Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que o brasileiro tem em casa

Não a Veja desta semana, mas a anterior (nº 1944, de 22/2/2006), traz matéria interessante sobre televisores. Começa revelando que as residências brasileiras apresentam um dado curioso: 93% dos brasileiros têm ao menos um televisor em casa e apenas 87,4% têm geladeira.


Enquanto a geladeira é colocada na cozinha, na copa ou até mesmo num corredor ou desvão de escada, o televisor é posto em lugar de honra na sala. E a geladeira pode ser antiga, mas o aparelho de televisão, não. Em parte porque a geladeira dura mais e a televisão menos, o certo é que os brasileiros trocam muito de televisão e pouco de geladeira. Os aparelhos preferidos têm muitas funções, são em cores, os velhos vão sendo substituídos rapidinho, ainda mais com as notórias facilidades do crediário.


No ano passado, as lojas brasileiras venderam 9,8 milhões de televisores. Pelo preço de uma televisão, poderia ser comprada uma pequena biblioteca com estante e tudo. E quem comprou esses 9,8 milhões de televisores, em geral já os tinha em casa, mas queria um modelo melhor. Não tinha livros em casa e achou melhor continuar sem eles. Em resumo, o brasileiro vê, não lê. Com os recursos poderia comprar ou assinar revistas e jornais, mas também não o fez. Faz anos que os jornais têm tiragens decrescentes.


O melhor modelo


Se o brasileiro já comprava tantos televisores, vai comprar ainda mais. Não apenas porque este é ano de Copa do Mundo, mas porque os novos televisores estão mais práticos e mais bonitos. O plasma e o cristal líquido possibilitaram mudanças nunca antes concretizadas. Por exemplo: a TV poderá ser doravante um quadro na parede. Bem leve. E acabou-se aquela caixa de marimbondos que ficava atrás da tela, que agora pode ser fina.


No ano passado, em relação a 2004, houve crescimento de 500% nas compras de televisores de cristal líquido. Mas apenas 58.000 brasileiros os compraram. Um dos modelos custava 270.000 reais! Mas os preços caíram muito. Outro modelo, de 30.000 reais, agora custa 9.000 reais. A indústria calcula vender 230.000 aparelhos até 2008.


A Copa do Mundo vai ser assistida em TV digital. Somos 6 bilhões de pessoas, mas no mundo inteiro apenas 14 milhões têm televisores digitais de alta definição. O mundo muda muito, mas acontece o de sempre: os benefícios das novas tecnologias demoram a chegar a todos.


No Brasil esta realidade é ainda mais cruel do que em alguns países. Já se discute na rua se o melhor modelo da nova tecnologia é o japonês ou o europeu, questão que tem dividido até ministros.


Sem desculpa


As discussões sobre o livro não têm o mesmo interesse, embora todos saibam que países da Europa e o Japão chegaram à nova tecnologia que tanto lucro lhes vai dar porque investiram pesadamente em educação. Japoneses e europeus sentaram nos bancos escolares, leram e estudaram muito: nas escolas e nas universidades, em casa, nos trens, ônibus e aviões.


O Brasil prefere ver a ler. Vai continuar vendo o sucesso dos outros e, pouco a pouco, se os governos não investirem em educação e em cultura, vai caminhar lentamente para a marginalidade entre as nações, vendendo matéria prima e comprando manufaturados.


Na verdade, a responsabilidade não é só dos governos, é de cada cidadão, primeiro porque vivemos numa democracia e, se elegemos quem não dá valor à educação e à cultura, merecemos os eleitos: não temos nem a desculpa de que nos foram impostos. Nós os escolhemos.


Orientados por marqueteiros, os candidatos agora terão a sua cara e a sua fala em alta definição. Quem sabe os eleitores possam escolher melhor depois dessa grande inovação tecnológica.

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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro), onde dirige o Curso de Comunicação Social