Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O debate ampliado sobre a comunicação

Para debater políticas e rumos das telecomunicações no Brasil, o Correio da Cidadania conversa com o jornalista Samuel Possebon, especialista na área há 14 anos, atual diretor editorial da Converge Comunicações e pesquisador convidado do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (Lapcom/UnB).

Possebon, além de debater a questão das concessões de radiodifusoras e a democratização da comunicação no Brasil, faz sua análise do impacto do crescimento de habitantes com acesso à Internet no país, demonstrado na recém-divulgada Pesquisa Nacional por Amostra de Domícílios (PNAD) 2006.

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Houve algum avanço em tempos recentes em relação às discussões sobre mídia no Brasil?

Samuel Possebon O que sinto que vem acontecendo é que, cada vez mais, a comunicação é discutida pela sociedade de alguma maneira. Embora a imprensa não discuta necessariamente todos os temas relacionados à telecomunicação – especialmente a grande imprensa, que não gosta muito dessa discussão –, alguns temas são inevitáveis. Desde que houve a privatização da Telebrás, há idéias sendo expostas, contrapontos sendo colocados.

Com a Lei Geral de Telecomunicações houve um início desta discussão; depois, tivemos as discussões sobre leis de comunicação de massas, sobre a TV digital, sobre a Ancinav. Esses temas relacionados à área de comunicação freqüentam não só a mídia alternativa – que cobre o assunto com bastante ênfase – e a imprensa especializada, mas também aparecem na grande imprensa. Claro que existem vieses, jornais e televisões têm um ponto de vista sobre isso que não conseguem disfarçar, pois obviamente existem interesses econômicos envolvidos.

Acredito também que a tendência é que isso se amplie. À medida que a comunicação passa a fazer cada vez mais parte da vida das pessoas, no ambiente da sociedade de informação, em um ambiente digital onde as pessoas convivem mais com isso, esses temas vão ser cada vez mais comuns.

Tais discussões trouxeram avanços para a democratização das telecomunicações no país?

S.P. – Depende de como se quer caracterizar a democratização. Se for caracterizá-la como a consciência em relação a problemas da comunicação, sim, houve um avanço.

Agora, se considerarmos a democratização como mudanças estruturais significativas no sistema de comunicação – que significam a introdução de novos agentes, a possibilidade de novas vozes e mais pluralidade –, aí ainda existe muito a se fazer.

Nesses últimos dez anos, surgiu um elemento que é absolutamente significativo – e talvez o mais significativo da história da democratização das comunicações e da comunicação em si –, a internet. Isso revolucionou a mídia, criou um ambiente totalmente novo para a troca de informações. É um processo ainda em andamento, ainda em fase de ajustes, mas que, de qualquer maneira, foi introduzido. Então, não podemos dizer que a mídia continua concentrada e que a sociedade continua carente de meios de informação como há dez anos; seria injusto até com a história da humanidade falar isso, pois a internet proporcionou uma revolução.

Em relação aos meios de comunicação tradicionais, a uma mudança estrutural na forma de se fazer o negócio de comunicação no Brasil e de se encarar a comunicação diante de aspectos como cidadania e direitos humanos, as coisas melhoraram, mas ainda existe também muito a se fazer.

Você concorda que há uma oposição das mídias tradicionais e de seus defensores no Legislativo em relação às novas possibilidades que a Internet traz?

S.P. – A minha tese é que a toda ação há uma reação; isso vale para a física e também para o mundo das comunicações. Naturalmente, grupos que estão estabelecidos há muito tempo, que têm o seu modelo engessado e que têm interesses econômicos a defender, reagem de uma maneira mais ou menos agressiva a qualquer variável nova que seja colocada nesse cenário, e a internet foi uma variável nova não só no Brasil como no resto do mundo.

Houve uma adoção da internet por alguns dos grandes grupos de mídia. Outros estão aprendendo a lidar com isso e outros não conseguiram aprender a lidar com essa nova realidade; naturalmente, esses vão ser superados, uma vez que nada é eterno, nem os grupos de mídia.

De acordo com a recém-divulgada PNAD 2006, o percentual da população com acesso à internet aumentou consideravelmente. Em sua opinião, quais as razões para isso?

S.P. – Embora o número de habitantes que possui acesso à internet tenha aumentado, ainda falta muito para universalizar o acesso à internet. A exclusão digital ainda é brutal, tanto no Brasil como na maior parte dos países – fora aqueles considerados desenvolvidos, onde isso já está mais ou menos equacionado.

A evolução da internet se deve ao fato de ser um meio de comunicação muito interessante para as pessoas, não só como fonte de informação mas também como maneira de comunicação interpessoal. Programas de mensagens instantâneas e redes de relacionamento são algo que jornais e televisões não disponibilizavam para seus usuários; tudo isso são elementos novos no mundo da comunicação.

Justamente por ser tão interessante, a tendência é que a internet cresça ainda mais. As novas gerações que estão crescendo acostumadas às novas tecnologias vão adotá-las cada vez mais, indiferente de nível sócio-cultural. Existem experiências claras que dizem isso; mesmo que o usuário da Internet venha de camadas sociais mais baixas, com menos acesso à informação e à cultura ‘erudita’, ele também domina os novos meios.

