentavam fazê-lo por mais de um ano. Recompensas não faltavam: por exemplo, a possibilidade de ser o primeiro a descobrir e divulgar textos e autores relevantes, pôr determinados conceitos em circulação antes dos competidores, influenciar a pauta daquilo que os formadores de opinião discutiriam nos próximos dias ou semanas.

No que diz respeito ao desgaste, talvez sua principal fonte fosse atuar como interface entre meios de comunicação de massa e a intelectualidade acadêmica, entre jornal e universidade, algo que, aliás, justifica a existência de cadernos ‘high brow’, às vezes esotéricos demais para muitos leitores. Pois, por um lado, a intelectualidade deseja amiúde se dirigir a uma audiência maior que a das salas de aula, mais imediata que a dos freqüentadores de obras especializadas. Por outro, um jornal se beneficia ao colocar à disposição do público, além do noticiário, ensaios densos e complexos que o inspirem ou ajudem a pensar. Idéias, afinal, também são notícia.

Quem, todavia, desempenhe o papel de interface, tentando erguer pontes que, transitáveis, liguem instituições, ambientes e pessoas de naturezas distintas, acaba servindo de mediador num conflito que, não obstante sua baixa intensidade, é perpétuo, arquetípico, e se sente, portanto, obrigado a explicar ou, pior, defender as características de um dos lados perante o oposto. Correndo o risco de ser considerado um ‘traidor’ por ambos, um servo de dois amos rivais, convive esquizofrenicamente na prática com ritmos desiguais de produção, com rotinas quase antagônicas de trabalho, com pressupostos, objetivos e expectativas não coincidentes. E, cada vez que tal empenho de harmonização fracassa, adivinhem quem é que paga pelos desencontros…

O suplemento costumava reservar sua contracapa para a poesia (original ou traduzida) e, tendo em vista que esta nem é uma das dez atividades favoritas do país, nem seus mais altos praticantes nacionais beiravam o fundo que fosse da lista dos livros mais vendidos, não deixa de surpreender que o número de voluntários à página derradeira sempre superasse o de todos os demais. Se artigos banais sobre filosofia ou história tinham, amiúde, de ser arrancados a fórceps, o assédio de poetas veteranos, principiantes e amadores mal poderia ser contido por vidros à prova de balas, guarda-costas truculentos, secretárias humanas e/ou eletrônicas.

Para agravar a situação, se ocorresse que, digamos, uma sumidade qualquer, um catedrático de direito ou economia, tivesse oferecido um ‘paper’ sobre temas de sua especialidade e esse fora rejeitado, ele o encaminhava, sem rancor ou mágoa excessiva, a outra publicação. Mas, se um desses catedráticos ou, quem sabe, até um Nobel de física, química, medicina enviasse à Redação seu soneto piegas de pés quebrados, sua trova amorosa saturada de lugares-comuns embaraçosos e rimas pobres, sua balada de protesto com mais palavras de ordem que arte ou coerência, e caso esse tour acidental e acidentado pelas escarpas do Parnaso viesse (com a boa intenção de poupar ao autor constrangimentos vindouros) a lhe ser gentilmente desaconselhado, então o responsável, ferindo suscetibilidades insuspeitadas, conquistava uma inimizade duradoura.

Já um Drummond e um João Cabral (se bem que não a média de nossos atuais bardos médios) provavelmente reagiriam com indiferença, se não com humor, a rejeições similares. Assim, quando perguntei a um poeta de verdade (e que depois ganharia o Nobel literário, premiação que, na época, melhorou a reputação da Academia Sueca) sobre as razões pelas quais, numa reedição recente, eliminara os dois versos finais (que me agradavam) de um poema seu, ele se desculpou honestamente: ‘Porque eram ruins’.

Thomas Mann, nos contos de juventude, dissecou impiedoso a mescla de fascínio sincero e falta ignorada seja de talento, seja de aprendizado, que leva um diletante inteligente, aventurando-se por territórios dos quais a autocensura sóbria recomendaria distância, a se cobrir de ridículo num lapso desnecessário e evitável. Equívocos tais em geral decorrem de uma paixão não de todo correspondida pelas obras criativas, paixão esta que induz ótimos leitores (ou ouvintes, espectadores etc.) a supor que sua própria intensidade substitui a experiência ou treino que tomariam como pré-requisitos mínimos nas respectivas profissões.

