Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O que está por trás da recepção móvel

Para muitos analistas e observadores, a recepção móvel de TV é a próxima killer aplication, ou seja, a aplicação que vai impulsionar uma fatia considerável do mercado. Sinceramente, tenho minhas dúvidas sobre o tamanho desta demanda no Brasil. E, baseado nessas dúvidas, preocupa-me o fato de que a discussão sobre a escolha do sistema tecnológico para a TV digital aberta, no Brasil, tenha recaído justamente sobre este ponto.

Existem diversas tecnologias disputando a hegemonia do mercado. Temos o MediaFlo (da coreana Qualcomm, a mesma detentora da patente do CDMA), o HSPDA (evolução do GSM europeu), o WiBro (Wi-Max móvel), o DMB-T (padrão coreano para recepção móvel de TV), o DVB-H (padrão europeu para recepção móvel de TV), o ISDB (padrão universal japonês) e, enquanto escrevo, provavelmente uma outra solução está sendo inventada a partir do interesse de algum grupo econômico.

Na atual discussão sobre a TV digital aberta no Brasil, o debate parece ter ficado reduzido à disputa entre DVB-H e ISDB.

O que não significa que outras soluções não serão implementadas. Por exemplo, as operadoras de TV por assinatura via microondas (notadamente a TVA) têm planos de usar o WiBro e pode-se esperar que, no futuro, o HSPDA e o MediaFlo sejam adotados pelas teles celulares.

Mas, no momento, o debate é em torno da TV aberta. E a recepção móvel tem sido o principal argumento para fazer a diferenciação entre os sistemas europeu e japonês. (O outro motivo – $ – da preferência específica da Globo pelo ISDB obviamente não será colocado à mesa.)

Transmissão segmentada

A grande mídia divulga que apenas o ISDB permite a recepção móvel. O que não é verdade.

De fato, o que ocorre é que o ISDB faz um uso mais inteligente da modulação COFDM (a mesma usada pelo DVB). Com este uso mais inteligente, o ISDB pode segmentar seu sinal de forma a fazer diferentes transmissões, inclusive para recepção móvel. Assim, uma emissora poderá transmitir a mesma programação em standard definition, em high definition e em low definition (esta última, especificamente para a recepção móvel).

O DVB também permite esta segmentação do sinal, mas não apresenta bom rendimento para recepção móvel. A saída encontrada, então, foi criar um novo membro da ‘família’ DVB, chamado DVB-H, que serve especificamente para a recepção móvel.

DVB-H e ISDB apresentam, ambos, resultados satisfatórios para a realidade brasileira.

Então, por que os rádiodifusores preferem o ISDB? Porque, como o ISDB para recepção móvel é uma segmentação da transmissão original para a TV, o sinal continua partindo das torres de transmissão das TVs e circula pela mesma banda de espectro (VHF e UHF) da TV aberta.

Fator determinante

Cabe lembrar que como estamos falando de cidades grandes com diversos problemas de recepção, o uso do ISDB implicará a obrigação das emissoras de TV terem que construir novas antenas, reforçadoras de sinal.

Já o DVB-H é uma nova transmissão, fora do espectro do VHF e do UHF, e demanda uma outra estrutura de transmissão. Esta, muito provavelmente, será a das estações rádio-base das teles celulares. Ou seja, no primeiro caso a transmissão fica com os radiodifusores e, no segundo caso, com as teles.

Em síntese, as emissoras de TV preferem condicionar toda a definição de um sistema tecnológico para o país; preferem ter que arcar com a construção de novas antenas apenas para serem elas as emissoras dos sinais para recepção móvel, fugindo das redes das teles móveis.

É a disputa entre rádiodifusores e teles que determina a opção pelo ISDB. E todo o país fica refém dessa briga.

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Jornalista, mestre em Comunicação, coordenador-geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs) e integrante do Coletivo Intervozes