Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que uma tem a ver com a outra

O empresário Nelson Tanure, dono da Companhia Brasileira de Multimídia (CBM), formalizou na terça-feira (8/8) o arrendamento por cinco anos (e não dez, como parte da mídia informou) da rede de TV CNT, até então controlada por Flávio Martinez.


A CNT tem sua origem em 1975, com a compra, pelo empresário e deputado José Carlos Martinez, da TV Paraná, de Curitiba, que pertencia aos Diários Associados. Martinez, que se elegeu pelo PRN de Fernando Collor e depois foi presidente do PTB, aparece como beneficiário de pelo menos 1 milhão de reais do valerioduto. Sua rede de televisão, que na época se chamava OM (de Organizações Martinez), foi construída com a compra, logo em seguida, da TV Londrina, também no Paraná, e, em 1992, da TV Corcovado, no Rio – que Silvio Santos foi obrigado a vender por já possuir outra emissora na mesma cidade. Essa transação, segundo denúncias da época, foi feita com dinheiro emprestado por PC Farias.


Seus planos de expansão tinham como pré-requisito a participação de Fernando Collor na compra de outras emissoras, o que acabou não acontecendo. Entre 1992 e 2000, a CNT mantinha em São Paulo uma parceria com a TV Gazeta, que lhe permitia entrar em VHS na capital paulista. O acordo chegou ao fim em maio de 2000 e não foi renovado. José Carlos Martinez morreu num desastre aéreo em outubro de 2003. A televisão foi entregue a Flávio de Castro Martinez, irmão e sócio de José Carlos, e sua grade acabou sendo loteada.


Nós jurídicos


Além de dois programas jornalísticos – o CNT Jornal e o Jogo do Poder (este um programa de entrevistas políticas comandadas por Carlos Chagas) – suas atrações principais são hoje Mil e Uma Noites (arrendado a uma produtora especializada em leilões de tapetes e jóias), Igreja Universal (arrendado ao grupo religioso do bispo Edir Macedo), Magnavita e Sala Vip (programas de entrevistas comercializadas respectivamente pelos apresentadores Cláudio Magnavita e Flávio Correa), além do esportivo Bola na Rede, aos domingos.


Na verdade, tudo o que a rede produz durante os dias de semana resume-se aos dois jornalísticos, que ocupam apenas uma hora e meia do seu espaço total (das 20h às 21h30). O tempo restante é dividido entre os programas evangélicos das igrejas Universal, Renascer, Cristo Vive, Profetizando, os infomerciais (comerciais de até meia hora cada) produzidos pela Polimport e o leilão de tapetes e jóias, que se estende por cerca de cinco horas todas as noites.


Hoje, a rede tem operações em VHF em Curitiba e no Rio de Janeiro, além de algumas praças menores em seis estados: Paraná (Campo Mourão, Cascavel, Londrina, Palmeira, Paranaguá, Paranavaí, Porto Amazonas), Rio de Janeiro (Campos dos Goytacazes), Mato Grosso do Sul (Campo Grande), Tocantins (Palmas), Amapá (Macapá) e Minas Gerais (Congonhas e Conselheiro Lafaiete). Em São Paulo está no canal 26 em UHF, mas também na grade da NET. Em Brasília e Belo Horizonte também está em UHF e na NET.


A rede é distribuída em cabo para mais de 80 outros municípios através de várias operadoras (NET, TVA, Horizon, TV Cidade, STV, Santa Clara e outras). E em DTH para todo o país pela Sky e DirecTV.


A recente atuação de Nelson Tanure no campo da mídia tem sido observada de perto por todos que acompanham o assunto. Seu arrendamento do Jornal do Brasil acaba de conseguir o primeiro efeito positivo, com a mudança do formato do jornal, mas não há indícios de mudança no conteúdo. O empresário costuma dizer que jornal não foi feito para produzir notícias, mas para veiculá-las.


As complicações jurídicas também não são poucas. Na mesma semana do arrendamento da CNT, na quarta-feira (9/8), a Justiça Federal do Rio de Janeiro determinou a penhora dos royalties pagos pela CBM ao Grupo JB, equivalente a 1% da receita líquida obtida com a exploração das marcas do grupo. As operações com a Gazeta Mercantil são bem conhecidas: tal como aconteceu no JB, a CBM passou a editar o jornal sem se responsabilizar pelo passivo da empresa. A Forbes Brasil, também editada pela CBM, nunca decolou, mas só nas últimas semanas Tanure ofereceu pelo menos duas vezes cerca de 25 milhões de reais para comprar a IstoÉ da Editora Três, de Domingo Alzugaray.