E, embora se saiba que, numa era complacente como a nossa, um ‘faux-pas’ estético não carrega mais consigo sanções tão onerosas como as de antigamente, tampouco é difícil constatar que, envolvendo ‘mistérios’ ancestrais, apartando iniciados de leigos, remetendo obscuramente a inseguranças relacionadas com o intelecto, o berço, a auto-estima e Deus sabe mais o quê (ou como), as questões de gosto, longe de terem sido eclipsadas pelas sérias ou rigorosas, preservam intacta sua latência ameaçadora.

Poucos são capazes de perder com graça uma argumentação objetiva, nem são tantos os que se mantêm impassíveis tão logo percebem (ou se por desgraça lhes for apontado) que cometeram deslizes de lógica ou informação. O pavor de trair um gosto duvidoso basta, no entanto, para tornar circunspecto o mais loquaz dos exibicionistas, se não na primeira ou segunda, decerto lá pela terceira gafe. Cruel? Sem dúvida e, por isso mesmo, essa é a prova cabal de que ainda vivemos numa sociedade civilizada.’



MÍDIA & CULTURA
Carlos Chaparro

‘Se há notícia, para quê o anúncio?’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 25/11/05

‘O XIS DA QUESTÃO – A Virada Cultural, que por 24 horas encheu São Paulo de festa, arte e lazer, só cresceu e empolgou a cidade quando a mídia jornalística descobriu o evento e passou a lhe dar importância. O dinheiro gasto em publicidade pouco ou nada contribuiu para o enorme sucesso do evento. O que reforça a convicção que, na esfera pública, onde há notícia não deve haver publicidade.

1. Show na praça

Alguns artistas só deveriam se exibir em praças e parques onde coubessem multidões, e remunerados por mecanismos que dispensassem o ingresso pago. Para que o povão os pudesse assistir de graça. Tamanha maluquice me ocorreu domingo passado (20 de novembro), quando, no Vale Anhangabaú, em São Paulo, assisti ao show desse artista brasileiro, rigorosamente singular, chamado Antônio Nóbrega. No ritmo exigido em cada momento do repertório e do show, ele vai do frenético ao suave, com alternâncias surpreendentes. Compondo uma totalidade que se irradia pelo público, Nóbrega canta, dança e toca (vários instrumentos) com talento e entrega emocionantes. E justifica plenamente a calorosa retribuição em aplausos.

No show de Antônio Nóbrega, porém, o povo não cumpre apenas o papel de aplaudir. O povo faz a festa. Porque essa é a proposta do show: que o povo faça a festa. Na noção de espetáculo de Antônio Nóbrega, a praça é parte fundamental do todo. Como se fosse a expansão do palco. E o artista a ocupa também, não para se mostrar, e sim para que o povo se mostre.

Mas nem só de talento e entrega se faz a arte de Antônio Nóbrega. Ele impõe domínio erudito ao muito que faz – e nisso se inclui a arte e o vigor dos movimentos de um corpo por inteiro integrado ao ritmo, para a plena ocupação dos espaços. Que, como já se disse, não se limitam aos espaços do palco.

A vertente erudita de Antônio Nóbrega, porém, ele a disfarça, quase a esconde. Quem domina o palco não é o pesquisador e professor da Unicamp, embora também lá esteja, e até interfira no espetáculo, com pequenos toques de conhecimento. Por exemplo, quando, aqui e ali, explica a origem de um ritmo ou as suas relações com a história da cultura nacional. Mas o Antônio Nóbrega que se apresenta no palco é o artista radicalmente popular.

2. Publicidade desnecessária

Entretanto, está na hora de perguntar: a que propósito vem essa história do show de Antônio Nóbrega no Vale do Anhangabaú, dia 20 de novembro, numa coluna onde preferencialmente se deve falar de jornalismo?

Pretexto, simples pretexto para fazer aqui um comentário sobre a Virada Cultural, evento sensacional que, por 24 horas, encheu de arte e lazer a cidade de São Paulo. Ou melhor: o comentário que pretendo fazer não é propriamente sobre o evento, mas sobre a maneira como ele foi divulgado – sem a necessidade de farras publicitárias. Soube que houve, sim, gastos em publicidade, mas poucos: algumas inserções em TV e rádio, e, na mídia impressa, anúncios apenas nos guias de lazer de fim de semana.

