Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

No Mínimo

PERFIL / RYOKI INOUE
Emerson Couto

O autor de mais de mil livros, 23/12/05

‘Quem vê o homem de ascendência oriental caminhar tranqüilamente pelas ruas de Gonçalves, pacata cidade do sul de Minas Gerais, com um saco de verduras ou um cachimbo nas mãos, não imagina se tratar de um escritor frenético. Hoje, ele escreve, em média, três livros por ano, mas já foram três por dia. José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue, um médico paulista de 59 anos que abandonou as cirurgias de tórax para se dedicar à paixão de infância, aprendeu a ser ágil com as idéias e colocá-las no papel por uma questão de sobrevivência. Coisas de escritor brasileiro. Hoje, já são mais de 1.070 livros publicados, um recorde mundial.

A carreira de escritor começou em 1986, aos 40 anos, com ‘Os Colts de McLee’, um pocket book publicado por uma editora carioca, que vendeu 15 mil exemplares. Com o sucesso, vieram outros, centenas de outros livros de bolso, com histórias policiais, de western, amor, guerra ou ficção científica. Mas o que as editoras pagavam a Ryoki era tão pouco que mal dava para cobrir os gastos com o papel, a fita da máquina de escrever e o envio do original pelo correio. A solução foi aumentar a produtividade. ‘Eu tinha de escrever muito para garantir um padrão de vida mínimo. Foi por isso que eu sempre escrevi tanto’, revela a NoMínimo.

Entre 1986 e 1992, Ryoki produziu 999 livros de bolso, todos em sua máquina de escrever. Sem qualquer pretensão, entrou para o ‘International Guiness Book of Records’ como o homem que mais escreveu e publicou livros em todo o planeta. Por exigência das editoras, teve de adotar 39 diferentes pseudônimos, todos estrangeiros, como James Monroe (o da estréia). Eram temas para prender a atenção dos leitores, como o romance policial ‘A Droga Colombiana’ (Bill Purse), o de espionagem ‘Fuga Desesperada’ (William Sweetstick) ou o de ficção científica ‘Energia Mortal’ (Stepham McSucker).

Pocket books: o mercado era ele

Ryoki chegou a ser dono sozinho de 95% do mercado de pocket books no Brasil. Tinha uma tiragem mensal de aproximadamente 750 mil exemplares e sua média de trabalho era de 16 horas por dia, principalmente de madrugada. Foi um período extremamente cansativo, mas sem nenhuma tendinite ou uso de droga para suportar a rotina pesada. ‘A droga afetaria, com toda a certeza, a minha agilidade’, explica.

Ryoki viveu intensamente a fase dos pocket books, com muita criatividade e pouca responsabilidade. A inspiração vinha do cotidiano, do trecho de algum filme assistido ou das pesquisas do pai, também médico, sobre a Segunda Guerra Mundial e outros temas históricos. Como leitor, sempre foi um fã da leitura fácil e rápida do gênero. Os livros baratos e descartáveis de Ryoki, vendidos em bancas de jornal, atingiam todas as classes sociais, ‘do peão de obra ao executivo’, segundo ele. ‘A única diferença é que o peão não escondia o livro de vergonha’, conta.

O escritor lembra que uma montadora de automóveis chegou a evitar a contratação de apaixonados por pocket books. Temia que, entre uma tarefa e outra na linha de produção, o funcionário fugisse com um livro no bolso do macacão para acabar de ler no banheiro. ‘Este tipo de livro é extremamente viciante.’

O que mais incomodava Ryoki, ao escrever os pocket books, não era a produção em larga escala, mas as limitações que havia para seu trabalho, principalmente no aspecto gráfico. Havia padrões rígidos, como o número de toques por página, e muitas histórias foram mutiladas. Tentou convencer as editoras a melhorar a qualidade do gênero, como fazem casas de fora do país, sem mudar o perfil de livro de consumo rápido e baixa durabilidade. ‘Na França, os livros de bolso são graficamente bonitos, mas, com o tempo, as páginas soltam. São livros muito bons, mas feitos para jogar fora’, explica. Não conseguiu.