O fato é que desde novembro de 1999, quando a RedeTV! começou a transmitir, nenhuma rede de televisão aberta se implantou ou passou por transferência de controle no país. A CNT é bem menor que a rede de Amilcare Dalevo, mas não precisa desatar os nós jurídicos que as emissoras herdeiras das freqüências da antiga TV Manchete carregam até hoje. As dívidas da CNT são estimadas em 40 milhões de reais – o que não é muito – e seu maior problema jurídico corre por conta da transferência da TV Corcovado (canal 9, do Rio), que muitos asseguram permanecer incompleta até hoje.


Mudanças freqüentes


Quais os planos de Tanure para uma rede de televisão e de que maneira ele pensa em implementá-los? A parceria com produtores independentes parece ser uma resposta óbvia, mas incompleta. A produção independente tem como conseguir recursos subsidiados para prover programação a baixo custo, mas isso é pouco para configurar um modelo de negócios para uma rede que hoje fatura menos de 50 milhões de reais por ano e precisa levantar pelo menos cinco vezes mais para começar a mostrar competitividade no mercado.


O arrendamento da CNT foi conduzido por Paulo Marinho, um dos vice-presidentes da CBM. Segundo ele, em entrevista ao Valor Econômico (10/8/2006), a estratégia é fazer uma grande mudança na programação da emissora e ampliar a cobertura jornalística. Marinho garante que nos próximos 120 dias a CNT começará a construir de dois a três estúdios no Rio, e que os contratos de venda de espaço da programação para a Igreja Universal e para leilões deverão ser renegociados ou rescindidos.


Na entrevista, Marinho não explica como e com que dinheiro isso será feito – e, como de hábito, a imprensa não tem apontado a contradição entre a proposta de construir estúdios e se voltar para a produção independente. Grandes estúdios – que são caros – são insumos para a construção de produção própria, o que é mais caro ainda.


É possível, mas não provável, que os planos da CNT se restrinjam apenas a uma vitrine eleitoral – porque, como tal, ela não valeria o dinheiro (não divulgado) que deve ter sido aplicado na transação. Pode-se prever que uma nova administração, capaz de mudar radicalmente o perfil da geradora (que irá migrar de Curitiba para o Rio de Janeiro) possa estimular um crescimento de até 20% de afiliações no período de um ano (a transferência de administração se dará em setembro).


Isso quer dizer que a CNT possivelmente fechará 2007 com mais de 100 afiliadas – menos de 20, porém, em VHS. Não é muito, mas é bastante. O mercado de televisão aberta tem se mostrado bastante sensível às oscilações das maiores redes de TV. Com faturamento superior a 900 milhões de reais, a Record já se proclama a segunda maior rede do país, o que é contestado pelo SBT, que em tese tem uma receita 10% menor mas não conta com a maciça compra de horários pela Igreja Universal.


Indefinições como as que o SBT tem promovido, em que se incluem a mudança freqüente na programação e nos horários, costumam deixar aturdidos não só os anunciantes mas também as afiliadas. Desse clima, uma nova rede de televisão, ao se tornar minimamente competitiva, poderia tirar algum proveito.


Boa notícia


Deve-se esperar que da união de Nelson Tanure com Flávio Martinez possa surgir essa opção de competitividade? O retrospecto de ambos não estimula grande otimismo, mas também é certo que, para a CNT, qualquer coisa é melhor do que o loteamento do espaço entre leilões de tapetes e de fé.


O mercado de televisão aberta no Brasil gira hoje em torno de 10 bilhões de reais, dos quais a Globo tem 60% cativos, enquanto SBT e Record juntos têm outros 20% . Há uma sensação generalizada que existem 2 bilhões de reais bastante volúveis neste mercado, dos quais a CNT belisca hoje cerca de 2%.


É uma fatia irrisória. Aumentá-la não depende de mágica, mas de bom senso. A boa notícia para os novos controladores da CNT é que bom senso é neste momento artigo em falta na maioria das redes de televisão que disputam esse resíduo.

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Jornalista