Não li, não vi nem ouvi um só desses anúncios. Assim, no que me toca, a escolha que fiz não foi influenciada por tentativas de persuasão publicitária. Foi a informação jornalística, de jornais e rádios, que me levou ao Anhangabaú e ao show de Antônio Nóbrega. Acredito que o mesmo terá acontecido com a maioria das pessoas que encheram praças públicas e salas de espetáculo, nos diversos momentos do evento.

Pelo que soube dos organizadores da Virada Cultural, o evento só cresceu e empolgou a cidade quando a mídia jornalística descobriu o evento e passou a lhe dar importância. Só de tempo em televisão, calcula-se que foram mais de três horas de cobertura jornalística, com notícias, comentários e entrevistas. Na avaliação que fazem, os próprios organizadores estão convencidos de que a publicidade pouco contribuiu para o sucesso da Virada. O que me leva a concluir que, mesmo tendo sido modestos, os gastos publicitários foram demasiados. Porque um evento desse porte, com a ambição que teve e os atributos jornalísticos que o recheavam, não precisava de anúncios para ser divulgado e alcançar sucesso.

3. Na origem da notícia

Em 1987, já lá se vão quase 20 anos, apresentei e defendi a dissertação de mestrado em que propunha um conceito jornalístico de assessoria de imprensa. ‘A notícia (bem) tratada na fonte’, era o título do trabalho, na base do qual estava a premissa de que só deve existir assessoria de imprensa em organizações com capacidade, credibilidade e legitimidade para produzir fatos, falas, produtos, serviços ou saberes noticiáveis.

Com essa premissa se cruzava a principal hipótese do trabalho: a de que, para conquistar espaço na difusão jornalística, não eram necessários os detestáveis jogos de sedução (empregos, presentes de vários tipos, brindes, almoços, viagens etc., etc….) que fazem parte das práticas tradicionais de assessorias de imprensa gerenciadas por velhos conceitos de relações públicas. Para ingressar nos espaços da notícia, basta ter o que é essencial: informação ou tema de boa qualidade jornalística. E manter desobstruídos os canais de comunicação com as redações, para o fácil acesso à informação, sem interferências na liberdade de ação dos profissionais que, nas redações, têm a responsabilidade de decidir o quê, quando e como publicar.

Para testar a hipótese, criei um boletim semanal (‘Pré-Pauta’), dirigido exclusivamente a jornalistas, para informar as redações da produção científica da USP. Fazia parte do método, não realizar qualquer esforço de convencimento junto às redações – nem telefonemas, nem visitas, nem comunicados. Apenas o boletim deveria ser enviado, com regularidade rigorosa. Jamais visitei redações, ou telefonei a qualquer pauteiro ou editor, para pedir ou sugerir o que quer que fosse. Apenas o ‘Pré-Pauta’ chegava às redações, com informações selecionadas e elaboradas por critérios rigorosamente adequados à linguagem e à natureza do jornalismo.

Também por questão de método, foram adotados procedimentos de facilitação, para o contato direto de pauteiros, editores e repórteres com os cientistas-fontes. Assim, no ‘Pré-Pauta’ se estabeleceu, como procedimento padrão, e pioneiro, dar, no pé de cada nota, o telefone de acesso direto ao cientista-fonte. A intermediação da assessoria de imprensa, para a localização o cientista, só se dava por solicitação do jornalista interessado. Com a garantia de que a solicitação seria atendida em no máximo 15 minutos. Parava-se tudo o que se estivesse fazendo, para localizar de imediato o cientista e estabelecer a ‘ponte’ entre ele e o jornalista.

O sucesso desse projeto foi enorme, bem além das expectativas. Cada nota do ‘Pré-Pauta’ se multiplicava em notícias, reportagens e entrevistas, em meios impressos e eletrônicos. O boletim se transformou, rapidamente, em fonte utilizada por todas as editorias. Com benefícios divididos entre todos os partícipes: a imprensa tirava proveito de bons conteúdos jornalísticos; à sociedade chegava o conhecimento socializado pela difusão jornalística; e a USP enriquecia a divulgação da sua produção científica com o aporte da criatividade, da visão crítica, da independência e da credibilidade de bons pauteiros, bons editores e bons repórteres.

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Vem dessa e de outras experiências profissionais que já vivi, a convicção que, na esfera pública, onde há notícia não deve haver publicidade. E o sucesso jornalístico da Virada Cultural me dá razão.’