O crescimento do número de usuários de internet no Brasil também ocorreu devido a um barateamento não só do custo do computador em si, por conta de políticas de desoneração fiscal, mas também do custo da conexão. Há também um terceiro fator, que é a recuperação da renda da população nos últimos quatro ou cinco anos. Isso se reflete na popularização de um meio que agrega muito às vidas das pessoas.

As empresas provedoras de conexão banda larga – normalmente pertencentes ao setor de telefonia – irão ocupar o espaço de empresas como provedoras de TV a cabo, por oferecerem soluções similares?

S.P. – Acredito que não, pois são coisas que se complementam. Existem questões de custo e de investimentos que precisam ser levadas em conta quando se fala na substituição de TV a cabo por TV via internet, por exemplo.

O que deverá acontecer no futuro – e como futuro digo daqui a dez anos – é que teremos um ‘mundo IP’, que é o protocolo de dados por trás da internet. Independente da maneira de conexão que você tenha, o conteúdo chegará por esse mesmo protocolo; haverá um processo de integração das mídias e dos serviços. Ter TV a cabo deixará de ser exclusividade daquele que tem cabo, passando a ser disponível também para quem tem redes de telefonia fixa ou linha de celular, por exemplo.

Qual a sua opinião sobre a adoção do modelo japonês de TV digital no Brasil?

S.P. – De um ponto de vista tecnológico, não há o que se questionar. As inovações que estão se desenvolvendo em cima da tecnologia japonesa vão garantir que tenhamos no Brasil uma TV digital com a melhor qualidade possível.

O que não houve, e que é uma pena que não tenha acontecido, foi a discussão em relação ao modelo da televisão brasileira. Hoje, o processo de digitalização tende a perpetuar o modelo atual da televisão aberta; se o modelo é bom ou ruim, se é excludente ou não, se é plural ou não, é o que faltou ser discutido.

Essa discussão, que deveria ter ocorrido no início do debate sobre a TV digital no país, em 1999, 2000, não foi feita agora por conta da pressa em se tomar uma decisão em um momento no qual a transmissão de TV digital é necessária devido a uma questão de inovação tecnológica.

Um dos principais pontos levantados pelo governo FHC na época da privatização da Telebrás foi que, com a passagem das redes de telefonia à iniciativa privada, haveria uma quebra de monopólio que beneficiaria a concorrência e, conseqüentemente, o consumidor final. A possibilidade de fusão entre a Telemar e a Telecom Brasil, duas grandes empresas do ramo, não traria de volta um monopólio no setor?

S.P. – Eu tenho minhas dúvidas se a privatização foi feita para quebrar monopólios; acredito que foi feita, na verdade, para cobrir uma necessidade de caixa do governo, que estava com a corda no pescoço na época e precisava vender o que tivesse pela frente como maneira de conseguir dinheiro para fechar as suas contas.

Se nesse cenário houve um modelo de privatização que pregava a pulverização do mercado, com pelo menos quatro grandes concessionárias operando os serviços de telefonia, hoje isso é aparentemente insustentável. Não há viabilidade financeira para que essas empresas sobrevivam de maneira independente, a concorrência global é muito violenta. A concentração em si não é necessariamente ruim, pois Telemar e Telecom Brasil não competem entre si, uma não entra na área da outra. A competição virá da internet, de outros meios de se comunicar.

Do meu ponto de vista, o que se deve discutir na fusão é saber quem é que vai ser o responsável pela empresa – se vai ser entregue a empresas brasileiras, a empresas estrangeiras, se o Estado vai ter parte ou não. É hora de se repensar o modelo e de entender o que é que o Brasil precisa encontrar em relação ao novo tempo das comunicações e qual papel quer desempenhar neste processo.

No final deste ano, vencem dezenas de concessões de rádios e TVs no Brasil. Você acredita que o processo de renovação destas concessões, tradicionalmente pouco transparente, precisa ser acompanhado mais de perto?

S.P. – Sempre dizemos que falta transparência e independência na análise desse processo, mas os responsáveis por isso são os deputados. Ao criticar isso, critica-se o próprio modelo democrático brasileiro, pois representantes eleitos pela população são os que decidirão por isso no Congresso.

Nesse momento de renovação das concessões, para simplesmente não baterem o carimbo e passar pelo processo sem nenhuma discussão, vale a pergunta: a radiodifusão é um serviço público ou não? Se for um serviço público, a que obrigações está submetida? Ao analisarmos outros serviços públicos, como a energia e o saneamento básico, vemos que em todos eles as prestadoras de serviço têm obrigações. Na radiodifusão, quais as obrigações que os prestadores têm? Esse é o questionamento que não foi feito.

No Brasil, não existe ambiente para que simplesmente não se renove uma concessão por achar que as comunicações não são democráticas no país. Isso é uma discussão que não levaria a nada a não ser a um clima de conflito; no entanto, podemos aproveitar o momento para fazer algumas perguntas e obter algumas respostas, principalmente em relação ao papel da radiodifusão no Brasil, se está prestando esse papel com adequação ou não, se está cumprindo os objetivos como uma prestadora de serviços públicos ou se é um negócio privado, que deve ser tocado pela iniciativa privada da maneira que quiserem.

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Da Redação do Correio da Cidadania