Outra decepção foi a falta de valorização do santo da casa. ‘As editoras brasileiras preferem comprar o lixo que sobra da Europa para publicar aqui porque sai mais barato a pagar bem aos escritores brasileiros’, protesta. O impasse com as editoras no Brasil fez Ryoki abandonar o pocket book.

Ao mesmo tempo em que a fase dos pseudônimos americanos projetou o escritor Ryoki Inoue, até internacionalmente, como um escritor recordista, deixou um estigma difícil de ser quebrado, o do autor de larga escala. ‘Quando deixei de escrever os livros de bolso, senti medo e preconceito das editoras em relação ao meu trabalho’, destaca. Ser um escritor prolífico não significa ser um escritor ruim, defende-se. A quantidade não afeta a qualidade.

O milésimo livro, ‘E Agora, Presidente?’, uma ficção sobre a corrupção no meio político, marcou o fim da fase alucinante dos pocket books, mas Ryoki não deixou de ser um workaholic. De 1992 até agora, foram mais de 70 livros publicados. A diferença é que as obras estão mais longas – 200 páginas, pelo menos – e há um trabalho de pesquisa mais complexo. A ânsia por escrever mais e mais continua. E pela mesma razão de sobrevivência.

‘Se escrevo três livros em um ano hoje, uma mesma editora só publica um; então, tenho de bater na porta de outras’, lamenta. ‘Não conseguiria viver com a renda de um único livro em um ano e as editoras não têm capacidade para acompanhar o meu ritmo.’ Além das obras de ficção, Ryoki faz trabalhos para o setor corporativo, como discursos de presidentes de empresas e é ‘ghost writer’ de livros de Inteligência Competitiva, por exemplo.

Descanso: escrever crônicas

A produção rápida de Ryoki chamou a atenção, em meados dos anos 90, de um jornalista norte-americano do ‘Wall Street Journal’, Matt Moffet, que veio ao Brasil acompanhar de perto a rotina do escritor brasileiro. Duvidava de sua capacidade produtiva. Na ocasião, Ryoki lançou o desafio de escrever um livro em seis horas, tendo Moffet como seu observador. Venceu. Das 23 horas às 5 horas da manhã seguinte, o escritor concebeu ‘A Chave’, que, posteriormente, se chamaria ‘Seqüestro Fast Food’, cujo protagonista era o próprio jornalista. O original tinha 210 páginas, mas, na edição final, ficou com 150. ‘Ele escrevia capítulos inteiros ao ir ao banheiro’, reportou Moffet em sua matéria.

Ryoki diverte-se com a fama de rapidinho. Desenvolveu técnicas para isso e até ensina a jovens escritores seus segredos. Uma de suas muitas obras, ‘Entrelivros’, é uma coletânea de crônicas escritas em meio à produção de um e outro romance mais longo. Para Ryoki, as crônicas são um exercício para descansar, coisa leve.

Mesmo longe dos pocket books, as tramas policialescas, de suspense e de amor ainda continuam em alta em seu repertório. Um dos seus três trabalhos atuais é a produção de ‘O Fruto do Ventre’, uma história policial que envolve o Santo Sudário. Estão previstas 700 páginas. Outro, ‘radição e Preconceito’, em fase de revisão final, tem como pano de fundo a colonização japonesa no Brasil, um pouco da vida de seus antepassados. No enredo, amor e suspense também. O terceiro é segredo.

Ryoki não considera a sua literatura de menor importância, elogia os escritores que conseguem fugir da erudição e encontrar a linguagem popular e não dá a mínima atenção para os críticos. ‘Muitos críticos são escritores frustrados que não têm a capacidade de fazer o que faço’, afirma.

Mesmo sem um grande trabalho de marketing, com preconceitos para driblar e algumas decepções ao longo da carreira, Ryoki nem er cogita a possibilidade de desistir do sonho de viver exclusivamente das letras. Adapta-se à realidade. Tem uma vida simples, sem luxo, mas faz o que gosta. Perto de completar duas décadas de produção literária, ele quer ir mais longe e pretende internacionalizar a sua obra, com a publicação em outros idiomas. ‘Ser escritor no Brasil é muito complicado, porque você trabalha muito e ninguém reconhece o seu trabalho, mas é preciso abraçar a dificuldade e seguir adiante’, resigna-se.’

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