Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O articulista e o tenso equilíbrio da democracia

Na sua edição de 9/9, O Globo publicou, na página 7, o ponto de vista do jornalista Ricardo Amaral, contrário ao fim do voto secreto dos parlamentares, ponto de vista este que pretendo, resguardado o direito do jornalista de expressar suas posições, discutir.


Diz o Sr. Ricardo Amaral que os deputados abriram mão de fundamentos básicos da democracia e da República que não lhes pertencem, mas ao eleitor. Não posso concordar com tal afirmação, uma vez que o eleitor nunca foi consultado quanto a esse direito, que é dos parlamentares, e não do eleitor, como entende o autor do texto. Tampouco creio que, uma vez consultado, o eleitor brasileiro opte pela manutenção desse privilégio.


Em seguida temos a defesa do sigilo do voto, pois “preserva o direito de divergir, quando é mais bruta a pressão (…)”, que é “a expressão coletiva de decisões individuadas” e que o voto é secreto em três hipóteses: quando enfrentam o veto presidencial à lei emanada do Congresso, na apreciação sobre futuros embaixadores e, transcrevendo as palavras exatas do jornalista, “secretíssimo, por todas as razões, o juízo individual dos parlamentares sobre os magistrados que um dia poderão julgá-los e a nós”.


Rebatendo ponto a ponto e na ordem de apresentação, segue-se que ninguém diverge secretamente, conspira. Quanto à “expressão coletiva de decisões individuadas”, creio que houve uma confusão nos termos. Em primeiro lugar, não há expressão, uma vez que o voto é secreto. Somos apenas informados de um resultado. Não é coletivo, pois o voto é individual e totalmente desvinculado da avaliação e da pressão de quem o autorizou a ocupar assento no parlamento, não como pessoa, mas como representante.


Quase concórdia


Quanto às três hipóteses do voto secreto, as duas primeiras não são justificativas: o equilíbrio que se visa na democracia é um equilíbrio tenso, um equilíbrio que se dá entre a corda e o arco da lira de Heráclito. A democracia é um agon, que se dá na ágora. Traduzindo: a democracia é um combate de opiniões que se dá às claras. Quanto aos magistrados, pelo amor de Deus! Quem segue reto na lei não tem por que temer revanche de magistrado algum. Pode vetar, em aberto, quantos julgar que deve, desde que justifique sua posição.


Preservo-me de comentar a seguinte passagem: “Diferentemente de outros, o nosso Legislativo se deu o direito de julgar seus próprios membros, motivo de quarta previsão, regimental, de voto secreto, fora a eleição das mesas”. Sem sombra de dúvida, esta é a nossa maior indignação.


Finalmente temos um ponto de quase concórdia: também sou da opinião de que para bandido há polícia, para réu há juiz e para deputado, eleitor. Mas como poderá o eleitor fiscalizar às cegas? E pior: será que o eleitor é o maior, ou mesmo o único responsável pela qualidade do nosso Congresso?


Voto e obrigação


Em seguida o autor critica o placar da votação. Mais uma vez, seu raciocínio é falacioso, apressando-me em esclarecer que a falácia nada mais é do que um raciocínio logicamente inválido, não indo aí, portanto, nenhum ataque à moral do escritor. Seu raciocínio apenas não se sustenta. Não pode o Sr. Ricardo Amaral dizer que a votação foi unânime: tivemos quatro abstenções. E não tivemos apenas quatro abstenções. Tivemos o restante dos deputados ausentes. Porque não são obrigados a votar como o reles eleitor é. Os deputados não se imputam as sanções que nos imputam quando não exercemos o nosso direito de votar. Podemos até especular: talvez os deputados tenham exercido o seu direito de não votar, para não ter que dar contas ao eleitorado de sua posição contrária ao fim do voto secreto. Optaram por ficar na surdina e não comprometer a imagem. Oxalá tenha, essa, sido a última vez.


Teme o Sr. Ricardo Amaral que o próximo passo seja abolir o voto secreto do eleitor. Não consegui entender por qual via indutiva ele chegou a essa conclusão. Mas, como já vimos que pensamos por lógicas diferentes, adianto aqui quais devem ser os próximos passos. E não os temo, ao contrário, anseio por eles: primeiro, o fim do direito à renuncia com manutenção de legibilidade. O eleitor que não vota está sujeito a uma série de sanções. O parlamentar que renuncia, e nenhum até hoje renunciou porque estava cumprindo um excelente mandato, joga o nosso voto no lixo e não sofre nenhuma sanção. Que se coloque essa questão num plebiscito para ver como o eleitor se manifesta.


Quanto ao eleitor, seu voto deve permanecer secreto, cabendo só a ele a decisão de divulgá-lo ou não. Só não deve mais ser obrigado a isso, em nome de uma melhoria na qualidade do voto, com conseqüente melhoria na qualidade do Congresso, ainda que não seja esta a única medida necessária para este fim.

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Capitão-de-fragata (CD-RM1), Marinha do Brasil, Rio de Janeiro