Ricardo Kotscho

‘Pensar é muito perigoso’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 25/11/05

‘No caminho de todos os dias entre o prédio onde moro e a escolinha da minha neta, sempre que encontrava com o jornalista-escritor-teatrólogo Oswaldo Mendes, ele me intimava a ir assistir à sua peça ‘A Dança do Universo’ (em cartaz no Tuca, até 18 de dezembro), inspirada no livro homônimo do físico Marcelo Gleiser, formado pela PUC-RJ, doutor pela Universidade de Londres e titular de Física e Astronomia no Dartmouth College, nos Estados Unidos.

Sou muito amigo do Oswaldinho desde os tempos em que ele era jornalista e trabalhamos juntos na efervescente ‘Folha de S. Paulo’ dos anos 80. Formado na melhor escola de jornalismo, a ‘Última Hora’ de Samuel Wainer, ele era apaixonado pelo que fazia como editor da ‘Folha Ilustrada’. Tão apaixonado Oswaldinho era pelos temas culturais sobre os quais escrevia que há mais de uma década trocou definitivamente o jornalismo pelo teatro, trabalhando como autor e ator do Núcleo Arte e Ciência no Palco. Em sete anos, os oito espetáculos de seu repertório já foram vistos por mais de 600 mil espectadores.

Por maior que fosse nossa amizade e minha admiração pelo trabalho dele, confesso que o tema da peça não me fascinava. Mas ele continuou insistindo com convites semanais enviados por e-mail. Cheio de preconceitos, e com a pior expectativa possível, acabei indo ao Tuca no sábado passado só para ele parar de me encher o saco. Tinha certeza de que não iria entender nada e seria impossível me divertir, que é o que mais procuro no teatro, com uma peça que se propõe a celebrar os cem anos da Teoria da Relatividade.

Pois acabei adorando a peça. O texto do Oswaldinho, autor também das músicas e um dos oito atores que interpretam personagens como Copérnico, Kepler, Galileu, Newton e Einstein, é tão bom que até eu acabei entendendo tudo e fui dizer isso a ele ao cumprimentá-lo no final do espetáculo. No dia seguinte, ele me enviou um outro e-mail que mostra bem a dificuldade encontrada por quem busca abrir novos caminhos no teatro e é praticamente ignorado pela mídia.

‘Mara e Ricardo, vocês não sabem a alegria que foi vê-los na platéia do Tuca. Não é fácil manter esse trabalho com coerência e não ceder. É difícil até fazer as pessoas se aproximarem dele, principalmente os formadores de opinião. A sua primeira reação, tão espontânea e honesta, Ricardo (‘Ih… um espetáculo sobre ciência? Não sei não…’) é mais comum do que se possa imaginar. Tenho um amigo, filósofo, marido de uma atriz, que ainda não foi ver nenhum dos nossos espetáculos e vive me perguntando: como é que se pode fazer teatro com assuntos como esses? E eu respondo: vem ver. E ele ainda não veio. Agora ele disse que vai, mas não tenho tanta certeza. Como eu digo na voz do Chaplin, no final da peça: ‘Pensar é muito perigoso’ até para quem vive de pensar’.

O diálogo final entre os atores que representam os personagens de Charles Chaplin e Albert Einstein já vale pelo espetáculo. Mas todos os 80 minutos da peça, sob a competente direção de Soledad Yunge, prendem o espectador com um desfile do que de melhor o pensamento humano já produziu na ciência e na cultura.

Como promete no texto do programa, o espetáculo consegue unir o mundo objetivo da ciência ao mundo subjetivo do teatro ‘para mergulhar no interminável conflito entre a ignorância e o conhecimento, desde os mitos da Criação’. Em nove cenas, com muita música, humor e poesia, a aventura do conhecimento é narrada com histórias da vida e da obra dos gênios da humanidade, que incluem um brasileiro, o mitológico físico pernambucano Mário Schenberg, autor de uma das lições da peça: ‘Eu não me guio muito pelo raciocínio. É a intuição que mostra a solução dos problemas’. Foi isso que fez Oswaldo Mendes ao transpor ‘A Dança do universo’ para o teatro e é esse seu grande segredo: na escola, aprendemos tudo sobre a obra destes personagens, mas quase nada sobre a vida deles, que acaba explicando a própria obra.

Na peça, eles são seres humanos em pele e osso, com suas idiossincrasias e inseguranças, que sofrem um bocado para chegar às leis e às teorias que mudaram a nossa relação com a Natureza e o Universo. Como escreve o autor: ‘Graças à condição linda e miseravelmente humana desses homens, não precisamos tanto, como no passado, de Deus ou de deuses para entender o mundo. Isso só faz crescer em nós a consciência de que o Homem é o destino do Homem, como dizia Bertold Brecht’.

