Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O primeiro manual de redação do Brasil

O Gilberto Freyre escritor e sociólogo é por demais conhecido de todos. No entanto, a atividade de jornalista de Gilberto Freyre, na qual desempenhou um importante papel, não é tão conhecida. Em 1918, quando matricula-se na Universidade de Baylor, no Texas (EUA), começa a sua caminhada no campo do jornalismo ao dar início a colaboração regular com o Diário de Pernambuco, com a série de cartas intituladas ‘Da outra América’.

No começo da década de 1920, Freyre retorna ao Brasil e volta colaborar com o Diário de Pernambuco. No jornal, ele é encarregado pela direção da empresa de organizar o livro comemorativo do centenário de fundação do DP. Em 1928, entra para o jornal A Província, onde publica artigos e caricaturas com os mais diferentes pseudônimos: Esmeraldino Olímpio, Antônio Ricardo, Le Moine, J. Rialto e outros.

E é na Província que Gilbreto Freyre dá a grande contribuição não só para o jornalismo pernambucano, mas também para o brasileiro. Preocupado com a qualidade do jornalismo, procura orientar os jornalistas sobre como escrever com correção e clareza, num estilo simples e coloquial. Para isso, usava o placard – uma pequena folha de papel que afixava no mural da redação do jornal A Província, em Pernambuco, em 1929, estabelecendo regras e cuidados no redigir. Esse é o nosso primeiro manual de redação.

Preocupação com o leitor

Não entro na discussão se o pioneirismo deve ser creditado ao Diário Carioca, do Rio de Janeiro, que nos anos 1950 lança um manual com um trabalho mais sistemático, logo estabelecendo-se como padrão para imprensa brasileira. Entendo que o manual elaborado por Gilberto Freyre, apesar de sua simplicidade, já apresentava um conjunto de normas de orientação para os jornalistas, dessa forma mostrando como ele deveria trabalhar com o público. É nesse contexto que considero ser este o primeiro manual de redação do país.

Um exemplo de sua preocupação com o estilo jornalístico está registrado no livro Tempo Morto e Outros Tempos, em segunda edição, editado pela Global/Fundação Gilberto Freyre, em 2006:

‘Todo meu empenho é fazer d´A Província um jornal diferente dos outros e fiel à sua condição de jornal da província. Autêntico. Honesto. […] Um dos meu empenhos é dar ao noticiário e às reportagens um novo sabor, um novo estilo: muita simplicidade de palavra, muita exatidão, algum pitoresco. Isto é que é importante num jornal. E nada de bizantinismo. Nada de dizer `progenitor´ em vez de pai e nem `genitora´ em vez de mãe. Já preguei no placard um papel em que se proíbe que se empreguem no noticiário não só palavras pedantes em vez das genuínas, como `estimável´, `abastado´, `onomástico´, `deflui´, `transflui´, etc.).’ [2006, p. 319]

Freyre não diz de maneira explícita que faz isso preocupado com o leitor. No entanto, é claro que ao se preocupar com um texto – coloquial, conciso, sem ‘bizantinismos’ – sua preocupação está voltada para os leitores. Ser exato: ou seja, explicar os fatos de uma forma que possam ser compreendidos. E Freyre vai além nessa preocupação em ser didático para os leitores. É preciso, como ele afirma, deixar de usar expressões ‘pedantes’ como ‘onosmático’ – sem dúvida, de difícil compreensão para qualquer leitor até nos dias de hoje.

Seminário em julho

Com essas preocupações, Freyre se antecipa em mais de 70 anos às orientações dos modernos manuais como os do Globo, Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo na sua orientação que remete a um ‘didatismo’ no tratamento com o leitor. O manual do Globo, por exemplo, não é muito diferente do placard do escritor e jornalista pernambucano e deixa isso bem claro ao dizer aos seus profissionais, no capítulo ‘O bom português: ‘O uso impróprio do idioma degrada o jornalista’.

O manual da Folha de S.Paulo enfatiza as recomendações de Gilberto Freyre em ‘Cacoetes da linguagem’: o jornal orienta que deve se evitar usar num texto a expressão ‘abrir com chave de ouro’, bem como o clichê ‘aparar com as arestas’.

Numa homenagem ao pioneirismo de Gilberto Freyre, a Sociedade Brasileira de Estudos Interdiscisplinares de Comunicação (Intercom), que comemora 30 anos de fundação, e o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE realizam em 25 de julho próximo o seminário ‘Gilberto Freyre: inovador do jornalismo pernambucano’, coordenado pelo signatário, com a participação da professora Fátima Quintas, coordenadora do GT ‘Gilberto Freyre e a Contemporaneidade’, da Fundação Joaquim Nabuco (Recife), e do escritor Raimundo Carrero. O evento acontece, às 14 h, no Auditório do Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, e é alusivo aos 20 anos de falecimento do escritor e jornalista pernambucano. A programação também faz parte das comemorações do Ano Barbosa Lima, instituído este ano pela Intercom.

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Jornalista, vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE