Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Nem urgente nem (sequer) necessária

Nelson Hoineff, neste Observatório, junto com outros tantos estudiosos do tema de convergência tecnológica, tem alardeado a urgência na definição de um novo arcabouço para reger os novos cenários de transmissão de conteúdos sonoros (rádio) e audiovisuais (televisão).

Discordo deles. Não apenas não há urgência, como ainda as iniciativas nessa direção de regular a convergência são precipitadas e devem ser arquivadas.

Há farta e excelente bibliografia que descreve a revolução tecnológica que conduziu à convergência tecnológica. Toda essa bibliografia não conta a história de um processo findo. Muito ao contrário, descreve um processo que está em curso, inconcluso, cujo desfecho não é nem visível nem previsível.

Para que se tenha uma noção de quão drástica e certa é a incerteza, recorremos a exemplos. O fax, cuja existência não foi prevista (trata-se de iniciativa de marketing que não respondeu a uma demanda, e sim foi criada por ações marquetológicas) foi um sucesso, mas assiste a seu fim. O mesmo fim que levou o ‘pager’. O mesmo fim que levou o telex. Tenho feito palestras sobre convergência e me choco por constatar que a platéia não sabe o que é telex (salvo alguns ‘da antiga’, encabulados por conhecerem o extinto equipamento de comunicação).

Leis já existentes

Pois é, aquele serviço, de tão importante, demandou compromissos expressos na privatização da Telebrás (vide a Cláusula 1.3.2 do Termo de Autorização para Exploração de Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações Nº PVSS/SPV 06/98-ANATEL, entre a Anatel e a Embratel). Sete anos depois, não existe mais.

Promessas tecnológicas, como o paging two-way, o wireless local loop (WLL) e celular por satélite (Iridium) acabaram antes de conhecer o sucesso. Isso prova que a velocidade do processo de evolução tecnológica é tão grande que não faz sentido pretender mobilizar o Congresso Nacional para regular os limites da física.

É, então, ‘sentar e olhar’? Não! É tempo de ações.

Enquanto cientistas, engenheiros e especialistas em tecnologia da informação concebem e constroem a revolução da convergência, cabe aos formuladores de leis e de políticas públicas, tanto quanto os respectivos aplicadores, trabalhar para reforçar o enforcement: fazer cumprir as leis que já existam (lamentavelmente, não há substituto para esse anglicismo).

Um problema prático

Para começar, é preciso fazer cumprir a Constituição seja no que ela protege aos radiodifusores, seja no que ela os submete a deveres.

Quanto aos direitos, lembre-se de que o controle societário (direta ou indiretamente), a gestão das atividades, o poder de estabelecer o conteúdo da programação de empresa de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativo de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos. Desse modo, a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada são privativas desses brasileiros.

Por outro lado, como dever, estão as obrigações de estabelecer a produção e de organizar a programação segundo os princípios de (I) preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; (II) promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; (III) regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; (IV) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Para continuar, é preciso o enforcement das regras de direito econômico, especialmente as da Lei 8.884/94 (Lei do Cade). Atente, leitor, para o fato de que o Congresso pode aprovar (e aprovou) uma lei federal que controle o poder econômico e o fluxo de bens, mas não pode aprovar uma lei que controle as leis da física. É um problema prático: as normas jurídicas não podem impedir o fluxo de elétrons pelas redes.

Velhas (e boas) leis

O Congresso já fez sua parte, ao aprovar leis que contêm dispositivos de repressão do abuso do poder econômico e de prevenção da concentração econômica anticoncorrencial.

** Os artigos 20 e 21 da Lei 8.884/94 enumeram uma série de condutas anticompetitivas ilegais importantes para o setor de comunicações.

** A Lei 8.137/90 criminaliza tais condutas, o que prova que para o Direito Brasileiro, as práticas anticompetitivas são gravíssimas.

** A Lei 9.472/97 estabeleceu um sistema de prestação dos serviços de telecomunicações lastreado exatamente na força da competição.

Apesar disso, não são nem comuns nem freqüentes as notícias de investigações criminais por condutas anticompetitivas. Destoa desse silêncio a investigação criminal em curso contra diários cariocas por haverem alinhado seus aumentos de preços, mas essa é a exceção.

Antes, portanto, de se falar em novas leis é preciso fazer cumprir as velhas (e boas) leis de que o Brasil dispõe. Além disso, precisamos nos dar conta de que os fluxos de bens podem ser de alguma maneira controlados por leis jurídicas, mas os fluxos de elétrons nas interconectadas redes globais nem obedecem, nem obedecerão, às leis do Congresso Nacional brasileiro.

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Advogado, São Paulo