O espetáculo, que estreou em março no Festival de Teatro de Curitiba e, depois de excursionar por várias cidades do Brasil e de Portugal, fez uma temporada de três meses no João Caetano, antes de ancorar no Tuca, tornou o Brasil o único país a celebrar com teatro o Ano Mundial da Física. No e-mail que me enviou esta semana, Oswaldinho pede que eu avise os amigos – e é o que estou fazendo agora, com o mesmo prazer que senti ao ver a peça. Afinal, diz o autor, o teatro vive de boca-a-boca. ‘Só recentemente fiz a conexão, lembrando que boca-a-boca é um procedimento de primeiros socorros para manter vivo o moribundo, ainda que o teatro seja o mais longevo e resistente dos moribundos: a sua morte é anunciada desde a Grécia, há mais de dois mil anos. Ele insiste em não morrer, talvez como a esperança que habita todas as utopias’.

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O jovem Marcelo Rubens Paiva, outro amigo jornalista-escritor-teatrólogo de muito talento, já tocou neste assunto em sua coluna no ‘Estadão’ semanas atrás, mas volto a ele porque não está dando mais tempo nem de responder que não dá para atender.

Explico: nesta época do ano, minha caixa de correspondência eletrônica (é assim que se chama?) é invadida por estudantes de Jornalismo e de outras áreas que pedem ajuda para concluir um negócio chamado de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). São mais de 50 pedidos por semana, vindos do Brasil inteiro, contendo alentadas listas de perguntas que tratam dos mais diferentes assuntos do conhecimento humano – e já vão logo avisando que têm pressa nas respostas porque estão com o prazo estourando.

É como se o Marcelo, eu e muitos outros jornalistas, imagino, pudéssemos ficar o dia todo em frente ao computador só cuidando do TCC dos outros. Assim fica fácil: o professor dá a tarefa ao aluno, o aluno a repassa por e-mail para algum infeliz que já publicou um livro, imprime as respostas, e está feito o trabalho.

Com o advento da Internet ficou pior, mas, anos atrás, quando ainda não havia estas facilidades, um estudante de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, nunca vou esquecer, me telefonou para elogiar meu trabalho, meus livros, etc., como eles sempre fazem na introdução do pedido. Em seguida, lascou a encomenda: ‘Será que você poderia me fazer um resumo do teu livro ‘A Prática da Reportagem’? É que você domina o assunto melhor do que eu e estou com pouco tempo…’

Esta semana, uma estudante não sei de onde, em vez de mandar as habituais perguntas, pediu-me simplesmente que escrevesse um ‘raio-X completo’ sobre o jornal ‘Folha de S. Paulo’ porque não achou bom o material que pesquisou na Internet. Quase que perguntei a ela: só isso? Estou desde março escrevendo um livro de memórias que trata de muitos dos assuntos sobre os quais me perguntam. Por isso, peço, encarecidamente, que tenham um pouco de paciência e me dêem uma chance de terminar de escrever o meu trabalho, que também já está com o prazo estourando e ninguém o fará por mim. Até porque não tenho como contratar um jornalista para escrever minhas próprias memórias nem para quem mandar perguntas.’



MERCADO EDITORIAL
Milton Coelho da Graça

‘A briga no Rio está ficando boa’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 23/11/05

‘Já está no forno mais um diário no Rio – também tablóide, como MEIA HORA e Q! – e para participar da briga também com EXTRA e O DIA.

O ESTADO DE MINAS (Diários Associados) lançou AQUI no dia 17 de outubro, em Belo Horizonte, para enfrentar o SUPER, lançado há algum tempo por O TEMPO. A 25 centavos, avançou tanto nos primeiros dias que o SUPER baixou de 50 para 40 centavos mas, logo depois, foi também para 25. Com Liliane Correia como editora-chefe (era do SUPER) e uma equipe de 16 profissionais, o jornal já chegou a 35 mil ou 75 mil exemplares diários, dependendo da pessoa com quem você fale. Mas certamente é um óbvio sucesso e o SUPER está acusando o golpe com o lançamento de vendedores nas ruas e outras iniciativas.

O AQUI carioca vai tentar repetir esse sucesso. Será lançado em janeiro, pelo Associado JORNAL DO COMMERCIO a 25 ou 50 centavos. A inclinação era a de repetir o exemplo mineiro, mas há o argumento de que isso poderá levar os adversários – como ocorreu em Minas – a também baixar o preço de capa.

Mas o AQUI tem uma característica nova. O JORNAL DO COMMERCIO é especializado em economia e negócios. AQUI nasce no rastro do sucesso da Rádio TUPI, que lidera audiência em vários horários. E pretende usar os serviços jornalísticos da rádio para o noticiário de cidade e polícia. O noticiário de esporte será fornecido pelo LANCE. Antonio Calegari, diretor do JORNAL DO COMMERCIO, vai acumular o comando do novo jornal, com apenas uma pequena equipe adicional: um editor assistente e quatro repórteres (é possível que esse time seja aumentado).

A circulação do jornal, segundo a direção do JC, deverá se concentrar nas áreas populares da cidade, acompanhando o perfil da Tupi.

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Q! enfrenta uma séria batalha

O novo jornal carioca – Q! – está começando a sofrer ajustes editoriais porque a circulação não estava correspondendo aos números planejados.

Ariane Carvalho bolou bem algumas coisas. Por exemplo, quebrou a resistência da Companhia do Metrô, que aceitou permitir a distribuição do diário em suas estações e plataformas (dizem algumas fontes que até topou entrar de sócia no projeto). Também conseguiu dispensar a boa vontade das bancas tradicionais (e os problemas de entrega do jornal às 5 da tarde), contratando 450 jovens, bem vestidos e bem treinados para a arte de convencer os passageiros a ler Q! durante a viagem de volta para casa.

Mas cometeu alguns erros editoriais e de marketing. Toda a publicidade, por exemplo, insiste em que o vespertino permite ao leitor conhecer as notícias que só seriam lidas no dia seguinte. Promete mas não entrega. É mínimo o volume de notícias do próprio dia. E as fotos na primeira página em geral eram ‘frias’, geralmente celebridades, próprias de segundo caderno.

Nos últimos dois dias (segunda e terça, 21 e 22/11), a primeira página ganhou outra cara e a desta terça era de um assalto ocorrido pela manhã. Parece um esforço em busca de outro caminho. Mas o erro mais grave, a meu ver, é o preço. R$ 0,75 centavos é muito dinheiro por um tablóide meio magro, numa cidade onde a grana anda curta e já tem outros quatro jornais populares e terá mais um brevemente, o AQUI.

Tomara que eu esteja errado.

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O Globo faz autocrítica na surdina

A direção de O GLOBO há alguns anos decidira suspender a edição de um livro com as primeiras páginas do jornal. Cancelou um grande evento natalino – a chegada de Papai Noel ao Maracanã, alegando que era ‘popular’ demais para O GLOBO.

Com a mudança ocorrida há algum tempo no comando do jornal, iniciativas antigas estão voltando, num claro reconhecimento de alguns dos erros cometidos.

E voltam sob a pressão da ‘canibalização’ de O GLOBO que o sucesso de EXTRA torna inevitável. Os números do IVC mostram como o EXTRA roeu muito a circulação do DIA (o objetivo desejado) mas também a do GLOBO, que agora mesmo faz na televisão uma forte campanha publicitária para ganhar novos assinantes.

No projeto inicial concebido por Evandro Carlos de Andrade, o EXTRA deveria ter redação completamente separada (inclusive em outro prédio), para manter muito nítida a identidade de cada um dos jornais.

Mas administradores e consultores preocupam-se basicamente com cortes de custos, simplificação de organogramas e outros temas táticos que valem para qualquer tipo de empreendimento. O ‘conteúdo’, como agora se referem a notícias, não é importante.

Elaboração e execução de estratégias exige mais do que isso. É só olhar em volta e ver o que ocorre não somente em jornais e tevês, mas também em montadoras de carros, IBM, companhias aéreas etc.

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Meia Hora garante que está subindo

Para encerrar esse balanço da imprensa carioca: o comando do MEIA HORA garante que a circulação atingiu 90 mil exemplares. Mas ainda não vi o relatório do IVC, embora o jornal já ostente o logotipo do Instituto.’



Douglas McMillan

‘Novidades aos 40’, copyright O Globo, 26/11/05

‘O fotógrafo do GLOBO procura o melhor enquadramento para Carlos Augusto Lacerda, presidente da Nova Fronteira. Arrumando a pilha de livros, provas e ‘bonecas’ – a primeira prova dos exemplares – em seu colo, Lacerda pergunta em que posição deve ficar, se o espelho atrás dele não atrapalha, se está bem assim, se a capa de tal livro está legível.

– Queria muito mencionar o ‘Equador’, sabe? – diz ele, sobre a obra do português Miguel Sousa Tavares lançada ano em 2004 por sua editora, um pequeno sucesso. – Foi um pouco ofuscado pelo último do Chico Buarque (‘Budapeste’), mas para mim é o melhor romance do ano passado.

É isso. Lacerda está mesmo anunciando-se aos quatro ventos. Parece acometido pelo espírito dos vendedores que iam de porta em porta ganhando na lábia compradores para enciclopédias e dicionários – figuras de quem tem saudades, aliás. É esse ânimo que parece estar por trás dos preparativos para o aniversário de sua editora, fundada pelo avô Carlos Lacerda e que chega aos 40 anos em dezembro querendo lustrar brilhos um pouco embaçados nos últimos tempos.

A primeira novidade é a celebração propriamente dita: a editora lançará uma coleção chamada ‘40 anos em 40 livros’, com obras importantes na sua história. Empreendimento nada modesto: há clássicos aos montes na lista, e eles vêm sempre comentados por alguém que tenha uma conexão especial com a obra ou o autor.

Chegam já em dezembro às livrarias obras como’Sargento Getúlio’, de João Ubaldo Ribeiro, apresentado por Moacyr Scliar; ‘Os tambores de São Luis’, de Josué Montello, com Wilson Martins; ‘Primeiras histórias’, de Guimarães Rosa, com introdução de Alberto da Costa e Silva, além de obras de Camus, Agatha Christie (em tradução de Clarice Lispector), Manuel Bandeira e Balzac. Para 2006, o cardápio se diversifica com ‘A montanha mágica’, ‘O nome da rosa’, ‘A náusea’, ‘Morte e vida severina’ e outras obras que dispensam apresentação.

Selo Carpe Diem vai ampliar catálogo

O projeto gráfico da coleção é também uma auto-homenagem. Lacerda convidou Victor Burton, capista responsável pela imagem personalizada da editora nos anos 70 e 80, para dar uma cara unificada ao projeto. Nada fácil, com obras espalhadas por cinco séculos e diversos estilos.

– Foi um desafio prático, mais que de significado, como geralmente é o caso quando você faz capas individuais. Precisava ser uma coleção que acomodasse qualquer estilo e tema, meio atemporal e aberta – diz Burton, que além das capas assina a introdução de ‘Memórias de Adriano’, de Marguerite Yourcenar. – É uma homenagem recíproca. Eu me estabeleci no Brasil décadas atrás para isso, fazer as capas da Nova Fronteira. Já estou na terceira geração de Lacerda: primeiro foi o Carlos, depois o Sérgio e agora o Carlos Augusto. Devo muito à Nova Fronteira. Foi lá que aprendi o que sei.

Lançar uma coleção com literatura de primeira linha não chega a ser exatamente uma surpresa, vindo da editora que tem um dos melhores catálogos do país. O que pode soar sim como surpresa é a decisão da geralmente sisuda Nova Fronteira de abrir um novo selo exclusivamente dedicado a… com a palavra, Lacerda:

– No selo vamos tratar de áreas de interesse geral, desenvolvimento pessoal, comportamento, temas ligados à vida profissional, relacionamento em geral, relacionamento familiar, saúde também.

Seria a famigerada auto-ajuda?

– Não gosto da palavra. Auto-ajuda virou um termo muito restritivo. Eu acho que tudo é auto-ajuda. A literatura de qualidade é auto-ajuda, porque abre a sua cabeça. No Brasil acabou se convencionando isso, de que auto-ajuda não é literatura – diz ele, para retomar a conversa de negócios em seguida. – O fato é que não queríamos ficar de fora desse segmento, muito mais dinâmico. Ao longo de 40 anos nos dedicamos muito a literatura séria e obras de referência. Queremos abrir o leque e atrair o público que mantém livraria vendendo. Ao nosso modo, claro: não temos sequer programado nada relativo a temas espirituais. Nossas prioridades continuam as mesmas: boa ficção, obras históricas e de referência.

A empresa muda,mas a editora, não

O selo encarna essa teoria de ‘ao nosso modo’ até no nome, Carpe Diem (‘aproveite o dia’). A mensagem pode ser acessível, mas está em latim. Os três primeiros livros – ‘Mania de perfeição’, ‘Um pequeno passo que pode mudar sua vida’ e ‘Melhor que chocolate’, todos de autores estrangeiros pouco conhecidos – chegam agora ao mercado, a tempo do mês gordo do Natal. Mais dez lançamentos seguem em 2006. E, segundo Lacerda, indicam mudanças na Nova Fronteira como empresa, não como editora.

– Podíamos lançar esse livros pela Nova Fronteira, mas preferimos criar uma marca que os leitores do segmento pudessem identificar. Nunca vamos pôr Sartre, Churchill ou Manuel Bandeira no Carpe Diem, nem trazer para a Nova Fronteira o tipo de livro que se faz no selo. É um preconceito que se tem no Brasil, mas se assim facilita a escolha para o leitor… – resigna-se, dando de ombros.

Uma grande preocupação do editor é conseguir abrangência sem perder o foco. Segundo Lacerda, é possível estar entre as grandes e manter um catálogo coerente. Um dos exemplos que cita é o da Companhia das Letras, cujo catálogo tem unidade.

– Veja a Record. Se reinventou muito depois da entrada da Luciana (Villas-Boas, diretora editorial). Conseguem combinar ‘Quem mexeu no meu queijo?’ com Umberto Eco. O Alfredo Machado, o fundador, dizia que era o ridículo financiando o sublime. Para mim é tentar, através da abrangência, encontrar o equilíbrio que viabiliza a qualidade.

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‘Volta aos trilhos na área de dicionários’, copyright O Globo, 26/11/05

‘Todo esse ímpeto de pôr a editora de novo no topo do topo manifestado por Lacerda não teria como se realizar sem a parceria, consolidada meses atrás, com a Ediouro, que comprou 50% do capital da Nova Fronteira, que por sua vez ganhou acesso a uma rede de distribuição própria e mais poder de barganha na hora de negociar.

– Como a Ediouro reúne tantas atividades, livros, revistas, passatempos, gráficas, tem uma capacidade de negociação muito maior que a nossa na hora de comprar anúncios, papel, impressão e brigar por espaço nas livrarias – afirma Lacerda, ressaltando, contudo, que as decisões editoriais continuam separadas. – Temos algumas reuniões para saber o que o outro está fazendo e discutir tendências, mas se tivermos que disputar um livro, vamos disputar. Claro que temos bom senso e não vamos nos canibalizar nem agir predatoriamente. Mas se acontecer, é do jogo.

Outro campo em que a editora costumava ser forte, os dicionários, também parece estar voltando aos trilhos. Em 2003, Lacerda perdeu os direitos do ‘Aurélio’, na casa desde 1975, quando a família de Aurélio Buarque de Hollanda decidiu vendê-los, em um leilão, para o grupo Positivo, de Curitiba. A Nova Fronteira ressuscitou, então, o dicionário português ‘Caldas Aulete’, fora de circulação desde os anos 70.

– Antigamente só tinha o ‘Aurélio’, mas hoje você entra numa livraria e há uma dúzia de dicionários. Discutimos muito se valia a pena voltar ao segmento. Quando o governo abre esses editais (de compra) aparecem 60, 70 projetos para dicionários, uma barbaridade. Mas o ‘Caldas’ está dando frutos. No último edital emplacamos três projetos: dois infantis e um minidicionário. ‘Aurélio’ e ‘Houaiss’ emplacaram dois cada.

‘Aurélio’ era líder,mas também um peso

O mercado de dicionários, de qualquer forma, já não é o que era nos anos 80, quando os vendedores de quem Lacerda sente tanta saudade desciam e subiam ruas escoando milhares de ‘Aurelinhos’, ‘Aureliões’ e enciclopédias diversas. Nessa década, a Nova Fronteira chegou a vender 200 mil ‘Aureliões’. Algo que dificilmente se repete hoje.

– O peso do ‘Aurélio’ na empresa ficou tão grande quanto o de todos os nossos outros livros juntos, num certo ponto. Acabou ofuscando um pouco as obras que fizeram a reputação da Nova Fronteira como editora. Tínhamos seis ou oito versões, o mini, o médio, o infantil ilustrado, o grande, dois eletrônicos, o da Turma da Mônica. Somados, davam um volume de negócios grande, mas ao mesmo tempo eram uma tarefa hercúlea, consumia muita energia, trabalho editorial pesado – diz o editor.’